26 maio 2011

Em sande ser

Tenho que ser sincero. Sempre considerei a francesinha o grau zero da civilização – culinária, obviamente, que da apetitosa Juliette Binoche falarei noutra coluna.

Após o sítio da AOL Travel ter considerado a francesinha uma das dez melhores sanduíches do mundo decidi sacrificar-me (não, definitivamente, não estou a falar da Binoche) e tentar uma aproximação cautelosa ao tema. Depois de várias desilusões e (quase) indigestões, creio que encontrei um dos melhores locais para comer a dita.

O restaurante chama-se Yuko e é local de autêntica peregrinação. Com uma decoração genuinamente rústica, poderia também ser um museu etnográfico (destaque para uma vasta colecção de objectos de lavoura e de fotografias). O ambiente é acolhedor e a recepção amistosa e organizada, o que ajuda bastante sabendo que é possível confrontar-se com longas filas de espera. De entrada podemos petiscar umas moelas, coisa cada vez mais rara e ameaçada. Para beber, recomendo um clássico: a sangria, feita no momento, carregadinha de fruta fresca e com um acentuado e imprescindível sabor a canela. Quanto à sanduíche propriamente dita, o segredo do sucesso é a simplicidade. Ingredientes básicos (queijo, fiambre, salsichas e bife), um molho picante q.b. que não sabe a Knorr e o pão de forma de padaria. Sobremesa? Sugiro uma mousse de chocolate mista (chocolate branco e preto).

Ensandeci? Provavelmente. E já nem me apetece falar da Binoche.

Yuko Tavern * Rua de Costa Cabral, 2331 – Porto * Contacto: 22.5482291 * 20h-02h (encerra ao Domingo) * Preço médio: 18 € * Nota 65%

19 maio 2011

Um italiano vero

A comida italiana é simples. Mas, como a maior parte das coisas simples, não é fácil. Viajo com frequência a Itália e sempre que regresso sinto um aperto – literal – no estômago. Graças a repetidas e traumatizantes experiências, sei que em solo lusitano as promessas de cozinha italiana são quase todas em vão. Os hábitos caseiros impingem-nos pastas demasiado cozidas, pizzas com sabor a pão com chouriço e scaloppini que parecem saídos das piores roulottes de bifanas.

É por isso mesmo que sempre que me aconselham um restaurante italiano tendo a embarcar em mais um voo da Ryanair direitinho a Pisa. Há dias, porém, a saudade apertou, deixei-me cair em tentação e, pela enésima vez, tentei acreditar no quase impossível. Assim cheguei ao Valentino. E, ainda que com alguns pequenos, mas perdoáveis, defeitos, tenho que admitir que finalmente encontrei um ristorante come Dio comanda.

O Valentino fica a poucos passos da Rotunda da Boavista e, a bem da paisagem, tem uma óptima esplanada, música ambiente e um acolhimento bastante gentil, o qual nos serve de imediato uma dose generosa de grissinis e uma saborosa pasta de atum. Pedindo, servem também aperitivos (sugiro um Bellini – Prosecco com néctar de pêssego). Não sendo vasta, a carta de vinhos é suficiente.

Quanto à comida, nas entradas aconselho evitar a óbvia Salada Caprese (tomate e queijo mozzarella) porque os tomates chegam gelados e só se salvam quando encharcados num excelente vinagre balsâmico. Ao invés, será boa ideia pedir um Carpaccio di Manzo (finas fatias de carne, rucola, parmesão, cogumelos e aipo) ou uma Straciatella (sopa de ovo). Pastas? Para além das frescas, que sinceramente prefiro, aconselho todas e há para todos os gostos. Um Gnocchi Pesto (natas, molho de manjericão e pinhões) pode ser uma boa, embora pesada, aposta. Para prato principal, se estiver sozinho recomendo a frittura de pesce (misto de vários peixes e frutos do mar fritos) mas no caso de estar acompanhado poderá apostar num antipasti Valentino (Carpaccio di manzo, carpaccio di salmone, frutos do mar, tomate, mozzarella e melão). Pizzas? Essas só mesmo em Itália.

De sobremesa fiquemo-nos pelos competentes Tiramisú ou Panna Cotta. Um espresso (infelizmente demasiado português) e um Limoncello (licor de limão) poderão ajudar a um final feliz.

A Ryanair arrisca-se a perder um passageiro.

Valentino * Rua Júlio Dinis (Praceta Amaro da Costa) - Porto * 91.9315732 * Das 12h00 às 24h00 (não fecha) * Preço médio: €25 * Nota: 80%

12 maio 2011

O triunfo dos porquinhos

O porco adulto nunca me interessou (e o adulto porco também não me interessa por aí além). Já a sua cria, o leitão, é outra conversa. Durante anos fiz peregrinações às catedrais do leitão assado, quase sempre concentradas na Mealhada e concelhos vizinhos. Mais recentemente, a A1, o Pendular e o TGV (só às vezes) afastaram-me dessas paragens e vi-me obrigado a comer o bicho onde calhava, a maior parte das vezes frio e, numa clara violação dos direitos humanos (e suínos), a saber a frango.
Até que um dia alguém me disse: “o melhor leitão come-se em Coimbra”. Desconfiei. Sinto-me sempre tentado a pensar que se trata de sucedâneos ou de ex-funcionários ressabiados a tentarem vingar-se de um patrão menos carinhoso. Até porque toda a gente sabe que o bom leitão se come na Bairrada. E em Águeda. E em Cantanhede. E na Anadia. E em Oliveira do Bairro.

E foi assim que conheci o Rui. O Rui dos Leitões. Não sendo candidato a listas de "imperdíveis", é aquilo que é preciso ser: competente. Com duas salas no rés-do-chão e uma no primeiro piso, tem uma decoração funcional, mantendo algumas tradições cada vez mais raras (guardanapos de pano, por exemplo) e algo frequentemente difícil de se ver a olho nu: a cozinha e uma montra de sobremesas antecipando o final feliz. O espaço peca apenas pelo formato “cantina” e pela excessiva – aterradora – proximidade entre as mesas. O acolhimento é simpático e muito eficaz, mesmo nos dias em que as filas de espera se prolongam.

Quanto ao leitão, que dizer? Perfeito, assado sem perdas nem danos e deixando a pele estaladiça, como convém. A temperatura e condimentação do molho fazem o resto. Para além do ex-líbris da casa, num dia de sorte (em que o Rui tenha conseguido ganhar a disputa travada nos matadouros pelos diferentes proprietários, de modo a alcançar as parcas miudezas que as normas de higiene permitem distribuir), será possível degustar uma extraordinária cabidela de leitão, iguaria difícil de encontrar noutras paragens.

Além de agradar ao palato, o Rui faz bem à saúde: na mesa ao lado, uma senhora comemorava o centésimo aniversário. Gostei de a imaginar cliente habitual.

Rui dos Leitões * Rua da Barroca, 9 - Coimbra * 239.9913377 * Das 12h30 às 15h00 e das 19h00 às 22h00 (Fecha à 2.ª feira) * Preço médio: 18€ * Nota: 70%

05 maio 2011

O polvo é quem mais ordena

Não sei se o polvo do Veleiros adivinha resultados da bola. Mas eu prevejo, sem grande margem para erro, que nos voltaremos a encontrar amiúde. Confesso que embarquei desconfiado. Eram muitas e insistentes as vozes que afirmavam: “até provares o polvo assado do Veleiros não podes afirmar que viveste”.

À entrada percebo que não faltam prémios e menções honrosas a este restaurante. Optando pela sala do 1.º andar, subo as escadas e ao entrar ouço sussurros em uníssono: “o arroz está mesmo bom”, seguidos de um “é sempre assim”… Querem ver que eu afinal ainda estava mesmo para nascer?

Mal me sento, a primeira surpresa: uns ovinhos fritos de codorniz repousam sobre pequenas fatias de presunto numa tosta. Enquanto lia o menu, de resto bastante variado, sou apanhado de surpresa por uma espécie de intimação. “É polvo assado, certo?” Certíssimo. E lá se foi o menu que, ao que parece, é por aqui apenas uma figura decorativa.

O polvo assado é servido numa terrina de ferro (a mesma que o assou) com dois recipientes. De um lado, o polvo repousando num molho de cebolada; do outro o arroz de forno. O bicho é tenro, quase terno, e o arroz, exactamente como deveria ser sempre: levemente tostado.

Comi – muito mais do que o necessário (conceito subjectivo, eu sei) – e nasci! E é por isso que, mesmo arriscando a vida (a Petrogal fica mesmo ali ao lado), aconselho uma viagem nesta embarcação para encontrar o polvo – adivinho! – melhor do mundo. Pelo menos do Cabo do Mundo.

Veleiros * Rua de Almeiriga Norte, 2520 - Matosinhos (Cabo do Mundo) * 22.9958531 * Das 12h às 15h e das 19h às 23h (fecha Domingo ao jantar) * Preço médio: 20€ * Nota: 70%