25 agosto 2011

Sala de ficar

Comer numa mesa pode não parecer uma grande novidade, a não ser que seja, fica já dito, numa das melhores mesas do país e arredores.

Já há algum tempo que tinha ouvido falar deste restaurante e do seu chefe de eleição, Luís Américo, conhecido por reinventar tradições genuinamente portuguesas, sem que estas percam os sabores originais, e não embarcando em modas ou tendências. Era chegada a hora de conhecer a sua casa. E a palavra casa aplica-se que nem uma luva. O restaurante situa-se num 4.º andar de um prédio a caminho da Foz do Douro, onde, apesar da ampla dimensão dos espaços, se respira intimidade e se sente uma liberdade de circulação própria de quem está em casa. Raro e inesquecível.

Diz-se que a beleza não se põe na mesa mas aqui se contraria, e de forma peremptória, este ditado. À saída do elevador, deparo-me com um largo e espaçoso hall e uma varanda com vista para o Atlântico. À esquerda surpreendo-me com uma lindíssima e tentadora sala de espera e bar, decorada com objectos rústicos e estantes cheias de livros. À direita, a sala de jantar, elegante e sóbria, convida à descontracção. A recepção é profissional mas muito acolhedora conduzindo-me para uma mesa espaçosa e parcimoniosamente decorada. Único senão: a música ambiente de péssimo gosto.

Depois de presenteado com finas e estaladiças tostas com um fio de azeite e uns pãezinhos de queijo, chegam-me as boas-vindas do chefe em formato de profiterole recheado de Queijo da Serra. Belíssimo e significativo cartão de visita.

O menu é extenso mas muito bem organizado. A oferta de vinhos, com opção a copo, é igualmente generosa. Para entrada selecciono a salada de pêra e queijo de cabra caramelizado com compota de pimento vermelho, nozes e bacon tostado e o intercalado de morcela e costela de leitão com cebola e mel. E sinto-me levitar. Não estava preparado para tanta emoção.

Para prato principal escolho o bacalhau negro do Alasca com risoto de rúcola e cabidela de cebola. À primeira garfada a explosão de sabores é tão deliciosamente intensa que quase apetece ficar por ali. Mas não. Como tudo deleitando-me lentamente com cada detalhe desta pérola. Para sobremesa um espantoso final feliz: fondant de abóbora com mousse de requeijão e amêndoas tostadas.

Já no bar, depois de um relaxante digestivo e vários cigarros, decido: a partir de agora esta será a minha nova sala de estar. E ficar.

Mesa * Rua D. Domingos Pinho Brandão n.º 75 – 4º andar, – Porto * Contacto: 22.6169255 * 12h - 15h 20h – 23h (encerra Domingo ao jantar e 2.ª feira) * Preço médio: 45 € * Nota: 95%

Só faz falta quem cá está

Em Agosto fazer dieta no Porto é facílimo já que encontrar um restaurante aberto, sobretudo no centro da cidade, é uma autêntica odisseia. Mais constrangedor ainda é ver tantos turistas de guia em punho, desorientados, sem saber o que fazer quando as referências que seleccionaram se encontram indisponíveis.

Felizmente ainda há excepções para nos salvar deste desamparo. O Bibó Porto é uma delas. Situado no epicentro da nova movida portuense este restaurante é já um clássico. Espaço bem decorado e confortável (destaque para a dimensão generosa das mesas e para uma esplanada) só perde pela irritante presença da maldita TV.

Uma recepção discreta sugere-me de imediato três deliciosas e aconselháveis entradas: alheira assada, cogumelos e moelas. Vinhos não há muitos, mas o verde branco da casa, servido a copo e com artes de rega à distância, é uma opção interessante (pena que tenha que esbracejar para activar o sistema de rega que, infelizmente, não é contínuo).

Apesar da imensa oferta de bacalhaus, polvos e carnes (desconfio que há por aqui costela transmontana), opto pela espetada terra e mar. Tanto o polvo como o lombo de boi, acompanhados por um competente arroz com passas e pimentos, para além de tenros, estavam optimamente temperados. Decepcionante foi apenas a sobremesa sugerida, um bolo de bolacha (caseiro, juravam) que de tão seco me obrigou a activar de novo a rega à distância.

Bibó Porto? Biba.

Bibó Porto * Rua José Falcão, 114 – Porto * Contacto: 22.2088199 * 12h - 15h 19h – 23h (encerra ao Domingo) * Preço médio: 18 € * Nota: 70%

18 agosto 2011

Pecados aconselháveis

Atirem-me as pedras que quiserem (presentemente de gelo davam-me mais jeito), mas se há pecado ao qual, definitivamente, não consigo fazer frente, pelo menos até ao primeiro, vá lá, segundo enfarte, é o da gula. Quando ouvi falar em “Pecadosinhos” não descansei enquanto não experimentei.

À entrada pressente-se um ambiente intimista e que revela que o Pecadosinhos não é apenas mais um restaurante entre a imensa oferta que existe em Matosinhos. Com dois pisos (piso superior reservado para eventos e não fumadores), a sala principal é elegantemente decorada (coisa rara por estas bandas) expondo uma requintada e abundante garrafeira como se de uma biblioteca se tratasse. A recepção não é nem esfusiante nem ávida de diálogo de ocasião. De imediato são servidas umas competentes tostas em azeite acompanhadas de úteis sugestões vínicas. A oferta de vinhos é imensa e ainda por cima se pode pedir vinho a copo (ainda uma raridade incompreensível), o que facilita o desfrute das variadas possibilidades.

Umas pataniscas de bacalhau em formato de sonho (a quase ausência de sal atiravam mais para o pesadelo) e umas petingas bastante razoáveis seguidas de uma apetitosa sopa de peixe constituíram um excelente 1.º acto. Para pratos principais eram várias as possibilidades: desde logo uma extensa e aparentemente excelente oferta de mariscos, polvos e bacalhaus. Mas para mariscos e afins haverá melhores poisos além de que quando verifico que um dos ex-libris é o peixe-galo frito com açorda de ovas nem penso duas vezes. E isto por duas razões: primeiro porque é cada vez mais difícil encontrar peixe-galo e ovas nas nossas praças; segundo – preparem-se que esta é polémica – porque era frito como todos os peixes deveriam ser. Esta moda, supostamente saudável, do peixe grelhado que faz com que uma corvina saiba a robalo e um sargo a carvão deveria ser punida com vários anos de serviço à comunidade e longe de restaurantes. O peixe-galo e a açorda de ovas demonstraram-se, de facto, um pitéu imperdível e que aconselho vivamente. Para sobremesa sugeriram-me uma mistura improvável mas que se revelou uma (caloricamente) bombástica mas magnífica surpresa: uma pêra bêbada em cima de uma rabanada. Simplesmente fascinante e a repetir muitas vezes.

Termino com uma aguardente caseira geladinha e que preparou em beleza os pecados que se seguiram. Igualmente deliciosos mas, naturalmente, inconfessáveis.

Pecadosinhos * Rua Tomás Ribeiro, 248 - Matosinhos * Contacto: 22.9371610 * 12h às 15h30 19h – 0h00 (encerra à 2.ª feira) * Preço médio: 20 € * Nota: 75%

Paraísos reencontrados

Dizia Albert Camus que os únicos paraísos são aqueles que perdemos. A capacidade de “envernizar” o passado apagando as suas imperfeições é uma armadilha em que caímos frequentes vezes. Ainda assim, sabendo os riscos que corria, resolvi regressar a um desses paraísos: Caminha.

Tratando-se de um território que muito mudou nos últimos 20 anos, temia desagradáveis surpresas. De facto, não faltam motivos para decepções associadas ao famigerado (e frequentemente assassino) desenvolvimento e modernização. Mas, num último reduto de esperança, encontrei um refúgio capaz de me proporcionar o tão almejado regresso ao passado. Falo-vos do restaurante Chafariz onde desde a recepção, profissional e acolhedora, até à decoração, simples mas minhota q.b., tudo se encontra quase na mesma. Assim que me sento a pergunta fundamental: “ainda fazem aquelas costeletinhas de porco na brasa”? Resposta segura e tranquilizadora: “sempre”.

De entrada uns chouriços assados que combinariam melhor com outro pão que não a vulgar carcaça. Opto pelo vinho da casa, que, como recordava, pela sua rudeza e agressividade não é para amadores. Quanto às abundantes costeletinhas, roídas com as mãos e acompanhadas por um arroz de feijão simplesmente delicioso, entretiveram-me durante meia-hora de agradáveis reminiscências. O leite-creme queimado completou, em cheio, o álbum de memórias.

Foi bom saber que nem tudo são recordações.

Chafariz * Praça Conselheiro Silva Torres, 61 – Caminha * Contacto: 258.721194 * 12h às 14h30 19h30 – 23h (encerra à 2.ª feira) * Preço médio: 18 € * Nota: 65%

11 agosto 2011

As virtudes do Buraco

Eu não sei se o buraco das contas públicas é colossal ou apenas ligeiramente abismal. Sei é que é tempo de poupar. Mas o estômago não tem culpa e não há razões para desenfreadamente passarmos a adoptar ementas de um euro que apenas terão como consequência aumentar o desemprego na indústria da restauração, diminuir a esperança de vida e, por consequência, reduzir a despesa pública com a diminuição das pensões.

Na melhor tradição portuguesa, para sair de um buraco, nada melhor do que recorrer a outro.

O Buraco é um daqueles restaurantes pequeninos, com uma decoração modesta mas muito hospitaleiro. Apesar de acanhado, pelo eficiente serviço e rapidez há espaço e tempo para acolher toda a gente.

O superintendente, o Sr. Manuel, é um autêntico mordomo. Recebe-nos com uma gentileza tímida, “arruma-nos” de acordo com as disponibilidades, fazendo-nos sentir que escolhemos a melhor mesa, iniciando sem pressões um processo de sugestões que, só por si, é já alimento.

O menu não é gigantesco mas também não é preciso. Ao contrários dos supostos restaurantes de vanguarda (leia-se onde se comem migalhas e se paga fortunas) em que o autoritarismo dos chefs quase nos quer ensinar a mastigar, aqui, ainda é possível compor os pratos, pedir para alterar acompanhamentos e satisfazer os caprichos de todos. E se um determinado componente já acabou, sugerem-nos alternativas que satisfazem a mais estranha das extravagâncias. Exemplos? As pataniscas de bacalhau ou as petingas não são uma entrada mas se quisermos podemos pedir um pratinho.

As entradas chegam-nos sem se fazerem anunciar. Uns rissóis de bacalhau são, apenas a título de exemplo, um agradável amuse bouche. Depois, experiências obrigatórias serão os filetes de pescada, o arroz de pato, o peito de vitela assado mas, se disponíveis, indispensáveis mesmo são as petingas com arroz de feijão malandrinho (juro que ouvi gemidos de prazer que deixaram perplexo um mediático sexólogo portuense presente na sala). Para sobremesa, nada de hesitações: é obrigatório comer uma ou quatro rabanadas que devemos reservar à chegada.

Last but not least, espero que com esta crónica se esclareça definitivamente o que eu quero dizer quando afirmo que gosto do Buraco e que se desfaçam (quase) todos os equívocos sobre a minha vida privada.

O Buraco * Rua do Bolhão, 95 – Porto * Contacto: 22.2006717 * Das 12h às 15h e das 19h às 22h30 (encerra nos jantares de Sábado e aos Domingos) * Preço médio: 12 € * Nota: 75%

Das tripas coração

Imagino que 99% dos leitores estarão de acordo com esta minha tese: as melhores tripas à moda do Porto são as da nossa mãe. Já em relação a fígados, o da minha é de evitar. Mas, como também todos sabemos, a nossa mãe nem sempre está para nos aturar, sobretudo quando marmanjos a caminho dos 50 anos de idade só se lembram que elas existem pela chamada saudade de boca.

Alternativa? Encontrar outra família que esteja mais à mão. Neste caso trata-se da família Gomes, proprietária do Bom Talher, uma casa simples, pequena, com uma decoração rústica, que conserva o ideal da tasca mas num clima mais civilizado e limpinho.

Após uma recepção de coração aberto, uma surpresa na garrafeira. O sr. Gomes tem escondidas algumas preciosidades que importa investigar. Quanto à comida, há sempre qualquer coisa acabadinha de fazer para abrir o apetite: rissóis de carne ou marisco, bolinhos de bacalhau, sardinhas fritas ou fatias de um presunto dos raros. Para prato principal destaque para os filetes de polvo com arroz de feijão. Mas o que me faz babar mesmo são as tripas. Pecando pela dificuldade de descrever tal fenómeno, apenas posso dizer que (desculpa mãezinha) são as melhores. E basta.

Falta uma sobremesa de referência, mas nem me incomodo. O meu estômago está aconchegado e entretido a conversar com o meu coração e a citar a frase de um azulejo exposto na sala: “se tens inveja do meu viver, trabalha malandro”.

Bom Talher * Rua Comércio do Porto – Porto * Contacto: 22.2056232 * 12h às 14h30 19h30 – 23h (encerra ao Domingo) * Preço médio: 20 € * Nota: 70%

04 agosto 2011

O segredo

Os segredos deviam ser secretos. Mas, na realidade, um segredo só é segredo quando é revelado. Nestes tempos sombrios, em que toda a gente procura bom e barato, vou ajudar-vos revelando onde está escondida a melhor e mais em conta carne do Porto. Sei que a partir daqui perderei o privilégio de comer tranquilamente e que corro o risco de ver um paraíso transformado em rei da espetada de lombo de boi com filas intermináveis à porta. Mas, provável efeito da silly season, deu-me para a generosidade.

Com duas salas espaçosas e um atendimento educadíssimo e super eficiente, o Dom Brasas é o exemplo acabado daquilo que, a duras penas, finalmente aprendi: a simplicidade é a perfeição.

As entradas são modestas mas uma salsicha fresca acabadinha de dançar na grelha anima e abre o apetite para as tentações que se seguem. A carta de vinhos é muito reduzida mas há um verde branco da casa, despretensioso (zona da Lixa), que aconselho. Quanto à comida propriamente dita, a escolha é variada. A ter que eleger, diria que a espetada de lombo de boi (juro a pés juntos que foi a melhor carne que comi em toda a minha vida) é a melhor opção. Uma segunda escolha poderia ser a espetada de lulas igualmente deliciosa. A quantidade e satisfação são tantas que nem me permitem chegar às sobremesas.

Como dizia o Herculano, o segredo da felicidade é encontrar a nossa alegria na alegria dos outros. Aproveitem. E não digam que vão daqui.

Dom Brasas * Rua Doutor Eduardo Santos Silva, 97 – Porto * Contacto: 22.5492007 * Das 10h30 às 22h30 (não encerra) * Preço médio: 12 € * Nota: 70%

Em branco

O Centro histórico do Porto tem procurado recuperar, ainda que lentamente, uma certa movida perdida ao longo de muitos anos de má vida. O Pimms integra-se nesse esforço que procura trazer para esta zona uma certa sofisticação e cosmopolitismo. Tendo as maiores dúvidas sobre este tipo de intenções alienígenas e que carecem de alma e cultura local, resolvi investigar. E desta vez fui acompanhado.

Trata-se de um espaço imaculadamente branco, imagem de marca do Pimms, muito de acordo com o espírito do tempo a tender para o asséptico. Parece que entramos numa leitaria. Ou numa farmácia. Ou num concerto do Roberto Carlos. Os empregados, maioritariamente brasileiros, são gentis mas adoptaram o estilo ultra personalizado (tipo Manuela Moura Guedes), e apresentam-se dizendo o seu nome e desejando-nos imediatamente um bom jantar. Bonito, mas artificial.

Tudo começa da pior maneira: a um gin tónico que me é servido quase sem gelo e água tónica sem gás segue-se uma sangria deplorável de tão sensaborona. Das entradas seleccionadas, salva-se, com muito boa vontade, o folhado de chevre com doce de figo caseiro. Poder fumar é uma benesse que se agradece por muitas razões mas acima de tudo para poder acalmar a desgastada paciência, sobretudo depois de verificar que a carta de vinhos é vasta mas a preços indecentes. Das pastas, o Spaghetti Nero di Sépia al Gamberoni, embora não totalmente ruim, é confeccionado com uma pasta de má qualidade; o Pappardelle Primavera é uma desilusão pela ausência de tempero e de molho. Nas carnes tentou-se o bife com molho de café (tenro e com um molho competente mas que peca pelas batatas fritas industriais da pior espécie) e a Picata Vesúvio (bifinhos de lombo onde o excesso de tomate anula todo o sabor da mozzarella e as tais batatas fritas irritam ainda mais). Procurando consolo nas sobremesas, as opções foram uma mousse de chocolate com Vodka de chocolate Pancrácio (indulta-se a Vodka) e um gelado de chocolate branco com creme de vinagre balsâmico que, finalmente, acalmou algumas glândulas.

Conclusão: percebo a intenção e o empenho dos proprietários – de resto muito simpáticos e merecedores de toda a estima pelo investimento e por contribuírem para a recuperação do património. Mas não chega. Não basta parecer. Para quem não come só com os olhinhos, ainda há demasiados espaços em branco.

Pimms * Rua do Infante D. Henrique, 95 – Porto * Contacto: 22.2015172 * 2ª a 4ª das 12:00 às 24:00 – 5ª a Sábado das 12:00 à 01:00 * Preço médio: 20 € * Nota: 50%