29 dezembro 2011

Sinal dos tempos

Ainda que com alguma dificuldade, continuo a tentar acompanhar o massivo surgimento de novos restaurantes no Porto. Digo com dificuldade porque cada vez mais desconfio destes supostos “inovadores”, “cosmopolitas” e “arrojados” locais onde, cinco minutos depois de entrarmos, descobrimos que para lá de alguma sofisticação visual (desavergonhadamente copiada), não existe quase mais nada.

O Timbre afirma ter-se inspirado no ambiente e conceito dos restaurantes-bares nova-iorquinos. Aí está um dos problemas de alguns dos novos restaurantes das nossas praças: a inspiração. O problema é que um bom restaurante precisa mais de transpiração do que de inspiração. A inspiração é preguiçosa, presunçosa, frequentemente impede a criatividade e, a médio prazo, é redundante.

De facto, o Timbre, situado em plena Avenida dos Aliados, caracteriza-se por uma decoração cosmopolitazinha onde se reconhecem influências (ou inspiração!) do SoHo ou da Village em Nova Iorque.

Outra inspiração nova-iorquina é a de contratar funcionários que quase não falam português. Se num táxi em Manhattan com GPS isso é um pormenor, quando se trata do meu estômago é “pormaior” que me preocupa, sobretudo quando os equívocos se acumulam e tornam a comunicação tortuosa.

Testando o Bar e as referências geográficas do espaço, peço um Manhattan. Aprovado. Estranhamente, a lista de vinhos é curta e, ainda por cima, existem vários em falta.
Para entrada, peço o frito misto de legumes da estação e camarões em beignets (€ 9,90). Peço mas não como porque o funcionário tenta por todos os meios afastar-me dessa escolha, como se de Lúcifer se tratasse, afirmando que o que é bom são as vieiras salteadas com puré de batata e espinafres salteados (€ 12,90). Cedo, mas infelizmente as vieiras não primam pelo tempero e o puré é uma péssima combinação. Sem pachorra para mais sugestões ordeno o lombo de veado na chapa com puré de batata-doce, cenoura perfumada com laranja e molho de pimenta verde (€ 17,90). A carne era macia e saborosa mas a dose de acompanhamentos francamente escassa e pouco relevante. Nas sobremesas, depois de provar o tiramisù de manga que veio ao engano, lá testei o creme brulèe com gelado de limão. Sinceramente, uma das piores coisas que comi na vida.

Timbre também significa carimbo, selo ou sinal. E o nome não podia ser melhor escolhido. É o sinal dos tempos gastronómicos em que vivemos: muito olho e pouca barriga.

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Timbre * Praça General Humberto Delgado, 307 – Porto * Contacto: 961720537 * 12h às 15h | 19h às 02h (encerra Domingo) * Preço médio: 30 € * Nota: 50%

Quando o onde pouco importa

Comer num centro comercial é mau? Depende do centro comercial e do restaurante. Mas, e acima de tudo, depende das hordas que, nesta época, invadem quase todos os restantes restaurantes para jantares de natal. Estes convívios, que mais parecem convenções de futuros desempregados, empurraram-me – e ainda bem! - para um jantar inesperadamente tranquilo num dos maiores espaços comerciais do país.

Com uma decoração acolhedora, que facilmente nos faz esquecer que estamos dentro de um centro comercial, e um atendimento bastante simpático e prestável, o Eataly é um italiano de respeito.

A lista de vinhos é farta mas, por sugestão, optei por uma sofrível sangria de espumante. Para entrada seleccionei os cogumelos à milanesa, recheados com carne, alho e espinafres gratinados (€ 5,50). Um bocadito mais de sal seria bem-vindo. Das pizzas provo a Gamberi com molho de tomate, basílico, orégãos, mozarella e espinafres (€ 8,50). Massa fina, estaladiça e muito rara de encontrar em solo lusitano. Sinceros parabéns! Para prato principal arrisco um risotto de alheira (€ 7,90) que, embora demasiado picante, se mostrou bastante competente. De novo por sugestão, termino com um razoável biscotto affogato em gelado e café (€ 4,50).

Só é pena que, à semelhança de todas as outras lojas, o Eataly não adira às promoções, rebaixas, saldos e afins. Fica a sugestão.

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Eataly * Av.ª Dr. Óscar Lopes (C. C. Mar Shopping – Loja 1003) – Matosinhos * Contacto: 915 669 758 * 12h às 15:00 | 19h às 23h (não encerra) * Preço médio: 25 € * Nota: 70%

22 dezembro 2011

Para quem é, decoração não basta

Cozinhas, restaurantes, chefes e afins estão, definitivamente, na moda e criaram as condições para uma autêntica explosão do oportunismo mais bacoco. Neste país (ou sítio mal frequentado, como dizia o velho Eça), e como em muitas outras áreas, ainda persiste a ideia peregrina de que para quem é, bacalhau basta, ou seja, uma decoração arrojadinha com meia dúzia de berloques é suficiente para satisfazer os pategos. O problema é que não é. E se é verdade que em terra de cegos, quem tem olho é rei, até os cegos têm paladar. Situado no agora movimentado Largo de S. Domingos, o Tea Point é um esmerado e destacado representante de tudo isto.

A recepção amedronta-nos questionando se temos reserva. Abordagem estranha e despropositada quando o restaurante está praticamente vazio. A decoração é, como disse, moderninha: muitos espelhos, muitos livros, tiras de madeira prensadas que enchem balcões e decoram paredes e mesas.

O serviço é de principiante e atarantado. O couvert chega tarde e a más horas e em cima das entradas (tudo porque estiveram a aquecer o pão – tarefa complicada, pelo visto). Destas opto por uns rolinhos de bresaola recheados de queijo e ervas (5,50 €) – desenxabidos e vulgaríssimos. Dos pratos principais selecciono a Pintada suprema com crosta de pistaccio e puré de cenoura e canela (14 €). Nada mais era do que uma carne branca (a carne de Pintada é escura), dura e seca (suponho que do maldito frango do campo), onde o pistaccio era quase inexistente e o puré uma combinação fraquíssima. Numa segunda prova peço bacalhau confitado com puré de grão-de-bico (15,50 €). O bacalhau de confitado não tinha nada, boiava num azeite de quinta categoria e, pior, estava tão salgado que teve que ser devolvido. Desculpa? “Nós não controlamos isto!”. Pois não, o bacalhau vem naqueles sacos plásticos e é atirado para o prato do cliente. Assim é difícil controlar seja o que for (e os meus nervos nem se fala). Para substituição escolho um spaghetti picante. Piorou: spaghetti num molho miserável com 4 fatias de, imaginem, entremeada (daquela a 50 cêntimos o metro). Para sobremesa, peço uma ganache de chocolate com frutos secos e rum (6 €). Uma mousse, perdão, mistela de chocolate com nozes encharcada em rum da pior espécie.

Queridas tias: para um chazinho e uns scones, se calhar não está mal. Para restaurante, o melhor é desistirem e o mais rápido possível.

Tea Point * Largo de S. Domingo, 78 - Porto * Contacto: 91 640 51 16 * 12h – 15h 20h – 24h. (encerra Domingo) * Preço médio: 25 € * Nota: 10%

O prato certo

3.ª feira, 0h30. Termino de ver mais um episódio da última temporada de Dexter. Abriu-me o apetite. Onde posso eu a esta hora comer um Osso-Buco à Romana? Na casa onde o prato certo em dia certo (a hora incerta) é uma “instituição”.

O Gambamar é um dos últimos espaços onde a nossa agenda pode ser antecipadamente concertada com os desvarios do nosso estômago. Senão, reparem: Bacalhau à Gomes de Sá (2.ª), Osso-Buco à Romana (3.ª), Paella à Valenciana (4.ª), Arroz de Pato à Antiga (5.ª), Rojões à Minhota (6.ª), Tripas à Moda do Porto (Sábado) e Cozido à Portuguesa (Domingo).

A decoração, típica dos snack-bares/restaurantes, é, infelizmente, bastante impessoal – algo claramente a melhorar. Para além de um enorme balcão (tipo manjedoura) há duas salas (uma para fumadores) onde somos recebidos e servidos com bastante competência e cortesia.

É uma casa – como o nome indica – onde podemos comer marisco. Mas, sinceramente, para isso há outras paragens de idêntica ou melhor condição. O que eu gosto mesmo e recomendo são os tais pratos do dia. Depois do Osso-Buco (€ 10,95), prato difícil pela morosidade da sua preparação e que, honestamente, foi um dos melhores que comi, provei ainda uma estupenda perdiz estufada na púcara (€ 27,95) e umas suculentas costeletas de veado grelhadas (€ 19,25).

E, por tudo isto, apelo à mobilização de voluntários para elaborar uma candidatura à UNESCO: prato certo em dia certo a património gastronómico da humanidade já!

Gambamar * Rua do Campo Alegre, 110 * Contacto: 226 092 396 * 12h – 02h (não encerra) * Preço médio: 30 € * Nota: 76%

15 dezembro 2011

Para momentos de grande intimidade

Nos últimos dois anos e, ainda mais, nos últimos meses, a oferta de novos restaurantes no Porto explodiu. De resto, é por vezes difícil compreender como é que, no actual contexto, há mercado para tanta oferta, sobretudo porque, em boa parte dos casos, não se trata de uma oferta, digamos, em conta para os teoricamente bolsos vazios. Mas a verdade é que há mercado já que a maior parte destas novas casas se encontra continuamente cheia e a reserva de mesa, uma excentricidade num passado recente, se transformou numa obrigação. Uma teoria para explicar o paradoxo? Em 1929 as pessoas suicidavam-se atirando-se das janelas; em 2011 põem fim à penúria comendo como se não houvesse amanhã - coisa de facto cada vez mais incerta.

Tudo isto a propósito da minha mais recente descoberta e que é um perfeito reflexo do que vos disse antes. E, a crise que me perdoe, imperdível.

O Artemísia reside numa zona da cidade onde se situa uma parte das muitas e mais recentes galeria de arte da Invicta. Apesar disso, o nome nada tem a ver com esse facto estando associado a ervas aromáticas (não dessas) e especiarias, um cartão-de-visita desta casa.

O ambiente é bastante requintado e, imagino, propositadamente romântico. Domina o castanho chocolate e dourado nas paredes e um chão imaculadamente branco. As mesas são elegantemente decoradas e permitem privacidade. A música de fundo, predominantemente bossa nova (várias pérolas do sublime António Carlos Jobim), adoça o espírito. A permissão de fumar é muito bem-vinda.

A carta de vinhos e champanhes é vastíssima. Nas comidas, além de carta fixa, o restaurante oferece um menu de degustação e um executivo.

No Couvert disponibilizam manteiga de alho e chilli fresco, pasta de azeitona, broa e orégãos e um dip de cogumelos e noz.

Das entradas provei uma fabulosa morcela gratinada com “soubise” de cebola e puré de maçã reineta (€ 6,50) e umas cavalas marinadas com salada de tomate (€ 7). Dos pratos principais selecciono um óptimo risotto nero de chocos tipo paella (€ 17) e um delicioso filet mignon com foie gras e cogumelos porcini (€ 20). As doses são generosas, coisa pouco habitual neste tipo de restaurantes. Encerro com uma digestiva sabayonete de lima e frutos do bosque (€ 6,50).

O Artemísia, para além de um óptimo restaurante, é acima de tudo um espaço propício para um momento especial e de grande intimidade. Declarações de amor incluídas.

Artemísia * Rua Adolfo Casais Monteiro, 135 – Porto * Contacto: 22.6062286 * 12h30 – 15h00 19h30 – 01h30h (encerra Domingo ao almoço) * Preço médio: 35 € * Nota: 87%

07 dezembro 2011

Dos 8 aos 88

Quem tem que dar de comer a filhos, sobrinhos ou afilhados, ou seja, canalha em geral, conhece bem o suplício de ter de suportar as (quase sempre) miseráveis pizzas e comidinhas fáceis para onde somos, à força de chantagens (ameaçando com o envio do nosso nome para comissões de protecção de menores) empurrados. Como não escapo à regra (a vasectomia chegou tarde e o infanticídio ainda é crime) também eu tenho que enfrentar tais dislates. Mas e se descobrirmos que há uma pizzaria minhota onde para além de excelentes pizzas (incluindo uma de bacalhau) nos são oferecidos alguns dos melhores pratos da mais tradicional cozinha portuguesa?

O Dolce Vianna permite satisfazer clientes dos 8 aos 88 anos. A decoração, rústica, tem o grande forno a lenha como protagonista. O atendimento é minhoto, ou seja, eficiente sem intimidades. A lista de vinhos é pequena mas, estando em pleno Minho, um verde branco adamado é escolha obrigatória.

Começo com uma apetitosa raridade: omelete de frango (€ 6). A criançada delicia-se espantada com uma extraordinária pizza Calzone (€ 5,75) enquanto eu opto por provar dois clássicos que justificam plenamente a deslocação: rojões com castanhas (€ 9) e um perfeito cozido à portuguesa (€ 16). Para sobremesa aconselho um excelso tiramisù, dos melhores que provei em Portugal.

Agora já sabem, quando vos intimarem para repastos infantis, não há razões para capitular. A salvação existe.

Dolce Vianna * Rua do Poço, 44 – Viana do Castelo * Contacto: 258.824860 * 12h – 15h 19h – 23h (não encerra) * Preço médio: 15 € * Nota: 77%

30 novembro 2011

"Pratilhar" um pouco de muito

Sexta-feira. Noite de chuva e uma enorme vontade de ficar por casa, ver pela enésima vez uns episódios da série Columbo ou escutar o último – e magnífico! - disco do Tom Waits. Mas, perante um frigorífico vazio e a insistência de gente que queria à viva força mostrar-me uma recente descoberta, lá me faço à estrada. Mal podia imaginar que o que me esperava iria fazer-me voltar a acreditar na capacidade humana – e portuguesa também – para produzir inolvidáveis prazeres a partir de uma cozinha.

O espaço da Casa de Pasto da Palmeira é pequenino (cerca de 20 lugares) mas muito acolhedor. A decoração é moderna, com mobiliário, pratos e talheres um pouco kitsch. A proximidade entre as mesas e o excessivo ruído, defeitos noutros locais difíceis de suportar, são aqui irrelevantes e facilmente ultrapassados pela gentileza, atenção e celeridade dos empregados. E pela possibilidade de fumar.

Este espaço, que acaba de completar um ano de existência, é claramente influenciado pelo conceito francês da “bistronomie”, o grande sopro de renovação no cenário gastronómico francês. Aqui pelo que se come (ao longo de 12 horas ininterruptamente), pequenos pratinhos com petiscos inspirados na cozinha tradicional portuguesa mas não só, a regra é partilhar – conceito de grande utilidade para os tempos que correm.

A lista de vinhos é extensa, com preços muito razoáveis e possibilidade de vinho a copo.

Após uma selecção difícil, de uma cozinha totalmente à vista chegam-me por esta ordem: uma deliciosa terrina de foie gras com compota de cebola (€ 12); os já clássicos e soberbos queques de alheira com grelos numa massa folhada cilíndrica e um molho agridoce (€ 6); o trinitá de gambas e mexilhões com espírito de cowboy (picante) que é uma estonteante mini-feijoada de marisco (€ 8); e, finalmente, uma coxa de pato confitado macia, de pele tostada e cuja carne se solta dos ossos acompanhada por um sorvete de laranja (€ 7,50). Para sobremesa, o incontornável e surpreendente gelado de queijo de cabra com compota de abóbora (€ 4).

A refeição é, perdoem-me a metáfora um pouco desbragada e vulgar, mas simbolicamente bastante significativa, uma autêntica sucessão de orgasmos. Não há frigidez salivar ou qualquer outra que resista a semelhante estimulação dos sentidos.

Que mais querem que vos diga? Corram! Mas levem dinheiro em espécie porque os cartões de débito ou crédito não são bem-vindos.

Casa de Pasto da Palmeira * Rua do Passeio Alegre, 450 – Porto * Contacto: 226168244 * 12h00 – 24h00 (Encerra à 2.ª feira) * Preço médio: 25 € * Nota: 90%

Prato único

Dizia Mário Quintana que a preguiça é a mãe do progresso porque se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda.

Foi exactamente para não estorvar o progresso que resolvi escolher um restaurante onde quase tudo estivesse pré-determinado e pudesse reduzir as minhas ondas cerebrais a um rendimento mínimo garantido.

O Brasserie de L’Entrecôte chegou a Portugal nos anos 90 e tem as suas origens na Suíça com este conceito de ter o entrecôte como prato único (actualmente servem também bife de seitan).

O restaurante do Porto (há outros em Lisboa e Cascais) localiza-se no Passeio Alegre com uma fantástica vista sobre o Douro. A decoração embora requintada é informal. O atendimento é normalizado.

A garrafeira não impressionando é suficiente e tem dez opções de vinho a copo.
Quanto à comida foi só deixar-me servir. Inicio com uma desencantada salada de alface com rúcula e nozes (€ 5,40). Depois recebo o predestinado entrecôte de saborosa carne da vazia, acompanhado de abundantes batatas fritas e um agradável molho brasserie (segredo não desvendado - € 17,95).

Nas sobremesas termina o sossego e somos obrigados a opções complicadas. Provo um soberbo bolo de chocolate com nozes (€ 4,70) e um crème brulée quase perfeito (€ 4,55).

Síntese: se a preguiça o atacar e se gostar muito de carne (a preços pouco módicos), a morada é boa.

La Brasserie de L’Entrecôte * Rua do Passeio Alegre (Jardim das Sobreiras – Loja 2) – Porto * Contacto: 225321270 * 12h – 16h / 20h às 23h – Sextas e Sábados às 24h (não encerra) * Preço médio: 30 € * Nota: 67%

23 novembro 2011

Ler é beber e comer

A Rua de Aviz é de excelentes memórias. Primeiro porque, em plena adolescência, lá passei horas sentado num café, teoricamente a estudar e, na prática, a intercambiar conhecimentos musicais e namoradas com vários amigos; depois porque nessa mesma rua ficava a Livraria Aviz onde, com a minha mãe, costumava ir para excitantes compras pré-escolares. Regressar ao antigo espaço da Livraria Aviz, para jantar, era pois uma obrigação.

O Book é um restaurante-bar e o espaço perfeito para bibliómanos de garfo na mão. A decoração, embora tenha tentado conservar vestígios da função anterior é arrojada e muito atraente misturando betão com madeira e mobiliário retro. No bar (onde se pode fumar) encontramos muitos livros (espalhados por mesas, estantes e até no tecto), garrafas de vinho e, já menos compreensivelmente, sapatos.

Embora tenha feito reserva (indispensável!) dizem-me para esperar um pouco – truque baixo para me obrigar a visitar o bar. Peço um Mojito Hemingway. Sinceramente duvido que o Hemingway aprovasse a quase total ausência de açúcar no Mojito e, conhecendo-lhe o mau feitio, aguentasse esperar tanto tempo para ser atendido.

Chegado à mesa (a proximidade com outros convivas é um pouco excessiva, sobretudo quando um deles é uma indesejável criança) encontro creme de queijo, azeitona e a manteiga cuja relação com o minúsculo pão é difícil por este ser servido lentamente e a conta-gotas.

O menu chega-nos como marcador de página de um livro. Toca-me um “Desnuda por el mundo” de Tom T. Chamales. Será algum sinal? Profecia de futuro próximo? Sem comentários. A carta de vinhos é ampla com cerca de 70 referências e há vinho a copo entre 2 € e 5 €.

Para introdução selecciono o carpaccio de salmão com juliana de laranja (8 €) e o camarão salteado com alho (10 €), ambos competentes sem deslumbrar. Salto o 1.º capítulo (pouco interessante) e do 2.º escolho o lombo de bacalhau com Bulhão Pato (16 €) onde apenas lamento a inexplicável ausência do sabor a Bulhão Pato, e a excelente bochecha de porco com um delicioso arroz de forno de tripa (15 €). Para conclusão, ponho à prova o pão-de-ló, dito “melhor do universo” (de ovo – 4 €). Sendo indubitavelmente bom, mais modéstia não lhe ficava mal.

Dizia Victor Hugo que ler é beber e comer. Eis uma frase que podia ser o cartão-de- visita do Book onde, com algumas arestas a limar, estes prazeres fundamentais para uma vida decente podem ser razoavelmente satisfeitos.

Book * Rua de Aviz, 10 – Porto * Contacto: 91 795 33 87 * 12h00 – 15h00 20h00 – 02h00 (não encerra ) * Preço médio: 35 € * Nota: 77%

Para depois de promessas, bruxarias e afins

Os inexplicavelmente raros roteiros de locais de promessas, mezinhas e bruxarias, não costumam incluir dicas gastronómicas. Presto assim aqui um serviço a todos – e parece que são cada vez mais – quantos se deslocam à Capela do Senhor da Pedra (Miramar) e que, depois de encomendarem uma boa praga ou pedirem à Pomba Gira que lhes quebrem aquele mau-olhado do vizinho do 3.º Dto., necessitem de reconfortar o estômago.

O Areal é o típico restaurante à beira-mar plantado, ou seja, caracteriza-se por uma decoração entre o barraco de praia e o sofisticado lounge. O atendimento é profissional mas pela rigidez faz-nos sentir numa escola de hotelaria. A música ambiente irrita e suscita novas pragas. Menos mal que existe um espaço para fumadores.

O couvert é básico mas, a pedido, servem-nos um paté de atum e umas tostas. A lista de vinhos é normalizada. De entrada provo uma salada de polvo com molho verde. Vulgar. Quer nos peixes, como nas carnes há bastantes opções. Opto pelos nacos de novilho grelhados com batata a murro, grelos, couve roxa, e (pouca) laranja (18 €). A carne surpreende pela óptima qualidade e quantidade. Para sobremesa chamo um competente e digestivo Coronel (sorvete de limão com vodka – 3,80 €).

Em síntese, se a magia negra lhe abrir o apetite, ou se for para a praia e se esquecer do farnel, o Areal é uma boa opção.

Areal Praia – Restaurante / Bar * Avenida da Praia de Miramar (Miramar) * Contacto: 227 530 293 * Semana 12h00 – 15h30 19h30 – 22h30 (fim-de-semana 23h30 - não encerra) * Preço médio: 25 € * Nota: 65%

17 novembro 2011

A casa dos segredos

Há quanto tempo procurava eu um restaurante transmontano no Porto! Não falo de casas que prometem vitelas à mirandesa ou feijoadas à transmontana (de resto, prato que nunca vi em Trás-os-Montes) e que depois nos servem carnes de origem mais do que duvidosa.

Graças a um refinado estômago amigo, a quem eternamente ficarei grato, finalmente encontrei o almejado descanso do guerreiro esfomeado num restaurante onde os segredos da cozinha transmontana, e as suas melhores iguarias (e mais difíceis de concretizar com sucesso), estão à disposição do comum dos mortais portuenses.

O Caldeira é uma preciosidade escondida. Uma espécie de privilégio de sábios. E, no entanto, está mesmo ali, numa das praças mais centrais da cidade (Cordoaria), com um coreto à frente, o famoso café “Piolho” ao virar da esquina e a Torre dos Clérigos ao fundo.

A decoração é muito rústica mas a sua genuinidade (cestos com fruta fresca, legumes diversos e garrafões nas paredes) é imensamente acolhedora. A máxima “o cliente é um amigo” é algo que se sente à entrada.

Os proprietários fazem-nos chegar, a custo elevado mas empenhado (e que não se reflecte exageradamente na factura), todos os produtos directamente da origem. E isso – a par com uma mão de fada na cozinha – é parte fundamental do segredo.

A lista de vinhos existe mas somos aconselhados a experimentar – e bem! – “o vinho tinto do meu marido”.

As entradas, embora se paguem, não se pedem. Azeite de qualidade soberba com alho moído, pão e broa quentinhos e vários queijos compõem esta abertura que, de tão boa mas excessiva, pode pôr gravemente em risco a capacidade de enfrentar o que está para vir.

Os pratos são para pesos pesados e para os que gostam de manter essa condição. Sem hesitações, vou directo aos mais típicos e difíceis de encontrar: Favas à Transmontana (que incluem moira, orelheira, carne de vaca, grelos e beringela - € 12,70) e os Chichos com milho (trata-se de uma carne de sabor único daquela que irá servir para os enchidos e que está prolongadamente mergulhada em vinha d’alhos - €12,70). Perfeição é palavra vã para descrever estas obras de arte.

Termino com um doce de abóbora acabadinho de fazer (ainda quente) que se deve misturar com um fortíssimo e delicioso queijo de ovelha. Um licor de maçã bravo-de-esmolfe, essa iguaria da Beira Alta cada vez mais rara ou adulterada, é o grand-finale.

Trás-os-Montes no Porto? É aqui.

Caldeira * Campo Mártires da Pátria, 53 – Porto * Contacto: 222 088 603 * 12h30 – 14h30 19h00 – 23h00 (encerra Domingo) * Preço médio: 20 € * Nota: 78%

Surrealista é não poder fumar

Um restaurante chamado o Cão que Fuma pode parecer um convite para uma incursão pelo mundo do surrealismo gastronómico. Ou uma música da Tonicha. A origem do nome perdeu-se no tempo. No entanto, sabe-se que esta casa abriu por volta de 1943, pela mão de um casal de judeus franceses que, fugindo do III Reich, vieram dar ao Porto. A energia e coragem de resistência deste casal parece ter sido transmitida ao restaurante que sobrevive com sucesso até hoje.

Na decoração destacam-se as belíssimas fotografias de Manuel Pinheiro da Rocha, um alfaiate e fotógrafo portuense que, incompreensivelmente, continua a ser um ilustre desconhecido. Nas paredes vários “recados” dos visitantes e imensos cães fumadores. O que torna a interdição de fumar, essa sim, surrealista.

A carta de vinhos é curta e generalista. Das entradas selecciono um surpreendente Camarão à Havai (ananás, tomate fresco e molho de marisco - € 10,30). Dos pratos principais aconselho a Carne à Mexicana (cogumelos, pimentos, milho, carne de porco e cominhos - € 6,50) ou, em alternativa, o Entrecôte à Café de Paris (Paris fica longe e o molho não respeita a receita original mas a carne é de excelente qualidade - € 10,50). Para sobremesa, nostalgia da minha infância: queijo com goiabada (€ 2).

Pormenor surrealista adicional: não aceitam pagamento com cartões.

Le chien qui fume * Rua do Almada, 405 – Porto * Contacto: 222 059 340 * 12h00 – 14h00 19h00 – 21h45 (encerra Domingo) * Preço médio: 18 € * Nota: 70%

10 novembro 2011

Maximizar

Jantar na rua onde mais se regurgita por metro quadrado na cidade do Porto pode não parecer muito boa ideia. Explico-me: o Max fica praticamente ao lado do Tendinha, um dos bares onde uma parte substancial dos portuenses termina as (cada vez mais) longas noites desta cidade e onde, invariavelmente, à saída é possível (sobretudo a partir das 6 da manhã), assistir à devolução massiva de alguns sólidos e imensos líquidos.

Num momento em que tanto se apela à capacidade empreendedora nacional, aqui fica a janela de oportunidades para os putativos empresários portuenses: produzir e distribuir por esta zona da cidade vomitões e mictões. Tendo em consideração o estado de alguns dos corpos que podemos encontrar por aqui, apelo também às agências funerárias para que estejam mais atentas a inúmeras oportunidades de futuro negócio.

No entanto, e para desanuviar um bocadinho, saliento que jantando cedinho e não caindo em (todas as) tentações, é possível usufruir de uma refeição tranquila porque, sublinho desde já, o Max é uma agradabilíssima surpresa.

Como é típico nestes prédios antigos, a sala ocupa o rés-do-chão numa espécie de corredor que termina numa pequena esplanada e jardim. A recepção e atendimento são bastante atenciosos e os conselhos e honestidade dos mesmos muito bem-vindos. Para variar, a música ambiente é boa e amansa a alma. Detalhe sempre importante: pode-se fumar. A disposição das mesas permite privacidade, coisa pouco vulgar em espaços mais modernos e normalmente acanhados.

A carta de vinhos é pequena mas forte, incluindo várias possibilidades estrangeiras (sim, o vinho português é bom mas eu não tenho nada contra o Chile e as suas prodigiosas e baratas produções vinícolas).

Das entradas vale a pena provar: umas opíparas ovas de sardinha (€ 11); uma morcela crocante com maçã confitada (€ 6); e uns imperdíveis bombons de alheira (€ 6), tudo em doses bastante generosas. Nos pratos principais, e sem arrependimentos, optei por degustar o confit de pato muito bem combinado com migas regionais (€ 12,50) e um saborosíssimo tamboril lardeado com toucinho e batata-doce (€ 12,50). Apenas dispensava o excessivo acompanhamento de saladas demasiado vulgares. Para me ir habituando, ocupei a meia-hora de trabalho extra a degustar um requintado requeijão com doce de abóbora e canela (€ 3,50).

Sem pretensões exageradas, o Max maximiza o mais importante: boa comida num espaço bonito e a preços razoáveis.

Max * Rua Conde de Vizela, 68 R/c – Porto * Contacto: 222 080 757 * 12h30 – 15h30 19h30 – 23h30 (encerra Domingo) * Preço médio: 25 € * Nota: 78%

Não sair do Cêpa Torta

Que não saímos da cepa torta é uma das ideias feitas mais portuguesas. E que esperamos que alguém nos venha tirar daqui – sem nada fazermos para que isso aconteça – é o acto contínuo. No fundo, apreciamos entranhadamente esta inevitabilidade da desgraça e, convenhamos, esforçamo-nos imenso ao longo de séculos para a conseguir.

Vem isto a propósito de, a partir de agora, também eu me querer juntar a essas vozes. Mas por outras razões.

Sou recebido com muita gentileza e esforço para me encontrar uma mesa, tarefa nada fácil sem a devida reserva. O espaço invoca o conceito de “tasca fina”. É acolhedor mas, porque limitado, um pouco barulhento. A ementa está exposta numa lousa na parede. E fuma-se. Quase de imediato é servido um delicioso pão com tomate e queijo derretido acabado de fazer. A lista de vinhos é curta mas poderosa.

Das entradas selecciono uma aveludada sopa de tomate servida com um fio de natas (€ 3) seguida de um soberbo carpaccio de carne com queijo, alcaparras e muita pimenta (€ 7). Dos pratos principais atiro-me aos “da casa”: provo o excelente bife Cêpa Torta com imensa cebola e um providencial molho de vinho tinto (€ 11) e o polvo à Cepa Torta (polvo à lagareira), igualmente tenro e saboroso. Fecho em beleza com uma tarte de limão, bolacha e creme de leite condensado com merengue (€ 2,50).

E, apesar de ter saído, garanto-vos que, o mais brevemente possível regressarei ao Cêpa Torta.

Cêpa Torta * Rua de Sra. da Luz, 258 – Porto * Contacto: 226 189 284 * 12h30 – 15h00 19h30 – 02h00 (encerra Domingo) * Preço médio: 20 € * Nota: 80%

03 novembro 2011

Nem tudo o que brilha é Ouro

Estar em plena baixa do Porto e poder jantar num restaurante italiano que, pelo seu ambiente, decoração e música, nos transporta para o SoHo de Manhattan podia ser já suficientemente atractivo. Mas a promessa de aí encontrar uma fusão da essência da gastronomia italiana aliada à portuguesa (as minhas preferidas) obrigaram-me a uma visita de emergência e com altíssimas expectativas.

A fachada do La Ricotta é muito sedutora e a decoração interior, à base de madeiras e motivos vinícolas, bonita e acolhedora.

Recepção e atendimento são profissionais mas frios e mecânicos. Instalado no rés-do-chão com vista para a rua Passos Manuel início em grande com um dos melhores gins tónicos que já saboreie. Sublinho, é uma inolvidável experiência que, acima de tudo, se fica a dever à forma como o gin é preparado e servido.

No capítulo da enologia o La Ricotta está vários pontos acima da média com uma oferta de mais de 140 possibilidades (algumas a copo) e que o colocou na posição de finalista da melhor carta de vinhos 2011.

Depois de uma prova de azeites vulgaríssimos com duas variedades de pão, das entradas selecciono uma bruschetta nero e cherry (linguiça de porco preto, tomate cherry, pimentos, cebola, azeitonas, alho e grissini - € 5.60). Sinceramente pouco mais era do que um simples pão com chouriço e uns entreténs.

Para prato principal duas provas: gnocchi gamberetto com mexilhão, molho de marisco e chardonay. Interessante, mas o preço (€ 24.80) é absolutamente desproporcionado. Mas o pior estava para vir: um tornedó late botled vintage com espinafres, gratin de batata e creme ricotta (€ 18.80) que chega praticamente frio. Para sobremesa peço mandarino e limoncello (gelado de tangerina com licor limoncello e carpaccio de lima - € 5.20). Não foi suficiente para compensar o desconsolo.

Eu sei que os olhinhos também comem. Mas nem tudo o que nada é peixe. E quem não quer ser lobo não lhe veste a pele. Servem todos estes popularíssimos ditados para dizer que, se é verdade que o La Ricotta é um bom restaurante, também é verdade que alguns desacertos terão que ser corrigidos: preços mais razoáveis, maior coordenação na cozinha e, ainda que forçada ou tendo por base uma boa dose de Prozac, um atendimento mais simpático. Introduzam estas alterações e ainda vão a tempo de ser uma das referências gastronómicas da cidade. Caso contrário, à primeira qualquer um cai…

La Ricotta * Rua Passos Manuel, n.º 18 – Porto * Contacto: 222 023 300 * Dom. a Qui. 12h – 15h30 19h – 24h. Sex. e Sáb. 19h – 01h. (não encerra) * Preço médio: 40 € * Nota: 55%

Coma com pão

Não, não vos vou falar de produtos ou marcas da minha infância. O Nuno Markl que me perdoe mas, embora entendendo a nostalgia desse passado miserável, e que todos temos que fazer pela vida, eu sei que o chocolate Coma com Pão e o gelado Epá eram autênticas variantes de detergentes e que as pastilhas Pirata foram as principais responsáveis pela existência de várias úlceras no meu estômago.

Quero é falar-vos de uma das melhores açordas de marisco que já comi.

Escondido numa rua estreita A Margarida é um espaço bastante acolhedor com uma decoração rústica (muita pedra à vista, azulejos e madeiras). A recepção é muito hospitaleira – estamos numa casa de família.

Convém não enjeitar as entradinhas: petingas, morcela assada ou umas lascas de um bom presunto serrano. Para beber, a oferta até é boa, mas pouco importa porque fundamental é provar o verde branco particular servido com uma perícia circense. E, chegados ao prato principal, não há como escapar ao ex-libris: uma açorda de marisco servida, literalmente, dentro de um gigantesco pão de mistura. Para além de a açorda ser perfeita, podermos comer igualmente o prato em que é servida é uma experiência sem igual. Obrigatório é um digestivo para desfazer esta deliciosa violência.

Único senão: a brigada de trânsito da PSP nas imediações à nossa espera com um balão que, infelizmente, não é de uísque…

A Margarida * Rua do Castelo, 59 – Leça da Palmeira (Matosinhos) * Contacto: 229 961 402 * Seg. a Sáb. 12h – 15h30 19h30 – 24h (encerra aos Domingo) * Preço médio: 20 € * Nota: 77%

20 outubro 2011

Simplex

Uma das coisas que cada vez mais procuro (e menos encontro) é restaurantes onde, para além de se comer decentemente, se possa estar. Estar no sentido de não sermos perturbados por músicas totalmente inconvenientes, proprietários com o ego exacerbado e que se colam literalmente à mesa contando-nos os seus feitos e conquistas quixotescas ou salas onde a proximidade dos restantes convivas nos convoca para uma intimidade perigosa. A sala do En Casa é totalmente indicada para uma refeição onde podemos pôr a conversa em dia com os amigos ou, tão importante quanto, convencer a vizinha do 2.º Dto. de que a Mónica Bellucci comparada com ela parece o Luisão.

Mas antes de mais nada convém adiantar que o nome do restaurante – injustificável – engana imenso. Ao lermos “En Casa” imaginamos tapas, paellas, sangrias, touros, botellons ou casamentos de duquesas mumificadas. Ou uma gralha. Ou o resultado do acordo ortográfico, o que nem seria de todo impossível. Nada disso. Independentemente da razão do nome, o En Casa é um restaurante tipicamente lusitano. E se o que nos oferece nada tem de muito especial ou único, a sua mais-valia, a merecer várias visitas, é, para além da simpatia da proprietária Júlia Telles e dos seus colaboradores, a excelente confecção dos pratos disponíveis.

A decoração é bonita sem deslumbrar. Dominam o branco e vários espelhos. Inicio da melhor maneira com um Gin Tónico muito bem servido acompanhado de um cinzeiro e ordem para fumar. Tudo acontece com uma calma rara e que, tal como disse, permite que a refeição possa ser mais do que deglutir.

As entradas chegam sem convite mas são muito bem-vindas. Tanto a tripa enfarinhada (€ 2,50), iguaria cada vez mais escassa, como as pataniscas de bacalhau (€ 3,50) encheram as medidas. Nos pratos principais, resolvo chamar os mais tradicionais: provo uns saborosíssimos filetes de polvo com arroz do mesmo (€ 12,50) e um cabrito assado no forno com um arroz a quem só faltam os miúdos para ser perfeito (€ 15,50). De prato alheio ainda provei os filetes de pescada com um arroz de tomate como já não comia há muitos anos (€ 12,50). A sobremesa, bolo de chocolate (€ 3,50), só foi pedida por escrúpulo profissional mas, arriscando o enfarte, valeu a pena.

Em duas palavras, o En Casa conjuga simplicidade com perfeição. Uma espécie de Simplex a repetir muitas vezes.

En casa * Rua Brito e Cunha, 640 – Matosinhos * Contacto: 229 380 396 * Seg. a Qui. 12h30 – 15h 19h30 – 23h. / Sex. e Sáb. 12h30 - 15h30 19h30 – 24h. (encerra ao Domingo) * Preço médio: 25 € * Nota: 78%

Tudo bons rapazes

Em tempos de tanta incerteza, insegurança e de soluções improváveis para os nossos problemas, entrar numa casa onde, à partida, sabemos que tudo irá correr bem é algo que merece destaque.

Os Rapazes, quase a chegar aos 30 anos de existência, localiza-se junto ao Forte de Leça da Palmeira, e é daqueles restaurantes com clientela fidelíssima. Numa sala agradavelmente decorada com motivos marítimos, somos recebidos por uma equipa discreta mas muito gentil. Os fumadores são igualmente bem-vindos.

A oferta de vinhos é suficiente mas a novidade é que Os Rapazes aderiu ao BYOB (Bring Your Own Bottle - traga a sua garrafa) cobrando 3,50 pela sua abertura, conservação e serviço. Levar panadinhos para aquecer é uma possibilidade a explorar.

Para aperitivos opto por um mix de rissóis, croquetes, bolinhos de bacalhau e farinheira (€ 4,95). Satisfaz. Quanto aos pratos, há bastante oferta mas os clássicos são os melhores. E cuidado: as meias doses são gigantescas! Para peixe sugiro os suculentos lombinhos de pescada com molho de marisco (€ 10,95). Na carne, algo que tipicamente é muito mau em quase todo o lado e que aqui, juro, vale a pena provar: o arroz de pato (€ 8,90). Para sobremesa uma oferta invulgar e que vivamente aconselho: um crepe Suzette (para duas pessoas – € 14,50).

Se procura uma refeição tranquila, bem confeccionada e num ambiente discreto, não perca mais tempo. Os Rapazes (e algumas raparigas) estão à sua espera.

Os Rapazes * Largo da Castelo, 39 – Leça da Palmeira * Contacto: 22.9953380 * 12h – 15h 19h – 23h (não encerra) * Preço médio: 20 € * Nota: 70%

13 outubro 2011

Glórias escondidas

Só aqui entre nós, tenho um medo dos guias de restauração, das referências, estrelas e galardões que me pelo. Não quero com isto dizer que, pontualmente, não recorra a esse tipo de orientações, mas é sempre com desconfiança que acolho a opinião alheia sobre seja o que for. E, ou é de mim, ou acabo de dar um tiro no pé… Um crítico gastronómico que teme a leitura de guias de restauração é assim uma espécie de filatelista com receio do correio.

Bom, para me redimir (e tentar conservar este ofício), o que quero dizer é bastante pacífico: nem tudo o que está nos guias é bom e há muita coisa que não aparece em nenhum guia e que é de perder a cabeça. Explicar isto já seria uma tese de doutoramento e agora não me dá jeito.

O D. Maria é precisamente um desses ilustres ausentes de guias, pelo menos dos guias de referência. E, afirmo desde já, que não se entende porquê! Embora talvez seja bom, porque muitas vezes as referências em guias sobem à cabeça e, muito rapidamente, aquilo que era óptimo se transforma em preguiça e facilitismo (podia citar vários casos mas não me apetece ter que pintar o carro outra vez).

Com uma decoração tradicional agradável, combina o rústico (paredes de xisto repletas de belíssimas fotografias e chão de madeira) com um inesperado requinte nas mesas. O acolhimento e o serviço surpreendem pela simpatia, agilidade e eficiência.

Quanto à comida, aqui não há inovações. Pelo contrário, é uma casa onde quem manda é a tradição. Para entrada um menu que é todo um programa: azeitonas, alheira, presunto, queijo, salpicão, e torradas de azeite (€ 9,75). Se acharem insuficiente, recomendo um competente caldo de perdiz (€ 2,90). E beber? Peçam o vinho tinto da casa e depois digam-me alguma coisa. Fantástico! Para prato principal, muitas e opíparas opções. A primeira vai para um muito bem confeccionado javali no pote com batata cozida e grelos (€ 11, 50). Mas, tanto o cabrito assado no forno com batata assada e grelos (€ 15,50), como o arroz de perdiz (€ 15,00) degustados pelos meus acompanhantes se demonstraram igualmente deliciosos. Para sobremesa uma explosiva mas imperdível surpresa: pudim fino de azeite com souflé de chocolate e gelado (€ 3,80).

Diz Anthony Bourdain que devemos desconfiar de restaurantes homónimos dos proprietários. O ego não é necessariamente uma indicação de boa mesa. Embora perceba a ideia, neste caso convém ignorá-la: o D. Maria é da Maria. Mas da Maria da Glória.

D. Maria * Largo Nossa Senhora do Amparo – Mirandela * Contacto: 278.248455 * 12h - 15h 19h – 23h (não encerra) * Preço médio: 20 € * Nota: 78%

Era uma vez lá em casa

Depois de conduzir umas centenas de quilómetros pelo nordeste transmontano o que é que eu mais desejava? Parar num local tranquilo, comer uma refeição sem grandes elaborações, enfim, uma área de repouso e algum prazer. Eis que me lembro de ter comido duas ou três vezes no Lá em Casa e de guardar óptimas recordações de vários pratos, particularmente de uns filetes de polvo. Cedendo à nostalgia, erro clamoroso que teimosamente continuo a cometer, decido revisitar o dito cujo.

Logo à entrada, alarme: um odor a produtos de limpeza de casa de banho, que me faz pensar se não me enganei na porta, e duas estridentes televisões sintonizadas em canais diferentes (futebol e telenovela). Ligo o botão da tolerância máxima, sento-me e peço uma dose dos tais filetes (€ 10). Quanto a sugestões de vinhos, a resposta do proprietário amarfanha-me: “beba o da casa que é mais do que bom”. O polvo, além de duro e gorduroso, sabia a nada. O acompanhamento (salada e arroz branco) era pobre de pedir. Enquanto engolia com dificuldade e tristeza aquela miséria pensava: que empresário da restauração pode demonstrar tanta falta de amor à arte? O que pode justificar semelhante abandono?

Diz o Miguel Esteves Cardoso que os restaurantes são como os amigos: devemos estar com eles nos bons e nos maus momentos. Percebo. Mas, infelizmente, não creio tratar-se de um mau momento. No caso, é apenas o fim.

Lá em casa * Rua Marquês de Pombal, 7 – Bragança * Contacto: 273.322111 * 09h00-01h00 (não encerra) * Preço médio: 18 € * Nota: 30%

04 outubro 2011

A baixa está em alta

Tenho que reconhecer: o Porto, lentamente, desperta da longa letargia que caracterizou os últimos 20 anos e volta a ser uma cidade onde vale a pena viver. O regresso à baixa parece definitivo. Multiplicam-se os novos restaurantes, os locais de encontro e tertúlias em espaços renovados ou a estrear. Finalmente, os portuenses voltam a apropriar-se da sua cidade, combatendo a teoricamente inexorável desertificação. Em síntese, saímos da tumba e, apesar do aspecto de alguma da fauna, não se trata de mortos-vivos.

O Canelas de Coelho é, seguramente, uma das notáveis peças deste renascimento. O nome podia indiciar trata-se de um local onde, privilegiadamente, encontraríamos pratos de caça. Engano. Trata-se apenas da combinação dos nomes dos proprietários Alexandre Canelas e Fernando Coelho (felizmente não se chamam António Barrigas e Nuno Rato…).

Instalado no espaço da antiga tasca A Minhota (conservando com ternura alguns vestígios arqueológicos) é um espaço intimista mas nada intimidador. De resto, o caloroso acolhimento faz-nos sentir imediatamente confortáveis e “da casa”. Importa sublinhar que estamos também num lugar onde o vinho tem grande importância (é igualmente wine bar – outra novidade recente na baixa e que muito se agradece), havendo a possibilidade de beber à garrafa ou ao copo interessantes e menos conhecidos vinhos. Mais pontos positivos? Pode-se fumar e a música ambiente é de excelência

Em relação à comida propriamente dita, estamos perante um esforço – indubitavelmente recompensado – de reinterpretar a cozinha tradicional portuguesa de forma sofisticada sem que essa sofisticação seja incluída na factura. Ao almoço, por exemplo é possível desfrutar de um menu cujo preço médio ronda os € 10 – € 12.

Inicio o jantar com um memorável foie gras, crumble de maçã reineta e amêndoas (€ 8,00) e uns carapaus alimados (€ 6,00) que, violentamente, recomendo. Para prato principal opto pelo pato confitado com geleia de tinta roriz acompanhado por um soberbo risotto de laranja (€ 14,50). Para sobremesa as tentações são várias mas a promessa de que se tratava de coisa leve (aldrabice pegada que acabei por agradecer) orientou-me para as canilhas com creme de pasteleiro, gelado de caramelo e baunilha (€ 4,50).

E veio-me à memória uma frase batida: “estive quase morto no deserto e o Porto aqui tão perto…”

Canelas de Coelho * Rua Elísio de Melo, 29/33 – Porto * Contacto: 22.2015824 * Seg. a Qui. – 12h-15h e 20h-24h. Sex. e vésperas de feriado – 12h-15h e 20h-02h (encerra Domingos e feriados) * Preço médio: 20 € * Nota: 79%

29 setembro 2011

Melhor é (quase) impossível

Quem anda nesta vida de total desregramento alimentar move-se (com cada vez maior dificuldade, é certo) tendo por base uma máxima importante: o melhor está sempre por vir. Infelizmente, o pior também. Mas todos os ofícios têm os seus riscos, e este até nem é dos piores. Contribuinte, por exemplo, é uma actividade onde o pior está sempre garantido.

Diziam-me que, actualmente, o Pedro Lemos é uma das catedrais do epicurismo alimentar do Porto. Exageros de gente deslumbrada, pensei. Mas nada como experimentar. Precavendo-me, fiz-me acompanhar de convivas exigentíssimos, daqueles que estão sempre à espera de mais.

O restaurante mora numa bonita casa reconstruída em plena Foz velha. Dividido em dois pisos, com espaços e ambientes diferentes, somos recebidos com uma simpatia pouco habitual porque parecia genuína. A decoração é bastante sofisticada mas a elegância não estorva nadinha. Acomodam-nos no piso superior e começo a pressentir que, de facto, algo de especial estaria para acontecer.

Inovar a tradição pode parecer uma contradição de termos. Mas é isso mesmo que o menu do Pedro Lemos (que muda todas as estações) nos oferece. A descrição dos pratos é pura poesia e a dificuldade é seleccionar o que pedir, quando a saliva já atrapalhava a fala.

Depois de um apetitoso pão embebido num magnífico azeite de Vila Flor, recebemos um bem-vindo miminho do Chefe: atum flamejado com sementes de sésamo, tomate catalão e creme de funcho. Para 1.º acto seleccionou-se: foie gras de pato mudo (€ 14), que me apeteceu perguntar se se vendia ao quilo; e lavagante azul, vieiras e caviar de aquitânia, abacate, salicornia e ouriço do mar (€ 16). Uma homérica explosão de sabores. Para o 2.º acto, três grandes representações: veja dos Açores num arroz de sapateira e caranguejo de casca mole (€ 23); cabrito das terras altas, couscous, ervilha torta e miúdos num guisadinho; e vitela mirandesa e língua com batatinhas de queijo da serra (€ 23). Silêncio e introspecção caracterizaram a degustação de semelhantes preciosidades. O grande (enorme!) final incluiu uma sericaia com granizado de moscatel de Setúbal (€ 7,50) e café e cardamomo numa panna cotta, salada de citrinos e crocante de sésamo (€ 8).

Estupefacção é a palavra que melhor sintetiza o que senti depois desta sinfonia de prazeres.

Não nego que poderá haver melhor. Mas acredito, veementemente, que deve ser quase missão impossível.

Pedro Lemos * Rua Padre Luís Cabral, 974 – Porto * Contacto: 22.0115986 * 2.ª e 3ª 19h30-23h. 4.ª a Sábado 12h30-24h (encerra Domingo) * Preço médio: 45 € * Nota: 96%

Gabriela, alheira e vitela

As injustiças, ainda que inconscientes, devem ser corrigidas. Escrevi aqui que a melhor posta de vitela à mirandesa se comia em Mogadouro, no Restaurante A Lareira. Eu, pecador me confesso, e por influência de vozes que agora amaldiçoo, desprezei a inventora da posta à mirandesa: a Gabriela. Esta correcção é ainda mais justa quando, se é verdade que a posta do Lareira é bastante boa, a má educação do seu proprietário (comprovadíssima numa recente segunda visita), merecia, no mínimo, uma granada.

O restaurante, situado na pequena mas muito acolhedora vila de Sendim, tem quase 100 anos. Na parede vemos um solene retrato da fundadora. Embora sorrindo, impõe um respeito tal que nos convoca ao silêncio, de resto generalizado a todos os convivas.

Sou atendido com recato pelos descendentes da Gabriela. Beber, bebe-se o vinho da casa. Quanto à comida simplicidade e eficácia. De entrada, a obrigatória alheira de caça. Em seguida, a dita cuja posta (€ 13), tenra, leve e temperada no precioso molho, muito imitado mas que aqui ainda é o original, e onde umas simples batatas fritas se transformam num precioso pitéu. As compotas (ginja, cereja, figo) com queijo (€ 3,50) e os licores da casa fecham a refeição em beleza.

Imitações da posta à mirandesa haverão muitas e boas. Mas, acreditem, continua a valer a pena esta peregrinação à origem. Nem que seja para uma merecida reverência à queima de carne com tal arte.

Gabriela * Largo da Igreja, 27 – Sendim (Miranda do Douro) * Contacto: 273.739180 * 12h-15h00 19h-22h (não encerra) * Preço médio: 18 € * Nota: 75%

15 setembro 2011

A matéria-prima é que manda

Até há cerca de 10 anos era alérgico a marisco (desconfio que se tratava de solidariedade do meu organismo para com a minha carteira). Desde que me livrei de semelhante privação (cura de origem desconhecida para a medicina terrena) tenho habitado parcialmente um viveiro. Provei com frenesim tudo e em quase todo o lado e sou hoje o que se poderá chamar um perito. Nem sei como é que Assunção Cristas desperdiça semelhante sapiência e ainda não me convidou para seu assessor na área das pescas e afins. Logo eu que nunca usei gravata…

Em terra de marisqueiras históricas, afamadas nacional e internacionalmente, é difícil eleger a melhor. Mas eu já escolhi. Ou melhor, fui escolhido pelo elemento crucial: a matéria-prima.

Inaugurada em 1978 (renovada há dois anos), a Marisqueira de Matosinhos é detentora de viveiros de marisco próprios e de fornecimento diário de peixe que surpreende, acima de tudo, pela frescura dos sabores que nos faz chegar à mesa, ainda por cima com um serviço atencioso. Excelente no marisco ao natural (destaque para as ostras, a sapateira e o camarão médio) e no confeccionado (camarão tigre grelhado com batata palha, amêijoas à Bulhão Pato ou até uma simples omeleta de camarão).

A lista de vinhos não é extensa mas não importa; aqui a tradição ordena que se beba cerveja a copo. E vale a pena porque a pressão e a temperatura com que é servida está próxima da perfeição.

Para começar um dos meus pratos de eleição: amêijoas à Bulhão Pato. Simplesmente as melhores, repito, as melhores que comi em toda a minha vida. Não me revelam o segredo mas desconfio que tem tudo a ver com o facto de parte do molho ser a água das próprias amêijoas (segredo conhecido mas muito difícil de concretizar). A tentação de dobrar a dose das amêijoas e parar é grande mas resolvo avançar para outra preciosidade simples mas que aqui, sempre pela mesma razão – matéria-prima –, é absolutamente soberba: dois camarões tigres encorpados grelhados acompanhados por uma batata palha acabadinha de fritar.

Para sobremesa escolho algo pouco ortodoxo mas que garante o efeito “dois em um”: um Irish Coffee muito bem conseguido capaz de competir com o dos melhores pubs irlandeses e com a vantagem de que a seguir posso fumar.

Que me perdoem as restantes marisqueiras de Matosinhos, e eu sei que as há bastante boas, mas para mariscos esta é a minha última morada.

Marisqueira de Matosinhos * Rua Roberto Ivens, 717 – Matosinhos * Contacto: 22.9381763 * 12h às 15h00 19h30 – 0h00 (encerra às quartas-feiras) * Preço médio: 20 € * Nota: 75%

A importância de ser honesto

A degustação de pratos sofisticadíssimos pode proporcionar-nos experiências inolvidáveis. Mas o excesso de criatividade também cansa. Às vezes apetece-me apenas uma comidinha honesta, sem surpresas, em que posso confiar e que não me obriga a grandes reflexões. No fundo, a comida que eu faria em casa se alguma vez lá estivesse.

A entrada do Ernesto conserva a decoração de casa de pasto. E assusta. Mas logo se dá a ruptura e passamos para uma sala de pedra rústica com uma decoração singelamente moderninha. À dispensável TV concedo perdão: está sintonizada num canal de viagens.

Imediatamente me chegam umas entradas simples mas muito cumpridoras da sua missão: fatias de um excelso queijo e um salpicão (€7,50) que se desfaz na boca. Para prato principal, e cheirando-me a peixe frito, nem penso duas vezes: carapaus, pequeninos e estaladiços, com arroz de tomate (€5,70 meia dose). Satisfeito? Sim, mas não resisto e arremato com uma marmotinha frita (7,60 meia dose). Para desenjoar (como se fosse preciso!) um leite-creme queimado (€2,60) que só peca pelo excesso da dose.

Citar Sócrates sobre o tema da honestidade pode parecer um paradoxo. Tratando-se do filósofo, um bocadinho menos: "se o desonesto soubesse a vantagem de ser honesto, ele seria honesto ao menos por desonestidade." Não sei se é este o caso do Ernesto. Mas que satisfaz, disso não tenho dúvidas. E isso, afinal, é ou não é o mais importante?

Ernesto * Rua da Picaria, 85 – Porto * Contacto: 22.2002600 * 12h – 15h 19h – 23h (encerra Domingos e feriados) * Preço médio: 15 € * Nota: 75%

08 setembro 2011

Outro mundo é possível

Confesso que só como hambúrgueres em situações de emergência económica ou de catástrofes naturais. Numa noite estival atípica (cada vez mais frequente) de chuva e frio e sem ânimo para grandes aventuras, acabei por ceder à preguiça e visitar um restaurante próximo de casa. E só vos posso dizer: abençoado arrefecimento global e os caprichos atmosféricos do mês de Agosto que me levaram a descobrir o paraíso da carne picada.

Numa sala pequena e onde a decoração artística é sóbria e não perturba o apetite sou recebido por uma deslumbrante anfitriã e pela música de Chet Baker.

A carta de vinhos é curtinha mas há escolha suficiente para a ocasião. Das entradas experimento o carpaccio de novilho com alcaparras, parmesão e rúcula (€ 6,5) e os cannellonis de beringela com requeijão e ervas aromáticas (€ 3,5), ambas excelentes escolhas. Pela estranheza da coisa tentaram-me o hambúrguer de bacalhau ou o sortido oriental de três mini-burgueres. A prudência orientou-me para revelações menos arriscadas mas igualmente surpreendentes: hambúrguer de tamboril e camarão com risotto de marisco e legumes salteados (€ 13) e o brik de novilho recheado com queijo de cabra e cogumelos acompanhado por batatas assadas e esparregado de espinafres (€ 12). Termino em êxtase com um cheesecake de Baileys e bolacha de chocolate (€ 4).

A única dificuldade foi fechar a boca. Não porque ficasse com fome mas por simples espanto.

Bugo – Art Burguers * Rua Miguel Bombarda, 598 – Porto * Contacto: 22.6062179 * 12h - 15h 20h – 24h (encerra aos Domingos) * Preço médio: 22 € * Nota: 75%

01 setembro 2011

Sonho de uma noite de Verão

Estar no nordeste transmontano, sentado numa poltrona de frente para as serenas águas do Tua, ao lado de um piano e ouvindo Ella Fitzgerald parece um sonho. Mas garanto-vos que, ultrapassado o pesadelo do IP4 (a simples ideia de que o túnel do Marão se mantenha fechado e a finalização da A4 seja uma quimera faz-me pensar em encomendar vários homicídios) e chegados a Mirandela, esse sonho se torna realidade.

O Flor de Sal contraria todas as probabilidades do calimerismo português. Ao invés de se lamentar do “custo da interioridade”, o seu proprietário arriscou, no dito interior, isolado, desertificado e nas palavras de políticos locais, quase apocalíptico, abrir em 2004 um dos mais bonitos restaurantes do país. Ao invés de recorrer aos pratos típicos transmontanos, arriscou uma perfeita e inigualável simbiose entre tradição e modernidade prestigiando ao mesmo tempo produtos locais com central destaque para o azeite e seus imensos e criativos derivados.

A decoração sofisticada, utilizando materiais típicos de Trás-os-Montes, é o perfeito cartão de visita do arrojo que caracteriza esta casa. Um fantástico bar onde se pode fumar e uma esplanada debruçada sobre o rio com uma contemplativa vista de Mirandela são antecâmara obrigatória.

A abissal garrafeira, capaz de conservar imensos vinhos a diferentes temperaturas, merece uma especial atenção: aproximadamente 300 referências, das quais mais de 30 podem ser servidas a copo.

A recepção é bastante calorosa e de uma eficiência irrepreensível. O cardápio, para além de menus de degustação muito aconselháveis, apresenta uma alargada oferta de entradas quentes e frias, arrozes e carnes. Para entrada atiro-me a um genial Tantinho de foie gras com figos adoçados e noz, geleia de favaios e crocante de magret curado. Dos pratos principais não resisto aos Basculhos de vitela mamona e seu molho amanhado sobre grumos de cogumelos e vinho espumante seco. O prazer que o prato me deu foi ainda maior do que o respectivo nome. Embora me tentem várias sobremesas que incluem azeite como ingrediente, opto por um Estaladiço de barriga de freira com gelado de canela. Ode às freiras e aos seus bandulhos.

Dizia Florbela Espanca que não devemos acreditar muito nos sonhos porque de todos se desperta. O Flor de Sal é a excepção que confirma a regra.

Flor de Sal * Parque Dr. José Gama – Mirandela * Contacto: 278.203063 * 12h30 – 15h30 19h30 – 23h (encerra Domingo ao Jantar e 2.º feira) * Preço médio: 35 € * Nota: 85%

Combinado!

O facto de haver cada vez mais restaurantes que simultaneamente são galerias de arte faz deste mundo um lugar fascinante. Melhor ainda só restaurantes que são também escolas de circo, abrigos de poetas não publicados, discotecas ou associações de filatelia.

Eu, bota-de-elástico me confesso, continuo a preferir aqueles onde a única actividade é servir refeições e satisfazer a fome dos convivas.

Integrando-se nesta nova vaga de combinados, o Trinc’Arte é, apesar disso, uma visita recomendável. Numa localização de excelência (pleno centro histórico) uma estética sóbria mas atraente alia-se a comida menos convencional e a preços sensatos.

Uma carinhosa recepção abre-nos o repasto com umas deliciosas fatias de pão e um paté de queijo e tâmaras. Para entradas selecciono cogumelos recheados com alheira (o sabor da alheira perdeu-se algures) e uns crocantes rolinhos de queijo de cabra com doce de frutos do bosque. A escolha de vinhos não é vasta mas, em compensação, é possível beber vinho a copo.

Para prato principal optei por um competente bife com cogumelos, esparregado, arroz tufado e batata frita. O bife, para além de muito tenro, repousava num molho de múltiplos e agradabilíssimos sabores. Para sobremesa uma generosa fatia de tarte de lima que, não sendo exactamente de Key West (Florida), é bastante recomendável.

Se a sua arte for trincar, avance. Se procura um banho de cultura, o rio Douro é mesmo em frente.

Trinc’Arte * Rua Nova da Alfândega, 12 – Porto * Contacto: 22.2025655 * 10:00 - 24:00 (encerra à Terça) * Preço médio: 18 € * Nota: 70%

25 agosto 2011

Sala de ficar

Comer numa mesa pode não parecer uma grande novidade, a não ser que seja, fica já dito, numa das melhores mesas do país e arredores.

Já há algum tempo que tinha ouvido falar deste restaurante e do seu chefe de eleição, Luís Américo, conhecido por reinventar tradições genuinamente portuguesas, sem que estas percam os sabores originais, e não embarcando em modas ou tendências. Era chegada a hora de conhecer a sua casa. E a palavra casa aplica-se que nem uma luva. O restaurante situa-se num 4.º andar de um prédio a caminho da Foz do Douro, onde, apesar da ampla dimensão dos espaços, se respira intimidade e se sente uma liberdade de circulação própria de quem está em casa. Raro e inesquecível.

Diz-se que a beleza não se põe na mesa mas aqui se contraria, e de forma peremptória, este ditado. À saída do elevador, deparo-me com um largo e espaçoso hall e uma varanda com vista para o Atlântico. À esquerda surpreendo-me com uma lindíssima e tentadora sala de espera e bar, decorada com objectos rústicos e estantes cheias de livros. À direita, a sala de jantar, elegante e sóbria, convida à descontracção. A recepção é profissional mas muito acolhedora conduzindo-me para uma mesa espaçosa e parcimoniosamente decorada. Único senão: a música ambiente de péssimo gosto.

Depois de presenteado com finas e estaladiças tostas com um fio de azeite e uns pãezinhos de queijo, chegam-me as boas-vindas do chefe em formato de profiterole recheado de Queijo da Serra. Belíssimo e significativo cartão de visita.

O menu é extenso mas muito bem organizado. A oferta de vinhos, com opção a copo, é igualmente generosa. Para entrada selecciono a salada de pêra e queijo de cabra caramelizado com compota de pimento vermelho, nozes e bacon tostado e o intercalado de morcela e costela de leitão com cebola e mel. E sinto-me levitar. Não estava preparado para tanta emoção.

Para prato principal escolho o bacalhau negro do Alasca com risoto de rúcola e cabidela de cebola. À primeira garfada a explosão de sabores é tão deliciosamente intensa que quase apetece ficar por ali. Mas não. Como tudo deleitando-me lentamente com cada detalhe desta pérola. Para sobremesa um espantoso final feliz: fondant de abóbora com mousse de requeijão e amêndoas tostadas.

Já no bar, depois de um relaxante digestivo e vários cigarros, decido: a partir de agora esta será a minha nova sala de estar. E ficar.

Mesa * Rua D. Domingos Pinho Brandão n.º 75 – 4º andar, – Porto * Contacto: 22.6169255 * 12h - 15h 20h – 23h (encerra Domingo ao jantar e 2.ª feira) * Preço médio: 45 € * Nota: 95%

Só faz falta quem cá está

Em Agosto fazer dieta no Porto é facílimo já que encontrar um restaurante aberto, sobretudo no centro da cidade, é uma autêntica odisseia. Mais constrangedor ainda é ver tantos turistas de guia em punho, desorientados, sem saber o que fazer quando as referências que seleccionaram se encontram indisponíveis.

Felizmente ainda há excepções para nos salvar deste desamparo. O Bibó Porto é uma delas. Situado no epicentro da nova movida portuense este restaurante é já um clássico. Espaço bem decorado e confortável (destaque para a dimensão generosa das mesas e para uma esplanada) só perde pela irritante presença da maldita TV.

Uma recepção discreta sugere-me de imediato três deliciosas e aconselháveis entradas: alheira assada, cogumelos e moelas. Vinhos não há muitos, mas o verde branco da casa, servido a copo e com artes de rega à distância, é uma opção interessante (pena que tenha que esbracejar para activar o sistema de rega que, infelizmente, não é contínuo).

Apesar da imensa oferta de bacalhaus, polvos e carnes (desconfio que há por aqui costela transmontana), opto pela espetada terra e mar. Tanto o polvo como o lombo de boi, acompanhados por um competente arroz com passas e pimentos, para além de tenros, estavam optimamente temperados. Decepcionante foi apenas a sobremesa sugerida, um bolo de bolacha (caseiro, juravam) que de tão seco me obrigou a activar de novo a rega à distância.

Bibó Porto? Biba.

Bibó Porto * Rua José Falcão, 114 – Porto * Contacto: 22.2088199 * 12h - 15h 19h – 23h (encerra ao Domingo) * Preço médio: 18 € * Nota: 70%

18 agosto 2011

Pecados aconselháveis

Atirem-me as pedras que quiserem (presentemente de gelo davam-me mais jeito), mas se há pecado ao qual, definitivamente, não consigo fazer frente, pelo menos até ao primeiro, vá lá, segundo enfarte, é o da gula. Quando ouvi falar em “Pecadosinhos” não descansei enquanto não experimentei.

À entrada pressente-se um ambiente intimista e que revela que o Pecadosinhos não é apenas mais um restaurante entre a imensa oferta que existe em Matosinhos. Com dois pisos (piso superior reservado para eventos e não fumadores), a sala principal é elegantemente decorada (coisa rara por estas bandas) expondo uma requintada e abundante garrafeira como se de uma biblioteca se tratasse. A recepção não é nem esfusiante nem ávida de diálogo de ocasião. De imediato são servidas umas competentes tostas em azeite acompanhadas de úteis sugestões vínicas. A oferta de vinhos é imensa e ainda por cima se pode pedir vinho a copo (ainda uma raridade incompreensível), o que facilita o desfrute das variadas possibilidades.

Umas pataniscas de bacalhau em formato de sonho (a quase ausência de sal atiravam mais para o pesadelo) e umas petingas bastante razoáveis seguidas de uma apetitosa sopa de peixe constituíram um excelente 1.º acto. Para pratos principais eram várias as possibilidades: desde logo uma extensa e aparentemente excelente oferta de mariscos, polvos e bacalhaus. Mas para mariscos e afins haverá melhores poisos além de que quando verifico que um dos ex-libris é o peixe-galo frito com açorda de ovas nem penso duas vezes. E isto por duas razões: primeiro porque é cada vez mais difícil encontrar peixe-galo e ovas nas nossas praças; segundo – preparem-se que esta é polémica – porque era frito como todos os peixes deveriam ser. Esta moda, supostamente saudável, do peixe grelhado que faz com que uma corvina saiba a robalo e um sargo a carvão deveria ser punida com vários anos de serviço à comunidade e longe de restaurantes. O peixe-galo e a açorda de ovas demonstraram-se, de facto, um pitéu imperdível e que aconselho vivamente. Para sobremesa sugeriram-me uma mistura improvável mas que se revelou uma (caloricamente) bombástica mas magnífica surpresa: uma pêra bêbada em cima de uma rabanada. Simplesmente fascinante e a repetir muitas vezes.

Termino com uma aguardente caseira geladinha e que preparou em beleza os pecados que se seguiram. Igualmente deliciosos mas, naturalmente, inconfessáveis.

Pecadosinhos * Rua Tomás Ribeiro, 248 - Matosinhos * Contacto: 22.9371610 * 12h às 15h30 19h – 0h00 (encerra à 2.ª feira) * Preço médio: 20 € * Nota: 75%

Paraísos reencontrados

Dizia Albert Camus que os únicos paraísos são aqueles que perdemos. A capacidade de “envernizar” o passado apagando as suas imperfeições é uma armadilha em que caímos frequentes vezes. Ainda assim, sabendo os riscos que corria, resolvi regressar a um desses paraísos: Caminha.

Tratando-se de um território que muito mudou nos últimos 20 anos, temia desagradáveis surpresas. De facto, não faltam motivos para decepções associadas ao famigerado (e frequentemente assassino) desenvolvimento e modernização. Mas, num último reduto de esperança, encontrei um refúgio capaz de me proporcionar o tão almejado regresso ao passado. Falo-vos do restaurante Chafariz onde desde a recepção, profissional e acolhedora, até à decoração, simples mas minhota q.b., tudo se encontra quase na mesma. Assim que me sento a pergunta fundamental: “ainda fazem aquelas costeletinhas de porco na brasa”? Resposta segura e tranquilizadora: “sempre”.

De entrada uns chouriços assados que combinariam melhor com outro pão que não a vulgar carcaça. Opto pelo vinho da casa, que, como recordava, pela sua rudeza e agressividade não é para amadores. Quanto às abundantes costeletinhas, roídas com as mãos e acompanhadas por um arroz de feijão simplesmente delicioso, entretiveram-me durante meia-hora de agradáveis reminiscências. O leite-creme queimado completou, em cheio, o álbum de memórias.

Foi bom saber que nem tudo são recordações.

Chafariz * Praça Conselheiro Silva Torres, 61 – Caminha * Contacto: 258.721194 * 12h às 14h30 19h30 – 23h (encerra à 2.ª feira) * Preço médio: 18 € * Nota: 65%

11 agosto 2011

As virtudes do Buraco

Eu não sei se o buraco das contas públicas é colossal ou apenas ligeiramente abismal. Sei é que é tempo de poupar. Mas o estômago não tem culpa e não há razões para desenfreadamente passarmos a adoptar ementas de um euro que apenas terão como consequência aumentar o desemprego na indústria da restauração, diminuir a esperança de vida e, por consequência, reduzir a despesa pública com a diminuição das pensões.

Na melhor tradição portuguesa, para sair de um buraco, nada melhor do que recorrer a outro.

O Buraco é um daqueles restaurantes pequeninos, com uma decoração modesta mas muito hospitaleiro. Apesar de acanhado, pelo eficiente serviço e rapidez há espaço e tempo para acolher toda a gente.

O superintendente, o Sr. Manuel, é um autêntico mordomo. Recebe-nos com uma gentileza tímida, “arruma-nos” de acordo com as disponibilidades, fazendo-nos sentir que escolhemos a melhor mesa, iniciando sem pressões um processo de sugestões que, só por si, é já alimento.

O menu não é gigantesco mas também não é preciso. Ao contrários dos supostos restaurantes de vanguarda (leia-se onde se comem migalhas e se paga fortunas) em que o autoritarismo dos chefs quase nos quer ensinar a mastigar, aqui, ainda é possível compor os pratos, pedir para alterar acompanhamentos e satisfazer os caprichos de todos. E se um determinado componente já acabou, sugerem-nos alternativas que satisfazem a mais estranha das extravagâncias. Exemplos? As pataniscas de bacalhau ou as petingas não são uma entrada mas se quisermos podemos pedir um pratinho.

As entradas chegam-nos sem se fazerem anunciar. Uns rissóis de bacalhau são, apenas a título de exemplo, um agradável amuse bouche. Depois, experiências obrigatórias serão os filetes de pescada, o arroz de pato, o peito de vitela assado mas, se disponíveis, indispensáveis mesmo são as petingas com arroz de feijão malandrinho (juro que ouvi gemidos de prazer que deixaram perplexo um mediático sexólogo portuense presente na sala). Para sobremesa, nada de hesitações: é obrigatório comer uma ou quatro rabanadas que devemos reservar à chegada.

Last but not least, espero que com esta crónica se esclareça definitivamente o que eu quero dizer quando afirmo que gosto do Buraco e que se desfaçam (quase) todos os equívocos sobre a minha vida privada.

O Buraco * Rua do Bolhão, 95 – Porto * Contacto: 22.2006717 * Das 12h às 15h e das 19h às 22h30 (encerra nos jantares de Sábado e aos Domingos) * Preço médio: 12 € * Nota: 75%

Das tripas coração

Imagino que 99% dos leitores estarão de acordo com esta minha tese: as melhores tripas à moda do Porto são as da nossa mãe. Já em relação a fígados, o da minha é de evitar. Mas, como também todos sabemos, a nossa mãe nem sempre está para nos aturar, sobretudo quando marmanjos a caminho dos 50 anos de idade só se lembram que elas existem pela chamada saudade de boca.

Alternativa? Encontrar outra família que esteja mais à mão. Neste caso trata-se da família Gomes, proprietária do Bom Talher, uma casa simples, pequena, com uma decoração rústica, que conserva o ideal da tasca mas num clima mais civilizado e limpinho.

Após uma recepção de coração aberto, uma surpresa na garrafeira. O sr. Gomes tem escondidas algumas preciosidades que importa investigar. Quanto à comida, há sempre qualquer coisa acabadinha de fazer para abrir o apetite: rissóis de carne ou marisco, bolinhos de bacalhau, sardinhas fritas ou fatias de um presunto dos raros. Para prato principal destaque para os filetes de polvo com arroz de feijão. Mas o que me faz babar mesmo são as tripas. Pecando pela dificuldade de descrever tal fenómeno, apenas posso dizer que (desculpa mãezinha) são as melhores. E basta.

Falta uma sobremesa de referência, mas nem me incomodo. O meu estômago está aconchegado e entretido a conversar com o meu coração e a citar a frase de um azulejo exposto na sala: “se tens inveja do meu viver, trabalha malandro”.

Bom Talher * Rua Comércio do Porto – Porto * Contacto: 22.2056232 * 12h às 14h30 19h30 – 23h (encerra ao Domingo) * Preço médio: 20 € * Nota: 70%

04 agosto 2011

O segredo

Os segredos deviam ser secretos. Mas, na realidade, um segredo só é segredo quando é revelado. Nestes tempos sombrios, em que toda a gente procura bom e barato, vou ajudar-vos revelando onde está escondida a melhor e mais em conta carne do Porto. Sei que a partir daqui perderei o privilégio de comer tranquilamente e que corro o risco de ver um paraíso transformado em rei da espetada de lombo de boi com filas intermináveis à porta. Mas, provável efeito da silly season, deu-me para a generosidade.

Com duas salas espaçosas e um atendimento educadíssimo e super eficiente, o Dom Brasas é o exemplo acabado daquilo que, a duras penas, finalmente aprendi: a simplicidade é a perfeição.

As entradas são modestas mas uma salsicha fresca acabadinha de dançar na grelha anima e abre o apetite para as tentações que se seguem. A carta de vinhos é muito reduzida mas há um verde branco da casa, despretensioso (zona da Lixa), que aconselho. Quanto à comida propriamente dita, a escolha é variada. A ter que eleger, diria que a espetada de lombo de boi (juro a pés juntos que foi a melhor carne que comi em toda a minha vida) é a melhor opção. Uma segunda escolha poderia ser a espetada de lulas igualmente deliciosa. A quantidade e satisfação são tantas que nem me permitem chegar às sobremesas.

Como dizia o Herculano, o segredo da felicidade é encontrar a nossa alegria na alegria dos outros. Aproveitem. E não digam que vão daqui.

Dom Brasas * Rua Doutor Eduardo Santos Silva, 97 – Porto * Contacto: 22.5492007 * Das 10h30 às 22h30 (não encerra) * Preço médio: 12 € * Nota: 70%

Em branco

O Centro histórico do Porto tem procurado recuperar, ainda que lentamente, uma certa movida perdida ao longo de muitos anos de má vida. O Pimms integra-se nesse esforço que procura trazer para esta zona uma certa sofisticação e cosmopolitismo. Tendo as maiores dúvidas sobre este tipo de intenções alienígenas e que carecem de alma e cultura local, resolvi investigar. E desta vez fui acompanhado.

Trata-se de um espaço imaculadamente branco, imagem de marca do Pimms, muito de acordo com o espírito do tempo a tender para o asséptico. Parece que entramos numa leitaria. Ou numa farmácia. Ou num concerto do Roberto Carlos. Os empregados, maioritariamente brasileiros, são gentis mas adoptaram o estilo ultra personalizado (tipo Manuela Moura Guedes), e apresentam-se dizendo o seu nome e desejando-nos imediatamente um bom jantar. Bonito, mas artificial.

Tudo começa da pior maneira: a um gin tónico que me é servido quase sem gelo e água tónica sem gás segue-se uma sangria deplorável de tão sensaborona. Das entradas seleccionadas, salva-se, com muito boa vontade, o folhado de chevre com doce de figo caseiro. Poder fumar é uma benesse que se agradece por muitas razões mas acima de tudo para poder acalmar a desgastada paciência, sobretudo depois de verificar que a carta de vinhos é vasta mas a preços indecentes. Das pastas, o Spaghetti Nero di Sépia al Gamberoni, embora não totalmente ruim, é confeccionado com uma pasta de má qualidade; o Pappardelle Primavera é uma desilusão pela ausência de tempero e de molho. Nas carnes tentou-se o bife com molho de café (tenro e com um molho competente mas que peca pelas batatas fritas industriais da pior espécie) e a Picata Vesúvio (bifinhos de lombo onde o excesso de tomate anula todo o sabor da mozzarella e as tais batatas fritas irritam ainda mais). Procurando consolo nas sobremesas, as opções foram uma mousse de chocolate com Vodka de chocolate Pancrácio (indulta-se a Vodka) e um gelado de chocolate branco com creme de vinagre balsâmico que, finalmente, acalmou algumas glândulas.

Conclusão: percebo a intenção e o empenho dos proprietários – de resto muito simpáticos e merecedores de toda a estima pelo investimento e por contribuírem para a recuperação do património. Mas não chega. Não basta parecer. Para quem não come só com os olhinhos, ainda há demasiados espaços em branco.

Pimms * Rua do Infante D. Henrique, 95 – Porto * Contacto: 22.2015172 * 2ª a 4ª das 12:00 às 24:00 – 5ª a Sábado das 12:00 à 01:00 * Preço médio: 20 € * Nota: 50%

28 julho 2011

Alegre ma non troppo

Passei as duas últimas semanas a ouvir falar de Angola. Foi tanta Angola, que ainda ando a trautear a Mariquinha do Bonga e a suspirar por um Muzongué. Vai daí, lembrei-me que o Campo Alegre era conhecido por servir especialidades alentejanas mas também angolanas. E 14 pratos de bacalhau. E por reservar todo o primeiro piso para os fumadores. Era hora.

O Campo Alegre é um daqueles restaurantes com um ar tradicional mas intimista. Isto no rés-do-chão porque o primeiro andar caracteriza-se por uma decoração, como dizer sem ser demasiado bruto… apalermada? Misturam-se reproduções de quadros mais ou menos famosos (senti a falta do menino a chorar) com pipas de vinho, anúncios de bebidas e mapas antigos. Com toda a ternura, sugiro desde já uma visita do “querido, mudei o restaurante”. E do “querido, desliga a música” porque não há paciência para o lounge music, essa autêntica praga sonora.

A recepção não é calorosa mas é competente. Sem pedir trazem-me uns aperitivos (polvo em molho verde, bacalhau desfiado e azeitonas) que prometiam festa. Mas só se fosse no Pólo Norte já que pela temperatura a que chegam arriscamo-nos a ter uma congestão antes mesmo de jantar. Começava a ficar inquieto.

Vinicolamente falando, a garrafeira é óptima. O menu é muito (quase demasiado) variado. Começo por uma sopa de tomate à alentejana que veio aquecer o estômago e fazer esquecer as horripilantes entradas. Depois fico dividido: Cação ou chocos de coentrada? Arroz de pescada com camarão ou arroz de caril e camarão à angolana? Ensopadinho de borrego à alentejana ou favas estufadas com entrecosto à alentejana? Caldeirada de cabrito com quiabos e azeite dem dem ou um bocadinho disto tudo? Na impossibilidade de um menu de degustação, opto pelo prato que à porta do restaurante me fez recordar certas e determinadas noites loucas da juventude: Muamba de galinha. E que tal? Bom, não é que os termos de comparação sejam muitos mas não me senti propriamente no Lobito. Julgo que a fraqueza da coisa se fica a dever mais à falta de qualidade dos ingredientes (o gindungo, ou o óleo de palma, por exemplo) do que à da sua confecção.

Valeu-me o Alentejo e uma Sericaia que me adoçou a boca e compensou um bocadinho a decepção.

Saio com uma sensação agridoce: não comi mal, mas também não comi exactamente bem. Digamos que saio com uma lágrima no canto do olho… E decidido a regressar para um tira-teimas.

Campo Alegre * Rua do Campo Alegre, 416 – Porto * Contacto: 22.6097328 * 12h30-15h00 / 20h00-24h00 (encerra aos Domingos) * Preço médio: 20 € * Nota: 60%

Costa, amigo do peito

Desde que escrevo estes singelos textos, invariavelmente sou acossado por alguns amigos (e muitos inimigos) com a frase: “oh pá, tu tens que ir jantar ao…”.

Sendo mais ou menos incorruptível (ver tabela de preços em anexo), evito seguir tais recomendações. No entanto, resolvi abrir uma excepção já que o conselheiro em causa, para além de ser amigo mesmo, apresenta sinais exteriores de riqueza gastronómica nada desprezíveis (vulgo, uma pança descomunal).

Mal nos sentamos na acolhedora e arrumadinha sala do Costa somos presenteados com uma excelente broa e azeitonas, pataniscas de bacalhau e umas soberbas e crocantes petingas. A carta de vinhos, não sendo vasta, tem as trivialidades necessárias à rega daquilo que verdadeiramente me trouxe até aqui: as lulas recheadas. O menu contém artilharia pesada e que um dia farei questão de provar (como a cabeça de pescada ou o peixe-galo com açorda de ovas), mas eu sabia ao que vinha. As lulas são confeccionadas de acordo com todas as regras. Para além de tenríssimas, o recheio constituído maioritariamente por tomate, presunto e os tentáculos das mesmas estava no ponto (o que é difícil porque quase sempre acaba por ficar ou insosso ou salgado). Para sobremesa nada melhor do que uma rabanada (foram três) e uma aguardente das proibidas.

E saio a cantarolar aquela do Milton Nascimento: “amigo é coisa para se guardar no lado esquerdo do peito…”.

Restaurante Costa * Rua Roberto Ivens, 205 – Matosinhos * Contacto: 22.9380154 * 12h30-15h00 / 20h00-24h00 (encerra ao jantar de Domingo) * Preço médio: 18 € * Nota: 70%

21 julho 2011

Empedernido

Dirigi-me a Vila do Conde para um repasto que prometia ser memorável. À chegada, sou traído pelo GPS. Perco-me olimpicamente, as horas vão passando, resolvo ceder às pressões do meu abrutalhado estômago e solicito subjectivíssimas opiniões a autóctones sobre onde é que se come bem. Estavam reunidos os ingredientes para a desgraça.

A sala do Pedra Alta é ampla e, apesar de um bocadinho kitsch, até prometia um serão agradável. Mas uma recepção e atendimento género estabelecimento prisional foram apenas o início das hostilidades e de uma profunda infelicidade.

Enquanto leio o menu, daqueles com fotografias para, justamente, evitar perguntas e facilitar a vidinha aos empregados, atiram-me com torradas de pão de forma industrial encharcadas em manteiga (?) de alho. Tentando animar-me, peço um creme de marisco (que serviu para desenjoar das torradas) e uma caipirinha. Assustado com as imagens chocantes dos pratos, decido-me por uma espetada mista (camarões e lombo de boi) que chega antes da caipirinha! A carne é tenra mas prima pela ausência de tempero e os camarões são tão secos (ou tímidos) que só dificilmente se deixam despir. Para cúmulo, quando procuro compensação emocional nas sobremesas só encontro doces industriais numa cedência à preguiça que merecia, no mínimo, uns açoites.

Saio sem fome mas empedernido. E vingo-me no GPS que abandono algures na A28.

Pedra Alta * Rua Almeida Garrett, 323 – 1.º – Vila do Conde * Contacto: 252.638305 * 12h00 às 14h30 e das 19h30 à 02h00 (encerra Domingos e feriados) * Preço médio: 20 € * Nota: 40%

14 julho 2011

Ingratidão

Entro com devoção num dos restaurantes mais antigos da Cidade do Porto. E a sensação é exactamente a esperada. O octogenário Escondidinho está como sempre foi. A modernidade e o requinte de 1931 encontram-se inalterados e permitem-nos uma viagem no tempo aconchegante e retemperadora. Sente-se quase uma espécie de protecção. Parece estarmos a salvo de um inquietante presente e dá-nos esperança de que o futuro não venha a ser o que nos prometem.

Sou recebido pelo seu responsável máximo, Amarílio Barbosa, que, embora estranhando o meu excelente português, com uma gentileza e profissionalismo impares me faz sentir em casa. Lentamente começo a verificar que as sábias palavras de Francisco Quevedo se confirmam: “quem recebe o que não merece, poucas vezes o agradece”. O cosmopolitismo (leia-se o novo-riquismo bacoco) dos portuenses levou-os a trocarem uma casa que tudo lhes deu por paraísos artificiais japoneses, mexicanos ou indianos condenando-o a viver quase exclusivamente da visita de turistas em busca do que os autóctones desprezam: alguns dos melhores pratos da gastronomia portuguesa.

A maior parte dos convivas são espanhóis, o que produz um ruído de fundo quase insuportável. Ainda soltei entre dentes um “por que no te callas”, mas desisti, até porque o estrangeiro era eu.

Na garrafeira há quase de tudo e para todos os gostos e preços. Quanto aos pratos, a oferta é igualmente generosa e quase apetece pedir um menu de degustação (que não existe). Inicio perfeito com umas amêijoas à Bulhão Pato, sinceramente das melhores que já comi (excepção feita para as de uma certa marisqueira de Matosinhos sobre a qual um dia destes vos falarei). Para prato principal fico muito dividido entre as diversas cataplanas possíveis, um robalo ao sal, ou o bacalhau à escondidinho. Mas a tentação da carne é mais forte e opto por um tornedó Rossini. E não me arrependo nadinha. A carne desfaz-se na boca e o molho e paté que a acompanham fazem o resto. Inesquecível.

Já na sobremesa, fui atraiçoado pela nostalgia. A tarte de maçã folhada, que já foi uma referência do Guia Michelin, era pura palha. Mas a um octogenário podemos perdoar certos deslizes.

Confirmei com uma esperança renovada no futuro que o Escondidinho, como a Cidade, continua mui nobre, sempre leal e invicto. E os portuenses? Devem estar escondidos ou com a boca num qualquer Sushi. Ingratos!

O Escondidinho * Rua Passos Manuel, 142 – Porto * Contacto: 22.2001079 * Das 12h às 15h e das 19h às 23h (não encerra) * Preço médio: 35 € * Nota: 80%

Às armas!

Ainda que o sangue me engane tinha de ir a Viana para saborear o anunciado melhor bife do mundo. O Kobe Beef é assim designado por ser originário da homónima região japonesa onde as vacas Wagyu são tratadas como galdérias, perdão, princesas: recebem diariamente sessões de massagem, ouvem música clássica e “bebem” doses generosas de cerveja japonesa. Resultado: a melhor carne do planeta. Infelizmente ainda estou a ouvir música clássica para me acalmar do sobre(a)ssalto: 80 Euros por um bife (300 gr.) fez-me recear que me roubassem o estômago à saída. Desisti.

O Casa d’armas surpreende pela sua dimensão (acolhedor mas acanhado) e, sobretudo, pela ausência de armas. Esquecido o Kobe beef, recebo com apreensão as sugestões do sisudo chefe Julião. Boa garrafeira e um profissionalíssimo aconselhamento e serviço. Para entrada sardinhas em escabeche que comi e repeti. A refeição principal foi uma espécie de compensação emocional: Terra e Mar composto por um tenríssimo e saboroso bife repousando numa fatia de pão afundados num molho com forte teor alcoólico, acompanhado por impressionantes camarões, tudo flamejado à nossa frente. O sublime de laranja garantiu um final feliz. Ou quase. É que no melhor pano cai a nódoa. Quando peço a conta, percebo que as armas chegam no final: a conta é um roubo (95 € por duas refeições!).

Voltar até volto. Mas desarmado nunca mais.

Casa d’armas * Largo 5 de Outubro, n.º30 – Viana do Castelo * Contacto: 258.824999 * Das 12h30 às 15h e das 19h30 à 22h30 (encerra à 4.ª feira) * Preço médio: 45 € * Nota: 75%

07 julho 2011

Dependências

É cada vez mais comum confessar publicamente fraquezas, gostos e, pasme-se, dependências. Fazer da nossa vida um livro aberto (ainda que electrónico) parece uma obrigação. Há inclusivamente uma indústria que se alimenta disso mesmo e a que solenemente nos habituamos a chamar “redes sociais”. Fraco adepto de tais redes (ainda prefiro as que me trazem o peixe ao prato) utilizo este humilde meio para anunciar a minha vulnerabilidade: sou totalmente dependente de coisas acabadas em “ina”. Sosseguem. Estou a falar, essencialmente, de cafeína. Mas, acima de tudo, do Cafeína.

As opiniões sobre o mundo da restauração dividem-se frequentemente entre os que acham que a decoração de um restaurante é fundamental e os que defendem que o que verdadeiramente importa é a comida. E quando se conciliam os dois mundos? Paraíso na terra. Ora esse é precisamente o caso do Cafeína.

Nascido para responder a um determinado conceito estético (em que, digamos, se comia com os olhinhos), conseguiu impor-se por ter aliado a essa “estética” a ética de servir dos melhores repastos que é possível degustar em Portugal, fazendo desta casa um clássico sempre na moda. Ainda por cima, coisa rara e nunca vista, reservaram o seu espaço mais nobre para os fumadores. Único senão é a música “ambiente” e o seu excessivo volume que convida à mímica e impede qualquer diálogo (que não seja de surdos).

A carta de vinhos, disponibilizada em Ipad fresquinho, não é para info-excluídos. Mas as inúmeras opções disponíveis produzem mais coesão do que 500 reuniões de concertação social.

Quanto à comida, confesso que, enquanto escrevo, o síndrome de abstinência ataca-me, as glândulas salivares parecem amêijoas e só penso quando é que poderei regressar ao vício.

Início com a irresistível terrina de foie gras com pão fumado e maçã caramelizada que não repito por pura vergonha. Para prato principal, um vício de longa data: o bife tártaro, uma raridade só aparentemente simples (e muito out of fashion) que o Cafeína confecciona na perfeição sem esquecer nenhum dos preciosos ingredientes (destaque para as excelentes alcaparras). Terminar em beleza é saborear o bolo de chocolate amanteigado seguido de um sorvete de limão.

Se somos o que comemos, quando saio do Cafeína, sou lindo! E se me virem algum dia a arrumar automóveis e a mendigar uma moedinha, não sejam maus: todos temos os nossos vícios…

Cafeína * Rua do Padrão, 100 – Porto * Contacto: 22.6108059 * Das 12h30 às 18h e das 19h30 à 01h30 (não encerra) * Preço médio: 45 € * Nota: 90%

30 junho 2011

Contributos para o índice da felicidade interna

Começo por uma declaração de interesses: esta crónica é um apelo desesperado à adopção. Estou totalmente disponível para abdicar dos poucos laços de sangue que me restam e entregar-me nos braços de Ana Maria e Desidério Rodrigues. Prometo ser um filho leal, obediente, meigo, carinhoso, trabalhador, enfim, o filho perfeito. Condições? Cama, mesa e roupa lavada. Ou apenas mesa. Onde? No Solar Bragançano, claro.

Falo-vos de uma casa encantada, do castelo imaginário da nossa infância onde as promessas de requinte, sofisticação, fartura e felicidade eterna se cumprem como nos sonhos: para sempre. E era aqui, nesta casa, neste abrigo, que eu queria viver. E de certa forma vivo. Porque só aqui me sinto verdadeiramente feliz. Quando me passeio por estas salas ao som de Mozart ou Haydn, quando degusto as primeiras entradas, quando provo os divinos sucos do Douro, quando fumo num pequeno pátio repleto de flores e aromas celestiais, percebo que tudo o resto que faço na vida faço-o em função de poder experimentar momentos como estes. Viver sem ter desfrutado desta joie de vivre é pura ilusão.

Perdida que está totalmente a objectividade crítica, prossigamos sem medos. Em relação à comida só posso dizer que tudo é excelente. Mas a caça é a aposta certa. O pote mágico de Ana Maria transforma lebres, faisões e perdizes em raridades que fazem as papilas gustativas enviar-nos mensagens ao cérebro que, como compreenderão, não posso aqui reproduzir.

Depois de preciosas iguarias de fumeiro regional e torradas embevecidas em azeite dos deuses, degustemos uma sopa de castanhas. Para prato principal as minhas preferências vão para: javali estufado, perdiz com uvas, arroz de lebre e o soberbo faisão com castanhas. Peixe também é possível e um congro grelhado a melhor opção. Para sobremesa sugiro a abóbora dourada ou a sopa de cerejas.

Querem revisão constitucional? Pois bem, na minha opinião a Constituição da República Portuguesa deveria ter apenas um artigo: todos os cidadãos, maiores de idade, devem ter o direito de, pelo menos dez vezes na vida, almoçar ou jantar no Solar Bragançano. Os restantes artigos estão implícitos. Liberdade, igualdade e felicidade. Os fundamentais.

P.s. A nota de 99% e não 100% é uma pequena reserva de opinião. Quando a Ana Maria e o Desidério Rodrigues me adoptarem, liberto o 1% restante.

Solar Bragançano * Praça da Sé, n.º 34 – Bragança * Contacto: 273.323875 * Das 12h às 15h e das 20h às 23h (encerra à 2.ª feira em época baixa) * Preço médio: 25 € * Nota: 99%

Do Aleixo nunca me queixo

A primeira vez que entrei nesta casa foi há mais de 30 anos. Vim pela mão do meu saudoso avô que nesse dia me disse: “hoje vamos almoçar fora”. Desconhecia o verdadeiro significado daquelas palavras. Rápida e surpreendentemente descobri que tinha outra casa e outra família mas com a vantagem de que podia escolher o prato.

A Casa Aleixo é um dos poucos restaurantes “históricos” do Porto que nos resta. Numa sala com paredes de pedra, repletas de memórias (as duas páginas de Frank Bruni no The New York Times impressionam), o acolhimento não é exuberante mas é eficiente. No menu (também disponível em japonês) esperam-nos as lendas que continuam a cativar pela manutenção da sua qualidade ao fim de mais de 50 anos de existência. Da “farmácia” (garrafeira) nada de genéricos: qualidade e quantidade. Do “laboratório” (cozinha) podemos esperar as melhores experiências e a plena satisfação da “sala de operações” (sala de jantar). Ex-libris obrigatórios são os filetes de pescada e de polvo. Mas um cozido à portuguesa, uma chispalhada com feijão vermelho e grelos ou o cabrito assado no forno não fazem ninguém perder a viagem. Grand finale, uma preciosidade: as rabanadas encharcadas em mel e vinho do Porto.

Nestes tristes tempos em que a urgência de competitividade, criatividade e inovação nos oprimem conforta regressar a uma casa onde a tradição ainda é o que era.

Casa Aleixo * Rua da Estação, 216 – Porto * Contacto: 22.5370462 * Das 12h00 às 14h30 e das 19h30 à 22h00 (encerra Domingos e feriados) * Preço médio: 20 € * Nota: 70%

23 junho 2011

Devagar que nem um abade

Os acontecimentos mundiais e nacionais mais recentes (sim, estou a falar da crise, ou lá o que é) convidam à reflexão, à contemplação, e, no limite, ao recolhimento. Impossibilitado de entrar para um convento (ainda é cedo) procurei beneficiar pelo menos da melhor parte de tal desígnio: comida conventual.

À chegada o Senhor Abade, perdão, o chefe João sugere-me, persuasivamente, que leia a introdução do menu avisando-me que não estou num restaurante normal. Lido o memorando de entendimento, percebo quais as principais e mais urgentes medidas a tomar. O principal driver (como se diz agora) é que tudo se irá passar devagar. E que em termos gastronómicos iremos entrar numa máquina do tempo. Bons presságios.

A cozinha do Senhor Abade oferece-nos um menu baseado na reconstituição de pratos antigos (algumas receitas têm mais de cem anos) de origem nortenha e conventual e serve-os de forma a desacelerar a postura e o palato. Estamos portanto perante um restaurante em que a slow food comanda. Há apenas um senão: para comermos as mais sugestivas preciosidades é preciso encomendar com antecedência e só poderão ser confeccionadas para um mínimo de 4 pessoas. Orgias, portanto. Ou seja, a um single fica vedado o acesso às raridades.

A carta de vinhos é bastante variada e descobrimos uma fantástica possibilidade: pedir vinho a copo, coisa muito útil para quando se está sozinho ou para quando se quer variar ou melhor adaptar o copo ao prato.

Para entradas as possibilidades são quase todas apelativas. Opto por experimentar a morcela (nada de especial), uns pezinhos de porco ao ovo (como nunca tinha comido) e lombinhos de carapau numa cama de azeite (como pode uma coisa tão simples ser tão deliciosa?).

Quanto aos pratos principais, deixo-me levar inteiramente pela mão do omnipresente chefe e experimento um guizo de polvo com bolo de milho e brócolos brancos (fico sem entender porque é que tanta gente trata tão mal o polvo) secundado por uma suculenta bochecha de vaca com milhos que me desperta sensações até então desconhecidas.

As sobremesas são pesadas, mas incontornáveis. Sopa dourada, arroz doce branco com molho de amora e o charuto de ovos (a única coisa que, lamentavelmente, se pode fumar neste espaço) foram as opções.

À saída reparo que o Senhor Abade fica mesmo em frente à Viela dos Abraços. E é isso que nos apetece: abraçar o mundo. Devagarinho.

Senhor Abade * Rua Direita, 98 – Leça da Palmeira (Matosinhos) * Contacto: 22.0114266 * Encerra ao Domingo, feriados e almoço de 2.ª feira * Preço médio: € 25 * Nota: 85%

Faça você mesmo

Não sei se vos acontece o mesmo mas há dias em que me apetece cozinhar fora. Não me refiro a barbecues ou sardinhadas no quintal da vizinha. Falo de um bom “cozinhe você mesmo”, vulgo fondue, daqueles prolongados, com tempo para conversar, pausas para fumar e cheiro a carne esquecida no fundo da panela.

O Cheddar é um restaurante pequeno mas que permite a necessária privacidade. Além disso é ainda Cheddart. À semelhança de outras casas no Grande Porto, assumiu recentemente a função de galeria de arte exibindo fotografias de autor. Comer numa galeria de arte é um conceito interessante e que pode salvar um jantar. Ou vice-versa.

O couvert é fraquinho (tostas vulgaríssimas e um creme de queijo enjoativo), bem como a garrafeira. Nas entradas, uma espécie de iniciação aos fondues. Opto, e bem, pelo de enchidos. Em relação aos fondues propriamente ditos, vários componentes possíveis: carnes (aves e caça), peixe, marisco e, Deus me livre, vegetariano. Todos acompanhados de molhos variados, batata frita e ou arroz. Para os preguiçosos a alternativa seria um bife (molho à escolha). De sobremesa, agarrem-se bem, um fondue, claro, desta feita de chocolate.

Quando saio reparo que sou seguido de muito perto por uma matilha de cães exibindo um apetite voraz. Um fondue com serviço de lavandaria incluído seria seguramente negócio de ainda maior sucesso.

Cheddar tea & fondue * Rua Heróis de França, 611 – Matosinhos * Contacto: 22.4003044 * 12h30-14h30 20h-24h (encerra domingo e 2.ª feira ao almoço) * Preço médio: 20 € * Nota: 65%

16 junho 2011

Regresso ao futuro

Temos ouvido com frequência afirmar que o regresso à terra é inevitável. Não posso estar mais de acordo. Há muito tempo que eu digo que vivíamos na Lua. Decidi assim seguir os conselhos de um certo líder partidário e voltar à lavoura.

Na Casa Agrícola a recepção e atendimento não são exactamente um primor. Digamos que se enquadram no estilo “querem ver que vou ter que atender este pelintra?”. Compensam a decoração composta por objectos que nos criam uma ilusão de estarmos num museu ou de regresso à casa encantada dos bisavôs (que não conheci mas que gosto de imaginar que viviam assim).

O encanto continua quando descubro que existe uma magnífica sala de fumadores. Sendo o couvert miserável e totalmente dispensável (pão sensaborão, manteiga plastificada e azeitonas raquíticas), avanço para o menu e começo a perceber que vai valer a pena. A garrafeira é generosa. Das entradas, bastante convidativas, selecciono três de que não me arrependo: morcela com maçã e cebola, tarte de queijo chévre com doce de tomate e cogumelos recheados com camembert. Quanto aos pratos não resisti ao magret de pato com redução agridoce acompanhado de batata palha (entrou para o meu top ten) e a um bacalhau confitado com migas de coentros que me deixou de queixo caídos. Para terminar, um pavé de chocolate ou, em alternativa, um folhado com frutos silvestres.

Na Casa Agrícola o futuro faz-se no passado. E este é o melhor presente que podemos ambicionar.

Casa Agrícola * Rua do Bom Sucesso, 241 – Porto * Contacto: 22.6053350 * Das 12h às 15h e das 20h às 23h (encerrado aos Domingos e Feriados) * Preço médio: 25 € * Nota: 70%