09 agosto 2012

Marisqueiras há muitas, mas...


Como já aqui referi, fui perseguido por uma autêntica maldição durante mais de 30 anos: alergia a marisco que me sujeitava às mais devastadoras privações. Para além dos inevitáveis casamentos e festas de aniversário onde tais iguarias reinavam, o pior eram as jantaradas e convívios em marisqueiras onde me tinha que contentar com um prego em prato confeccionado sem qualquer arte ou, no limite, uma deslavada omelete. Felizmente o Brasil cura quase tudo e, numa longínqua mas muito saudosa noite de 2003, no famoso Marius Crustáceos em Copacabana, sem saber como e depois de uma autêntica orgia de frutos do mal, perdão, do mar, fiquei curado.

Vem isto a propósito do facto de a maior parte das marisqueiras optarem por um exagerado grau de especialização que, apesar de compreensível, pode ser funesto, sobretudo se depois de uns camarões da costa ou de umas amêijoas nos apetecer regressar à terra e aos prazeres da carne. Ora é precisamente aqui que o Gaveto se distingue da maior parte dos seus pares. Embora apresente uma reconhecida qualidade nos mariscos (com viveiros próprios e fornecimento diário de peixe fresco), consegue servir-nos um prato de carne que, só por si, é todo um programa.

O Gaveto é casa antiga e de respeito. Ainda de maior respeito por ter sabido resistir a modernices, tanto em termos estéticos como técnicos. Sou recebido e servido com uma amabilidade já rara, principalmente em espaços de grande dimensão como é o caso.

A lista de vinhos é vasta e as sugestões bastante recomendáveis. Para abrir o apetite experimento as ameijoas à Bulhão Pato (€ 18,50) que, devo dizer, me surpreenderam pela extraordinária qualidade do molho. De seguida atirei-me àquilo que me tinha trazido ali: o entrecosto de boi à maître de hotel (€ 45 – dose para 2-3 pessoas). A carne, de uma qualidade exemplar, vem fatiada, mal passada (como deve de ser) e regada por um molho do outro mundo, parte substancial do segredo do sucesso deste prato. É acompanhada por uma batatas fritas em palitos grossos e uns deliciosos grelinhos. Para sobremesa, e em tempos de crise, opto pela solução “dois em um” que, de resto, cada vez mais me agrada: um doce e digestivo Irish Coffee (€ 5,95).

Resumindo: marisqueiras há muitas e boas, principalmente em Matosinhos. Mas uma marisqueira capaz de bater aos pontos afamadas churrasqueiras e outros especialistas em pratos de carne, assim de repente, só estou a ver esta.


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Gaveto ä Rua Roberto Ivens, 826 - Matosinhos ä Contacto: 229 378 796 ä 12h00 – 01h30 (não encerra) ä Preço médio: 30 € ä Nota: 75%

02 agosto 2012

Sexo tântrico


Muita gente me perguntava porque é que ainda não tinha visitado o restaurante do famoso Chefe Rui Paula. As razões eram várias: em primeiro lugar porque simpatizo com o proprietário, o que é sempre um risco; em segundo, porque, a julgar pelo que lia e ouvia, o tipo de cozinha do DOP não era exactamente a minha praia e temia poder ser injusto; finalmente, porque pensava para que é que um restaurante destes precisava da minha visita já que nada do que eu dissesse poderia alterar a excelente imagem que possui ou contrariar as extraordinárias críticas que já recebeu.

A decisão de o visitar chegou no dia em que me provocaram com a tentadora afirmação: deleite gastronómico capaz de garantir orgasmos múltiplos é no DOP. Depois de experimentar tenho-vos a dizer que o DOP comprova aquela teoria de que a comida é como o sexo: conforme a idade vai avançando, a qualidade e a capacidade criativa sobrepõem-se, e de que maneira, à quantidade e banalidade. O DOP é puro sexo tântrico.

O edifício tem uma longa história tendo desempenhado interessantes funções para a Cidade do Porto. A decoração é imensamente moderna e cosmopolita mas ao mesmo tempo muito acolhedora. A recepção e o serviço são profissionalíssimos mas conservando um carácter humano, ou seja, é possível dialogar sem que sintamos que estamos a falar com autómatos.

Instalam-me no espaço para fumadores. A lista de vinhos oferece uma tal variedade que ficamos inebriados antes mesmo de qualquer escolha. Do que seleccionei para comer, só mencionarei os nomes já que quanto a descrições apenas posso dizer que todos são únicos e absolutamente perfeitos. Das entradas provo a terrina de foie gras em vinho do Porto com perna de galinha confitada (€ 16) e a Francesinha com lombo Maronês e linguiça transmontana (€ 14). Para pratos principais experimento o tamboril com risoto de lima (€ 27) e o Porco, barriga cachaço e leitão (€ 28). O estertor de refulgente prazer veio com o chocolate e vinho do Porto (€ 15) e a lima e os frutos vermelhos (14). Convém ainda sublinhar que entre todos os pratos sem excepção nos são oferecidos interessantes intermezzos que estão muito longe de ser meros entreténs.

Apesar de não ser uma casa que se possa visitar com frequência (por causa dos preços e porque o sexo tântrico não se deve praticar todos os dias), o DOP merece sem quaisquer dúvidas o meu primeiro, e provavelmente único, 100%.

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DOP ä Largo de S. Domingos, 18 - Porto ä Contacto: 222 014 313 ä 12h30 – 15h30 e das 19h30 às 23h – Sábados às 24h (encerra Domingo ao Jantar e 2.ª feira) ä Preço médio: 65 € ä Nota: 100% 

26 julho 2012

Chegadas e despedidas


Espinho é a cidade mais parecida que conheço, pelo menos a norte do país, com Nova Iorque. Calma. Embora exista um Casino e, esporadicamente, alguns espectáculos burlescos, não se trata da Broadway e o cosmopolitismo limita-se a umas dezenas de turistas veraneantes. Refiro-me apenas à organização da cidade e ao facto de as ruas e avenidas serem designadas por números, facilitando a orientação, sobretudo a dos forasteiros.

Sim, eu sei, estou a divagar e a gastar inutilmente caracteres. O que querem, a silly season também ataca os críticos gastronómicos!

Há restaurantes onde vou por causa de uma entrada e outros onde anseio chegar à saída. No Avenida 8, para mim, o que vale mesmo a pena é uma das entradas e duas sobremesas. Importa sublinhar que o resto da oferta não é má, muito pelo contrário (terça-feira é dia de arroz de bacalhau com taquinhos, quarta de tripas à moda do Porto, quinta de arroz de pato à antiga, sexta de rojões à moda do Minho, sábado de cabritinho assado e domingo de cozido à portuguesa), mas a entrada... Já lá vamos.

É um espaço moderno, com uma decoração minimalista, em tons de branco e mostarda, onde somos recebidos com gentileza. A sala principal fica ao nível da entrada mas na cave existe um snack-bar pronto a servir presunto, tábuas de queijos, francesinhas, pregos no pão ou em prato e tostas mistas.

Na mesa colocam-me de imediato uns ovinhos de codorniz e um queijo de ovelha. A lista de vinhos não é grandiosa mas contém alguns nomes sonantes e suficientes para o gasto. Único reparo, para um pormenor bastante desagradável, é que o vinho escolhido chegou à mesa muito depois das entradas que entretanto arrefeciam. Do menu, para começar, e desvendando finalmente o mistério, selecciono o gratinado de Avintes (6 €). De que se trata? Miolo de broa de Avintes, presunto, grelos e alho tudo misturado com um ovo escalfado. Chamam-lhe entrada mas é muito mais do isso. É uma preciosidade que só por si merece a deslocação a Espinho. Mas porque a profissão a isso obriga sigo em frente e, para prato principal, peço o bacalhau à Avenida 8 (12 € meia-dose que dá bem para duas pessoas). A generosa posta de bacalhau, de muito boa qualidade, desfaz-se em lascas, acompanhado por um cremoso puré. Mas a segunda grande surpresa estava para chegar: jesuítas fresquíssimos e uns folhados de maçã com amêndoas e passas. Saída divinal!

Entrar bem, e sair ainda melhor, é no Avenida 8. 


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 Avenida 8 ä Avenida 8, 308 - Espinho ä Contacto: 227 327 405 ä 12h30 – 15h e 19h30 – 23h (encerra 2.ª feira) ä Preço médio: 20 € ä Nota: 76%
 

19 julho 2012

Comer como um Lorde


Tenho que admitir que sou muito sensível aos hodiernos apelos do empreendedorismo, da inovação e de choques dos mais variados tipos e feitios. Sou tão sensível que, assim que os oiço, fujo o mais rápido que puder para um qualquer local onde me garantam que aquilo que era bom continua a ser. Insultem-me, de preferência inovando, mas, cada vez mais, estou convencido que a grande inovação é o conservadorismo. O Oporto é um exemplo muito reconfortante disto mesmo.

Chegar a esta magnífica casa é regressar ao século XIX. O Largo da Igreja da Foz é um local idílico, dominado por frondosas árvores e uma lindíssima vista da Foz do Douro. Entra-se directamente para uma ampla sala, dividida em duas áreas (uma onde se pode fumar) repleta de detalhes decorativos e recantos fora de época, imperando uma calma que nos faz sentir convidados de uma família inglesa (a do Júlio Dinis, por exemplo). Gostei particularmente dos sofás na sala de espera e dos muitos jornais e revistas que acompanharam o indispensável gin tónico. Tanto a recepção como o atendimento são de gentleman.

As mesas, elegantemente decoradas, estão à distância perfeita para uma conversa reservada. Retratos de clientes famosos povoam as paredes. E este é o único senão. É que ter o Carlos Magno permanentemente a olhar para mim, irrita-me a úlcera e perturba-me a digestão.

O menu é um encanto e a lista de vinhos inclui óptimas opções. Para entrada selecciono os crepes de camarão gratinados (12 €) num cremosíssimo molho bechamel e o crocante de camembert (6 €) acompanhado por duas preciosidades: uma salsa frita e estaladiça e uma deliciosa compota de framboesa. Dos pratos principais escolho dois muito, mas mesmo muito, aconselháveis: o caril de gambas (17 €) e as costeletinhas de anho com hortelã (13,50 €). As gambas, de grande porte, mergulhadas num saboroso molho de caril, são acompanhadas por um rodízio de laranja, coco, ananás, maçã e natas e servidas numa caminha de arroz. Em relação às costeletinhas, para além da qualidade da carne, só vos posso dizer que o molho de hortelã faz milagres. Uma fatia de bolo de laranja (4 €) encerrou bem a opípara refeição.

Ainda que já saiba que o destino final desta crítica não será dos mais prestigiantes (no Oporto as críticas gastronómicas acabam afixadas nas casas de banho), afirmo com convicção: comi como um Lorde num dos melhores restaurantes da cidade do Porto.

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Oporto ä Largo da Igreja da Foz, 105 - Porto ä Contacto: 226 100 727 ä 12h30 – 15h e das 20h às 23h (encerra Domingo e 2.ª feira ao almoço) ä Preço médio: 30 € ä Nota: 90% 

12 julho 2012

Cozinhar fora


Na generalidade, a maior parte dos restaurantes italianos em Portugal é de evitar. Aquilo que parece simples não o é, e a maior parte das tentativas acaba por ser uma profunda desilusão. No Da Salvatore estamos a salvo dessas frustrações porque, para além da oferta de 13 tipos de pizzas e 12 de pastas, degustamos algo que dificilmente se encontra noutro local e que vale a pena experimentar: a Charbonade.

Antes de mais nada convém sublinhar que o local é recôndito e que um GPS e muita atenção dão jeitinho. Mesmo à beira-mar (ainda que sem vistas para o mesmo) trata-se de uma casa com uma decoração simples mas muito arrumadinha, dividida em duas salas, numa das quais se pode fumar. A recepção e atendimento são do tipo familiar e eficientes embora se atarantem um bocadinho quando as salas ficam cheias. A refrigeração do espaço não é famosa e mesmo o mais tropical dos clientes rapidamente inicia um processo de destilação bastante desagradável. A iluminação das mesas também poderia ser melhorada – desde que não seja com velas porque para calor já basta o que basta.

Das entradas, que integram o couvert, provo um presunto sofrível, um saboroso queijo amanteigado e umas amêijoas e mexilhões razoáveis. A lista de vinhos é curta, o que é sempre pena, mas a sugestão de um “Olho no Pé” (pinot noir do Douro) surpreendeu e merece destaque.

Para prato principal recebo aquela que é principal razão da visita da maior parte dos fregueses: a famigerada Charbonade (€ 21 para duas pessoas). De que se trata? É uma espécie de fondue mas na brasa. Para o efeito trazem-nos uns bifes de vaca, muito finos e tenros que grelhamos apenas com sal num cilindro com brasas. Depois de “queimados” a gosto é só condimentar, experimentando os 6 molhos disponíveis, e acompanhar com umas batatas pré cozidas com casca, que se colocam igualmente na brasa. Servem-nos ainda fartas doses de batatas fritas mas que lamentavelmente se apresentaram demasiado oleosas.

Exactamente como em qualquer fondue o único defeito é que a necessidade de estarmos sempre atentos à “cozinha” impede conversas mais fluídas e que não sejam permanentemente interrompidas com o fatal “achas que já está?”. A grande vantagem da Charbonade, sobretudo para alguém como eu, que só muito raramente cozinho o que como (e ainda mais raramente como o que cozinho), é a de me fazer sentir um mestre da culinária. E sem loiça para lavar.

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Da Salvatore ä Travessa Caetano Remeão, 42 – Valadares – Vila Nova de Gaia ä Contacto: 22 713 95 75 ä 12h – 15h e das 19h às 24h (não encerra) ä Preço médio: 20 € ä Nota: 65% 

27 junho 2012

O meu Sushi



Quando chegamos a uma certa idade, e o futuro se anuncia cada vez mais curto e pouco prometedor, a nostalgia do passado começa a dominar parte substancial dos nossos pensamentos e acções. Deve ser por isso que ultimamente dou por mim a conduzir sem destino por ruas e zonas da cidade que já não visitava há mais de 30 anos, lamentando o que de bom existia e já não existe ou, mais deprimente ainda, trauteando o inolvidável êxito de António Sala “onde estão os meus velhos amigos”. Parte substancial da minha infância foi passada a calcorrear as ruas e vielas de Campanhã, Bonfim, Campo 24 de Agosto e, ainda com mais regularidade, a Rua do Heroísmo. Por aqui vivi alguns dos melhores e mais inesquecíveis momentos da minha vida: primeiros cigarros, primeira namorada, corridas com carrinhos de rolamentos, campeonatos de futebol de rua... E foi assim que, quase sem dar por isso, entrei na Cozinha do Manel.

Trata-se de uma tradicional casa portuense onde, sem nenhum tipo de modernices, se podem degustar os melhores clássicos da cozinha nortenha. Na sala principal, espaçosa, destacam-se os bonitos painéis de azulejos e as mesas bem-postas. O corredor da entrada é uma autêntica galeria de retratos de famosos: actores, músicos e muitos políticos. Alguns quase me faziam perder o apetite...

A recepção não é entusiasta mas é eficaz e o atendimento melhora com o tempo. A lista de vinhos é generosa mas, como faço sempre que é possível, opto pelo da casa, um verde branco bastante razoável.

Das entradas selecciono uma morcela das beiras assada (€ 2,50) que, na sua negritude de puro-sangue genuína, temperada com bastante alho, me fez palpitar as entranhas de alegria. Da ampla oferta de pratos principais salta-me imediatamente à vista uma raridade: punheta de bacalhau (€ 13)! Para os leigos, e antes que se ponham a delirar, trata-se da única espécie de Sushi permitida pela cozinha tradicional portuguesa (e pelo meu palato): bacalhau cru, demolhado e desfiado, acompanhado por cebola e azeitonas pretas, temperado com azeite e vinagre a gosto. Nada mais simples mas, ao mesmo tempo, mais delicioso. Para sobremesa outra surpresa a não perder: uma rabanada (€ 2,50) que me chega acompanhada por fios de maçã e uvas passas, temperada por uma calda de figo. Fantástica!

Alguém disse que a genuinidade do sorriso só se comprova pelo olhar que o acompanha. Na Cozinha do Manel ambos são garantidos.


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A Cozinha do Manel ä Rua do Heroísmo, 215 - Porto ä Contacto: 225 363 388 ä 12h30 – 15h00 e das 19h30 às 22h00 (encerra Domingo) ä Preço médio: 25 € ä Nota: 80% 

24 junho 2012

Bom, seja lá onde for


Chego sem reserva num Sábado de Feira Medieval na cidade. Mas qual cidade? É que parece haver dúvidas e acesas disputas sobre a localização do restaurante. Fica em Braga ou em Guimarães? Velhas rivalidades que, embora respeite, pouco me interessam. Mas entendo. É que se trata de património digno de respeito e a que qualquer um gostaria de chamar seu.

Localizado a 3 km de Braga (na famosa estrada da Falperra e junto ao Hotel com o mesmo nome) o Dona Júlia é um local onde a gastronomia minhota se distribui por quatro espaços diferentes, de design moderno, onde o principal e mais bonito (1.º andar) é reserva de fumadores. Na parede de granito da entrada lemos “comer e conversar, uma mesma arte”. Excelente descrição de um restaurante que, apesar da enorme dimensão, se mantém afável para longas conversas.

A recepção e atendimento são simpáticos e muito eficazes. A carta de vinhos é esmerada incluindo excelentes exemplares do Douro, Alentejo e, noblesse oblige, Verdes. Ainda por cima sugerem-nos interessantes combinações entre diferentes líquidos e sólidos (sugestões para o cozido, o cabrito, a costela mendinha ou a feijoada).

Para entrada, provo umas pataniscas de bacalhau em formato de sonho onde sobressaía o doce sabor da cebola (€ 3) e uma espantosa e crocante alheira com grelos. Ainda me tentaram umas papas de sarrabulho que vi passar para outra mesa, mas temi estragar o apetite – estou a perder qualidades...

Para prato principal, seleccionei duas das estrelas da casa: polvo panado com arroz de feijão (15 €) e o cabrito (19 €). O polvo apresentou-se em grande forma com um polme muito suave e o arroz, excelente, parecia uma sopa de arroz e feijão temperada com grelos. O cabrito, servido em assadeira de barro com batata assada, portou-se muito bem, mas preferiria um arroz de forno com miúdos em vez do descaracterizado arroz branco. Nota muito positiva para o facto de nos servirem os arrozes em tachos o que permite uma muito melhor conservação de temperatura e sabor. Para sobremesa, voltei a pensar nas papas de sarrabulho mas acabei por optar por uma coisa chamada Três Estações (3,50 €), uma bombinha de chocolate preto, natas e leite condensado. A demorada digestão foi acelerada por um muito razoável digestivo caseiro.

Podem continuar às turras sobre a localização do restaurante. Por mim, agora que aprendi o caminho, mesmo sem saber onde estou, voltarei repetidas vezes.

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Dona Júlia ä Via da Falperra (EN 309) – Nogueira - Braga ä Contacto: 253 270 826 ä 12h30 – 15h30 e das 17h30 às 22h30 (encerra 2.ª feira) ä Preço médio: 25 € ä Nota: 85% 

06 junho 2012

O que faz falta


Uma afirmação de grande actualidade: situações difíceis exigem grandes líderes. Eu por acaso acho que se tivéssemos grandes líderes teríamos evitado as dificuldades. É que ainda continuo a pensar que o meu avozinho – esse sim, o meu grande líder – é que tinha razão e que a melhor maneira de resolver um problema é evitá-lo.
Mas voltando ao início, se o que precisamos é de grandes líderes, nada como experimentar aqueles que o afirmam ser e que, dada a sua longevidade (mais de três décadas de existência), alguma razão devem ter.

Esta casa, situada na zona das Antas, é conhecida por receber a suposta elite da burguesia do Porto. Apesar disso, acolhem um esfarrapado como eu com toda a dignidade e sem qualquer tipo de discriminação. Sempre que me levantava para fumar na pequena sala e bar da entrada, imagino que pensavam que ia sair sem pagar mas, mesmo assim, foram de uma gentiliza sem limites, sendo apenas vigiado por uma estátua do Santo António. A sala é dominada pelo branco, pequenos lustres e uma selecção de pinturas clássicas nas paredes. Nas mesas, destaque para as jarras com revigorantes flores frescas. Ao fundo um painel indica-nos que se trata de poiso frequentado pela confraria gastronómica das Tripas à moda do Porto. É sabido que o bom líder é o que lidera sem espalhafato, de preferência em silêncio, mas a tipologia deste espaço pedia uma musiquinha clássica.

A carta de vinhos é extensa e contém várias pérolas, ainda que a preços um bocadinho excessivos. Para aquecimento oferecem-nos apetitosos rissóis, bolinhos de bacalhau, croquetes e uma extraordinária bola, No menu, para além de muitas sopas, imensas entradas (destaque para os ovos e mariscos). Opto por umas competentes amêijoas à Bolhão Pato (€ 19,50). Para prato principal, sigo a sugestão do Chefe e delicio-me com uma raridade: mílharas (ovas para os alfacinhas) de pescada fritas (€ 17,50) acompanhadas por um excelso arroz de tomate. Simplesmente divinais. Para sobremesa, escolho, e babo-me, com uma das melhores pêras bêbedas que me passaram pelo estreito (€ 3,50).

Steve Jobs afirmava que “a inovação é o que distingue um líder de um seguidor”. Não gosto de contrariar quem já não se pode defender, mas discordo. Na minha opinião, o que faz falta – particularmente hoje - são líderes que prometem e cumprem a difícil missão de conservar o que é bom. Sobretudo quando o fazem contra todos os ventos de pretensa modernidade ou inevitabilidade.

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Líder ä Alameda Eça de Queiroz, 126 – Porto ä Contacto: 225 020 089 ä 12h - 15h00 | 19h – 24h (não encerra) ä Preço médio: € 35 ä 80% 

A idade não é um posto


Começo pelo fim: a comida até é boa, mas tudo o resto clama por uma nova gerência. Ou, pelo menos, por uma gerência nova.

Esta casa, instalada numa das mais clássicas ruas do centro histórico do Porto, e embora várias vezes remodelada, continua a manter uma decoração essencialmente rústica, repleta de artefactos do folclore popular português para turista ver.

Sou recebido de forma indolente pelo proprietário, como se a minha presença fosse mais um incómodo do que um prazer.

Para entrada, sem grandes opções nem diálogo aceito o que me é imposto: pão, broa e um queijo amanteigado (€ 5) de boa qualidade. A lista está recheada de pratos tradicionais (dos quais se podem pedir meias-doses e ¼ de doses). Opto pelas costeletas marítimas com arroz e salada (€ 8,50) e pelos filetes de bacalhau (€ 9). Tanto as costeletas (sardinhas abertas e fritas em ovo e pão ralado) como os filetes se portaram muito bem. O que me desapontou foi o facto de ambos os petiscos serem servidos com um arroz branco, preguiçoso, quando estavam mesmo a pedir, por exemplo, um arroz de tomate ou de feijão.

Para sobremesa, a oferta não é muita mas a vontade de me ver pelas costas imensa. Degluto um toucinho-do-céu e emborco um café. Ao sair vejo pela primeira vez uma expressão de felicidade no rosto dos proprietários que já se preparavam para apagar as luzes. 22 horas em ponto. Estava na horinha. De encontrar quem os substitua. 

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Adega de Vila Meã ä Rua dos Caldeireiros, 62 – Porto ä Contacto: 222 082 967 ä 12h - 15h30 | 19h – 22h (encerra Domingos) ä Preço médio: € 25 ä Nota: 60% 



31 maio 2012

A Sé a quem a trabalha


A necessidade de “descanso do pessoal” é algo que eu respeito imenso. Pessoal que não descansa é uma potencial ameaça para o meu estômago. Mas será que não daria para se organizarem de maneira a poderem atender à demanda de turistas esfomeados e que não entendem como é que, em plena crise económica, o descanso está primeiro?

Passeando por Braga para tentar perceber o que é uma Capital Europeia da Juventude (essa região demarcada das nossas vidas que não se sabe quando começa e muito menos quando acaba) deparo-me, em pleno centro histórico, com um bando de turistas famintos. Ao pedido de socorro (já haviam calcorreado várias ruas, de guia na mão, batendo com o nariz em todas as portas) respondo com a postura fleumática que se impõe, encaminhando-os com ar de perito para a única casa que havia reparado estar aberta, afirmando: “Comer bem? Em Braga? É aqui. Sigam-me”. Sem ter a mais pequena ideia de onde me estava a meter, o tão desvalorizado factor sorte conduzia-me para uma casa de grandes virtudes.

A decoração é uma mistura de elementos contemporâneos e vestígios de que, apesar de tudo, estamos no centro histórico de uma antiquíssima cidade. Destaque para as imensas moedas espalhadas pelas paredes de granito - oferenda de clientes satisfeitos? A recepção e atendimento, muito jovem, é imensamente acolhedor. Na mesa, disponibilizam de imediato pão, tostas e um patê de maionese e verduras. A carta de vinhos é vasta e com preços atraentes. Para entrada aceito a estranha sugestão da gentil funcionária e provo um queijo de cabra com doce de abóbora caseiro (€ 2,20). Fico com a sensação de ter começado pela sobremesa, mas, admito, o resultado não é desagradável. Para prato principal, volto a confiar na beleza, perdão, simpatia da funcionária e deixo-me totalmente conduzir para duas provas: panadinhos de polvo com puré de maçã e castanhas (€ 13,50) e bacalhau à Cozinha da Sé (€ 12,50). A aliança do polvo com a maça resulta na perfeição e o bacalhau, frito de cebolada, acompanhado com couve branca e batata frita, é uma irrepreensível reprodução do bacalhau à moda de Braga.

Sobremesa? Uma vez mais os encantos da funcionária provocaram estragos e experimento uma autêntica bomba: nozes com mel regadas com uísque (€ 4,50). Aguenta coração!

Saio recebendo louvores de todos os convivas a quem havia aconselhado esta pérola convencendo-os a gritar comigo em uníssono: a Sé a quem a trabalha!

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Cozinha da Sé ä Rua D. Frei Caetano Brandão, 95 – Braga ä Contacto: 253 277 343 ä 12h - 15h00 | 19h – 23h (encerra 2.ª feira) ä Preço médio: € 25 ä Nota: 78% 

24 maio 2012

Luísa


O nome é de dupla – e correcta – significação. Refere-se a máscaras (bonitos exemplares são adereço de decoração) e à interjeição que exprime espanto. A reserva de mesa ao telefone, embora possa parecer equivoca, é muito objectiva: “Está? Sim. De onde fala? É do caraças”.

Numa atmosfera muito familiar, embora elegantemente decorada, somos mimados pela Luísa, cozinheira e proprietária (e de quem nos sentimos filhos imediatamente), e pelas suas divertidas gémeas, Mónica e Paula. Aberto desde 2008, trata-se de um refúgio para nos deleitarmos com comida absolutamente caseira. Como em qualquer casa de família o prato do dia é quase único (normalmente duas opções) e por isso apenas temos que nos deixar servir. A oferta de vinhos até é interessante mas o tinto da casa (de origem transmontana) é obrigatório.

Entradas? Nem por isso, mas um molete (carcaça) fresquinho e umas fatias de um poderoso salpicão (€ 3,00) arranjam-se. Depois de uma boa sopa de couve branca (€ 1,30) havia que escolher entre duas possibilidades: frango de cabidela (€ 8,50) ou salmonetes grelhados (€ 7,50). Sem pestanejar opto pelo frango, que não deve ser confundido com arroz de cabidela. Neste caso, o pica-no-chão, atlético comme il faut, encharcado no perfeito molho da cabidela, é acompanhado por arroz branco. Para sobremesa, uma excelente combinação: mousse de manga e papaia (€ 2,00).

Do caraças? É pouco para qualificar tanto prazer.

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Caraças ä Rua das Taipas, 27 R/C – Porto ä Contacto: 220 174 505 ä 11h30 - 14h30 | 19h – 23h (encerra ao Domingo) ä Preço médio: € 15 ä 70%

17 maio 2012

Chega de saudade


Estes dias de chuva miudinha emergem-me numa enorme nostalgia e umas incomensuráveis saudades do Brasil e da garoa de São Paulo, cidade onde, por estranho que possa parecer, adorei viver. Mas onde, acima de tudo, adorei comer.

Diz-se que é pelo estômago que se conquistam os homens (e algumas mulheres). Não sou excepção e fiquei rendido àquela que é considerada a segunda capital da gastronomia mundial (a primeira é Nova Iorque). De tal forma, que me sinto Paulistano dos quatro costados e até sei contar anedotas sobre cariocas.

Infelizmente por aqui boa parte dos restaurantes ditos brasileiros são uma desilusão e, por vezes, congestão garantida. Enfardar e pagar pouco não é sinónimo de comida brasileira. Comer ao som de sambas, forrós, pagodes, axés e lambadas, com empregados fazendo piruetas, muito menos.

O Churrascão Gaúcho, em funções desde 1981, não é nada disto. O atendimento é português e ultra profissional. Nada de música porque aqui estamos para comer e não para dançar. Dividido em várias salas (a da entrada reservada para fumadores), a decoração é rústica e dominada por madeira, ferro e paredes de granito.

Nas mesas, muito bem postas, imediatamente nos disponibilizam diversos e apetitosos amouse bouche: presunto de boa perna, ovinhos de codorniz, broa, azeitonas e uns rissóis acabadinhos de fritar. Para beber há boa oferta de vinhos, mas não resisto a uma Caipirinha. Perfeita, coisa cada vez mais rara atendendo à imensidade de contrafacções que por aí pululam.

Apetite aberto, para entrada selecciono os camarões à crioula (€ 8). Animais de tamanho generoso, fritos em alho, excelsamente temperados e picantes.

Para prato principal, são muitas e prometedoras as opções. Mas não resisto à provocação de enfrentar um rodízio de carnes (€ 19,80 homens e € 17,80 mulheres). O desfile começa com uma deliciosa linguiça seguida de filet mignon com queijo e presunto, contrafilés com alho, picanha, presunto, alcatra, abacaxi, costelinha, terminando com uma esmagadora dose de queijo fundido. Tudo isto acompanhado com muita farofa, feijão preto, arroz branco, cebola e banana fritas.

Sem clemência para com um estômago à beirinha da explosão, de um farto carrinho de sobremesas ainda provo um muito recomendável pavê de chocolate.

Saio debaixo de um intenso temporal ouvindo João Gilberto sussurrar-me ao ouvido: “alguma coisa acontece no meu coração, que só quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João...”.

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Churrascão Gaúcho ä Avenida da Boavista, 313 – Porto ä Contacto: 22.6098206 ä 12h - 15h30 | 19h – 23h (encerra Domingo) ä Preço médio: € 30 ä Nota: 85% 

10 maio 2012

Amigos em Portugal


Não vos vou dar música, embora “Friends in Portugal” (um dos meus álbuns preferidos dos Durutti Column) desse para várias crónicas. Quero falar-vos daqueles momentos difíceis em que recebemos estrangeiros e, de repente, não sabemos o que lhes mostrar ou, pior ainda, onde os levar a jantar e retribuir excelentes repastos de outras paragens.

Recebo no Porto dois dos meus melhores amigos, um italiano e um catalão. Mas, amigos, amigos, estômagos à parte. Trata-se de malta com bandulho e palato muito experimentado e exigente. Ou seja, colocavam-me claramente à prova. Restaurantes não faltam (eu que o diga!) mas, no centro histórico, comida tradicional portuguesa que não seja a típica fraude para turistas... Eis senão quando me lembro que a Adega de São Nicolau acaba de reabrir depois de uma fantástica renovação do seu espaço.

Chegámos ao final da tarde e com reserva feita. A esplanada, com uma vista formidável para o rio Douro e para o muro dos bacalhoeiros, espanta e encanta. A nova decoração da sala, que a transformou numa espécie de vagão todo revestido em madeira, é de muito bom gosto. Mas o que mais interessava saber era se a nova cara dava com a velha careta. E dá. A cozinha, afinal o que mais interessa, continua a oferecer-nos a qualidade de sempre. O atendimento, nem sempre fácil nesta casa permanentemente cheia, é competentíssimo. Excelente carta de vinhos e a preços moderados o que nos permitiu interessantes experiências.

De entrada, para além dos deliciosos bolinhos de bacalhau e croquetes, provámos a alheira frita (€ 5) e uma moira cozida (6 €) – ambas assombrosas. Para pratos principais, três maravilhas: posta de vitela arouquesa (28 € para duas pessoas), sardinha frita com arroz de feijão (€ 10,50) e os filetes de polvo com arroz do mesmo (14 €). Tudo digno de vários prémios e menções honrosas. Para sobremesa foi só continuar de boca aberta e saborear a obrigatória e felicíssima tradição da casa: jesuítas em miniatura e folhados de chila acabadinhos de fazer.

Resultado: os meus amigos, de estômagos satisfeitos e alma embevecida, desataram a fazer contas à vida e a planear as próximas visitas ao Porto (afinal aqui tão perto) e a esta magnífica e inesquecível morada que prometeram publicitar com entusiamo por essa Europa fora.

Às vezes tenho a impressão que faço mais pela economia portuguesa que o Álvaro. Mas deve ser só uma impressão.

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Adega de São Nicolau ä Rua de S. Nicolau, 1 – Porto ä Contacto: 222 008 232 ä Das 12h às 15h e das 19h às 23h (encerra Domingo) ä Preço médio: 25 ä Nota: 80% 

Abaixo os preconceitos


O programa de relaxamento clássico “jantar & filme” há muito que foi posto em causa pela total concentração das salas de cinema em espaços comerciais onde comer é sinónimo de encher. Mas, procurando com jeitinho, há excepções. E das boas.

O nome engana já que nos induz a pensar que iremos enfrentar rodízios ou comida ao quilo. Nada disso. Ainda que o serviço seja bastante rápido (sobretudo nos pratos pré-confeccionados e mais em conta) estamos num restaurante com todas as letras. A recepção e o atendimento são gentilíssimos. À entrada um piano dá o tom do que iremos encontrar: a sala é um autêntico antiquário.

Dominada por enorme lustre, expõe nas paredes atraentes velharias. As mesas, confortáveis, assentam em velhas máquinas de costura. Pena a ausência de guardanapos de pano, toalhas nas mesas e uma lista de vinhos pouco variada.

De entrada, para além dos triviais pão torrado com manteiga de alho e tostas e um paté de atum, provo um delicado presunto ibérico (€ 5,30). Dos pratos principais experimento o suculento e muito bem temperado tornedó com gambas, batata frita e legumes (€ 12) e o bacalhau à Braga, frito com cebolada, crocante, nada salgado, acompanhado com batata frita às rodelas estaladiças (€ 12). À laia de digestivo, saboreio uma competente tarte de limão (€ 2,85).

E desta Praça da Alimentação proclamo: abaixo os preconceitos contra os centros comerciais! Todos ao Bodegão!

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Bodegão ä Av.ª Óscar Lopes – CC Mar Shopping – Loja 1051 – Leça da Palmeira ä Contacto: 936 549 443 ä Das 12h às 23h (não encerra) ä Preço médio: 20 ä Nota: 75% 

03 maio 2012

Ainda


“Ainda” é o advérbio de tempo de que mais gosto. É como se fosse um motor. Significa a possibilidade de nem tudo estar perdido, de continuidade, de redenção e salvação. Digamos que é por “ainda” acreditarmos que vale a pena qualquer coisa que continuamos a bulir. Quando o “ainda” desaparece das nossas vidas, normalmente já (outro advérbio de tempo, desta feita detestável) estamos mortos.

Vem tudo isto a propósito de me ter lembrado de saber se o D. Tonho ainda é o que era. O que não falta nas nossas praças são restaurantes que depois da justificadíssima fama se deitam na cama (na maior parte das vezes sem ver com quem...). Ouvidas diversas opiniões, nem sempre concordantes, resolvi investigar por conta própria (e da Tentações, claro).

O D. Tonho além de não ter perdido nenhuma das suas múltiplas qualidades faz aquilo que é mais difícil: manter-se aberto desde 1992, fiel aos seus princípios, resistindo a modas, fusões, transfusões e moléculas, continuando a fazer muito bem aquilo que afinal mais interessa: servir boa comida, num espaço privilegiado e recebendo com carinho quem o visita.

A decoração deste antigo armazém de bacalhau é dominada pelo granito e por uma excelente iluminação. O serviço é muito competente, nada intrusivo mas bom conselheiro quando solicitado.

A oferta de entradas é estonteante e apetece provar de tudo. Chamado à razão pelos funcionários, acabo por selecionar “apenas” estas que vivamente recomendo: um bocadinho de queijo de Nisa (€ 8,75), coelho de S. Cristovão, sequinho com um molho de coentrada delicioso (€ 7,60), o obrigatório polvo em molho verde, umas fatias de presunto serrano e uns apetitosos e fresquíssimos camarões. Para prato principal, sujeito-me a duas provas: bacalhau à moda de Júlio de Gouveia (€ 20,15), um prato que transforma o fiel amigo num pitéu surpreendentemente delicado, acompanhado de batata a murro e couve-flor e o cabritinho no churrasco à moda do Amaral de Vila Nova (€ 21,75), crocante, com batatas fritas aos quadrados, a pedir um prémio. Para sobremesa, tentadoras opções. Contrariado, mas respeitando o estômago que pedia clemência, fico-me pela mousse de maçã (€ 5,25), um fino amaciador do palato.

Um personagem do romance de Miguel Unamuno, Abel Sanchez, garantia: “ninguém elogia com boas intenções”. Pois as minhas são as melhores: a de que o ainda seja sempre.

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D. Tonho ä Cais da Ribeira, 13-15 – Porto ä Contacto: 222 004 307 ä 12h às 15h e das 19h às 23h  (não encerra) ä Preço médio: 40 ä Nota: 89% 

Tapa mas não cobre


Visitar a rua dos Mártires da Liberdade, e conhecer o importantíssimo significado histórico desta expressão, devia ser, actualmente, uma obrigação. Mas como é de restaurantes que tenho que falar, paciência. E no presente caso, é preciso alguma.

Situado na baixa do Porto, o Noa é um restaurante de tapas e bar. O acesso não é fácil já que a porta está fechada e ao toque da campainha não respondem propriamente com celeridade. Vermelho, dourado e branco são as cores principais de um universo que querem afirmar como “feminino”. Uma montra, logo à entrada, transformou-se num espaço simpático que poderia ser para fumadores mas, infelizmente, não é. A música ambiente é desadequada e perturba.

Na mesa encontro azeitonas, paté de atum, pão e tostas. A carta de vinhos é curta, mazinha e, pior, cara. No menu para além de Sushi e outras poucas coisas oferecem 18 qualidades de tapas. Escolho as Gambas Thai fritas com molho agridoce, enjoativas porque híper-gordurosas (€ 5,50), as batatas bravas (às rodelas com molho agridoce picante – uma decepção já que nada têm nada a ver com as espanholas - € 3.50) e um vulgar queijo camembert panado com doce de chila, de abóbora e pimenta vermelha (€ 5,50). As tapas, que se querem rápidas, demoram imenso. Para sobremesa as opções são tão curtas e pouco atractivas que prefiro decliná-las.

Em síntese: os nossos santos não se cruzaram.

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Noa ä Rua Mártires da Liberdade, 108 / 112 – Porto ä Contacto: 919 181 545 ä 12h-15h e 19h-24h (2.ª a 4.ª) e 19h30-02h00 (5.ª a Sáb. - encerra Domingo) ä Preço médio: 20 ä Nota: 55% 

29 abril 2012

Sócio devoto


Clubes de Luxúria, Avareza, Ira, Preguiça, Inveja e Vaidade (e alguns onde todas estas “actividades” se conjugam na perfeição), quem não os conhece? Já um clube onde se franqueia a porta para opíparas e gulosas experiências estava em falta.

Instalado num antigo solar do Sex. XIX, no coração da zona das galerias de arte e afins (traseiras do Centro Comercial Bombarda), está dividido em três áreas. No rés-do-chão existe uma bem recheada loja gourmet. No primeiro andar encontramos duas salas, uma moderninha e outra mais clássica (bastante mais bonita, estilo vintage, com um jardim de inverno.) Na decoração predominam o castanho e o dourado. A iluminação é fraquinha (os candeeiros Ikea não ajudam) e a música ambiente podia ser melhor. O atendimento é competente mas mais empatia seria bem-vinda.

O menu é vasto: entradas frias e quentes, saladas, pratos do mar e da terra, e até vegetarianos. Por encomenda, e para um mínimo de 8 a 10 pessoas, podemos inclusivamente saborear alguns dos mais tradicionais manjares da cozinha portuguesa: arroz de cabidela, cabrito assado no forno, cozido à portuguesa e tripas à moda do Porto.
A lista de vinhos não espanta e a oferta de meias garrafas é reduzidíssima. Mas, para compensar, há vinho a copo. Na mesa encontro um cesto com pão, azeitonas e o omnipresente azeite com vinagre balsâmico! Chega de semelhante tortura! O que é feito da manteiga?

Das entradas selecciono os mexilhões panados com puré crocante de queijo de cabra (€ 7,50). Embora pequeninos, os bichos apresentam-se delicados, secos e muito saborosos, combinando na perfeição com o queijo de cabra. Isto, sim, é a inovação que interessa. Para prato principal, e apesar de prometedoras ofertas, não resisto e peço o afamado bife do lombo com queijo da serra amanteigado, croquete de batata e amêndoa, salteado de legumes ao alho (€ 20,50). Iguaria imperdível. O croquete é feito de batata no forno entremeada com enchidos e amêndoa. A carne é de altíssima qualidade e o sabor, realçado pela fina camada de queijo da serra que se mantem amanteigado enquanto comemos, deixa-nos em sentido.

Para sobremesa, papos de anjo com queijo da serra amanteigado e frutos secos (€ 6,50). Puro deleite! Uma das melhores sobremesas que comi em toda a minha gula.

Desconheço o valor da quota deste Clube, mas já pedi o cartão de membro. Como diria o génio: sócios, de que é que estão à espera?

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Clube da Gula ä Rua Prof. Jaime Rios de Sousa, 19 – Porto ä Contacto: 220 934 229 ä Seg-Qui. 12h30-15h30 | 19h30–23h – Sábados 24h. (encerra Domingo) ä Preço médio: 30 ä Nota: 80% 

Estômago em órbita


Este Cometa, nascido em 2006, continua a ser privilégio de poucos. De difícil acesso (desde a Alfândega temos que subir os incontáveis degraus das Escadas do Caminho Novo), é mais conhecido no estrangeiro do que em Portugal. Habitando uma antiga taberna, ao transpormos uma cortina de veludo, ingressamos num original e acolhedor ambiente. Predomina o azul e uma decoração com espelhos, bonecas, loiça antiga e mesas postas com requinte. Com uma música ambiente muito apropriada, é um restaurante de fumadores e para fumadores.

A lista de vinhos permite uma boa escolha, também a copo. O serviço, vestido a rigor, é simpático, embora um tanto ou quanto atarantado, sobretudo com casa cheia.

Entretêm-me com pão, azeitonas e manteiga (nada de azeite, valha-os Deus!). Das entradas, escolho os Piroguis (especialidade da casa - € 4,50), uma espécie de delicados crepes de massa fresca com recheio – requeijão e menta, couve e cogumelos e sardinhas e pinhões. Dos pratos principais, duas provas de eleição: caril goês de peito de pato com puré de maçã, abacaxi grelhado, arroz branco e pão indiano (€ 15,50) e o bife tártaro com salada de alface regada com vinagre balsâmico e chips finas estaladiças (€ 14,50). Nas sobremesas opto pelo sofrível leite-creme queimado com gengibre (€ 3,50).

Os cometas são classificados como periódicos, não-periódicos e extintos. Neste caso, estamos perante um Cometa que deve ser visitado periodicamente.

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O Cometa ä Rua Tomás Gonzaga, 87 – Porto ä Contacto: 222 008 774 ä Das 20h às 0h30 (encerra Domingo) ä Preço médio: 25 ä Nota: 78%

12 abril 2012

Os magiares estão no Porto

Da Hungria, na década de 90, guardo óptimas recordações, mas nem todas publicáveis em revistas de família. Digamos que subscrevo a ideia de que, se Paris é amor, Budapest é sexo. E mais não digo sem a presença de, pelo menos, três escritórios de advogados.

A cozinha internacional no Porto tende a ser minimal repetitiva e, geralmente, fraquinha. A chegada da Hungria é assim uma excelente notícia, sobretudo porque, no presente caso, se trata de um magnífico restaurante.

Sou recebido com uma simpatia invulgar. No rés-do-chão desta casa (que em tempos foi abrigo do famoso Restaurante Transmontano) existe um Bar que também serve alguns petiscos. A sala principal, situada no 1.º andar, é francamente bonita. Predomina a utilização de vários tipos de madeiras, a exposição de diversas fotografias antigas e uma excelente distribuição de luz.

De imediato me são servidas as indispensáveis bogachas (pão aromatizado) e deliciosos patés de beringela e queijo. A lista é vinhos é forte, com muita oferta de líquidos húngaros. Por sugestão do gentilíssimo funcionário, opto pelo vinho da casa (branco e tinto) que é importado pelo proprietário a um seu compadre húngaro. Abençoados laços familiares que nos permitem experimentar tão extasiantes sabores.

Para entrada, duas pérolas: queijo grelhado com maçãs estufadas em vinho (€ 4,50) e um fígado de vitela grelhado com cogumelhos salteados (€ 3,80). Dos pratos principais, duas provas: carré de veado com mirtilos e croquetes de batata (€ 16) e ragu de javali à Gemenc (€ 12,50). Os mirtilos do carré (quase em compota) chegam-me servidos dentro de um kiwi descascado em forma de cálice. Os croquetes de batata (que acompanham ambos os pratos), suaves, delicados, sem pinta de gordura, são um exemplo de como se pode preparar este carbohidrato de forma criativa e deliciosa. O ragu (um guisado) de javali é uma preciosidade para o qual só encontro rival numa certa casa em Bragança. Termino com uma opção pelos opiáceos: parfait de papoila (€ 3,50), uma sobremesa gelada de opípara degustação e sem efeitos secundários. Esses viriam com o obrigatório vinho Tokay, de altíssima qualidade (5 Puttonyos, ou seja, com um nível elevado de açúcar que o tornam mais raro e refinado).

Em síntese: para copiar doutoramentos os húngaros não demonstram grande habilidade; já na cozinha, são de uma originalidade invejável.

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Zsa Zsa * Rua de Santo Ildefonso, 118-120 – Porto * Contacto: 225 194 370 * De 3.ª a sábado das 17h à 1h e ao domingo das 12h às 17h (encerra 2.ª feira) * Preço médio: 30 € * Nota: 89%

Multiusos

Deve ser um dos mais polémicos edifícios portugueses. Não tendo aqui espaço para fundamentar opiniões, apenas vos digo: eu gosto. E agora, que sei que lá posso comer divinamente, ainda gosto mais. Situada no 7.º andar, a sala, dividida em duas áreas distintas (bar e restaurante), conjuga o betão com uma atraente mistura cromática.

O atendimento é eficiente, mas tão mecânico e frio que parece que estamos a ser servidos por autómatos comandados à distância por um déspota que, a qualquer falha, os condena à morte. É pena, porque quase pôs em risco uma refeição que no resto se demonstrou perfeita.

Boa lista de vinhos e com excelentes opções a copo. Embora esteja disponível um interessante menu para o almoço (14€ com tudo incluído), opto por experimentar a carta.

Como prelúdio selecciono a salada de camarão e frutas tropicais, rabanetes e molho exótico (€ 6,70). O tempero é perfeito, o que conjugado com a generosa dimensão e frescura dos camarões se demonstrou uma óptima escolha. Para interlúdio aposto tudo no risoto de uvas e farinheira com foie gras (€ 14). Sinceramente, não imaginava que pudesse ser tão bom. Tudo no ponto numa perfeita profusão de sabores. O poslúdio, razoável mas não espantoso, foi um toucinho-do-céu sobre carpaccio de abacaxi e polpa de maracujá (€ 5,20).

Esta casa é, definitivamente, o tipo de “multiusos” que me interessa.

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Casa da Música * Avenida da Boavista, 604-610 – Porto * Contacto: 220 115 912 * Segunda a Quarta 12h30-15h /19h30-23h e Quinta a Sábado: 12h30-15h/19h30-24h (encerra Domingo) * Preço médio: 30 € * Nota: 85%

04 abril 2012

Os vendedores de emoções

Encontrando-me na Guarda, por razões que não vêm ao caso, e que vos maçariam de morte conhecer em detalhe (ao contrário do que os leitores possam pensar, a minha vida profissional não é isto), procurei, como sempre procuro fazer, encontrar um poiso para consolar o ditador estômago. Como habitualmente, de nada adianta perguntar aos autóctones onde se come bem porque, invariavelmente, nos indicam direcções totalmente opostas e ponderando regras altamente subjectivas. Optei por seguir critérios cientificamente muito mais objectivos e entrar no primeiro restaurante que encontrei.

O Belo Horizonte está instalado numa bonita e muito bem conservada casa em plena zona histórica da cidade. A sala, de pedra granítica à vista, não é grande mas é acolhedora. A recepção e atendimento são muito cordiais e o “mordomo”, que dá pelo nome de António José, (filho dos proprietários que ainda se encontram ao serviço numa demonstração de envelhecimento activo formidável) é de uma gentileza e simpatia que nos faz imediatamente sentir em casa.

A oferta de vinhos é imensa, mas o mais relevante é que, pela primeira vez na vida, fui convidado a visitar a garrafeira e, tal como se estivesse numa livraria, a escolher o vinho de acordo com a região e ano. Mais, depois de escolher, não tive que ficar com a garrafa que estava na prateleira. Foi-me entregue outro exemplar que se encontrava conservado à temperatura ideal. “Somos a alma desta casa”, diz-me o António a certa altura. E que alma! A mãe é quem nos serve. Olhar materno, enternecedor e satisfeito por ver que o que nos oferece agrada. Coisa cada vez mais rara. E que não tem preço. Aqui não se vende comida, vendem-se emoções.

O que se come? Cozinha típica regional portuguesa e da Beira Interior. Inicio o magnífico repasto com um queijo fresco tradicional que combina na perfeição com o pão local. De entrada, aceito provar uma iguaria: carapaus fritos em molho de escabeche (€ 1,75). Para prato principal, seguindo o conselho do António, opto pela chouriçada regional (€ 9,48). Os enchidos (farinheira, chouriça e morcela) são de excepcional qualidade e em dose imensamente generosa. Para sobremesa provo - e aprovo - o doce da casa (pudim, bolacha molhada em café e natas - € 2,45) e não resisto a um clássico: queijo da vizinha Serra da Estrela. Coisa fina.

Eles afirmam: quem servimos, fala por nós. E não é que fala mesmo?

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Belo Horizonte * Largo de S. Vicente, n.º 1 e 2 - Guarda * Contacto: 271 211 454 * 10h às 22h (encerra aos Domingo à noite e 2.ª feira) * Preço médio: 20 € * Nota: 78%

What a wonderful world

Quem conhece o drama de ter fome fora de horas, sabe do que falo. A oferta de restaurantes no Porto onde se possa comer depois das 22 horas é pequena e, geralmente, repetitiva nas fórmulas.

Para quem sofra desta enfermidade, o Wilson é um oásis.

A decoração, simples e funcional, é marcada pelas fotografias a preto e branco de sorridentes estrelas da música, cinema e política mundial. Entre Marylin Monroe, Louis Armstrong ou Kennedy, estão Amália Rodrigues, António Silva e Vasco Santana. A mensagem que o Wilson quer transmitir é simples: todos sorrimos no mesmo idioma.

O serviço é muito simpático, eficiente e com banda sonora cubana. A lista de vinhos é modesta mas dá perfeitamente para o gasto. A cozinha é essencialmente portuguesa e na carta não faltam os rojões e as tripas, polvo à lagareiro, arroz de tamboril, bacalhau na brasa, arroz de pato ou a especialidade da casa, bife em massa folhada. Para outros gostos, risottos, massas e saladas. Mas a oferta mais procurada são as cerca de 30 tapas. Selecciono as gambas salteadas em azeite e alho (€ 6), as tripas enfarinhadas (€ 3), as pataniscas de bacalhau (€ 4,50) e a morcela com doce de abobora e requeijão (€ 5). Devo dizer que todas me surpreenderam e agradaram imenso, mas a morcela, que quase pode servir como sobremesa, é digna de altíssimo respeito.

À saída olho uma última vez para o Louis Armstrong and I think to myself...

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W do Wilson * Rua Conde de Vizela, 74 - Porto * Contacto: 220 963 373 * 19h às 02h (encerra Domingo) * Preço médio: 18 € * Nota: 75%

29 março 2012

Vamos prà piscina

Definitivamente, não chove. Rendido a esta apocalíptica condição atmosférica, resolvo avançar uma estação. Estamos portanto no Verão. Sendo assim, nada como refeições em locais estivais, olhos postos no mar, aromas de bronzeador e iodo, feromonas ao rubro e o dolce fare niente pelo qual normalmente temos que esperar 9 meses e que agora está disponível seis meses por ano.

A piscina da Granja, moradia do New Faces, é para mim de excelente memória. Ali passei adolescentes e inesquecíveis verões azuis. Não se regressa a um local onde se foi feliz? Depende. Se for para comer bem, regressa-se onde tiver que ser.

A decoração é minimalista mas muito confortável, dominada pelo branco dos diferentes elementos e pelo mar como cenário de fundo. A música ambiente (quase em permanência Cat Power) é adequadíssima. E fuma-se. O serviço é extraordinariamente simpático, bom conselheiro e, coisa rara, dotado de um excelente humor.

Para couvert servem-me um delicioso pão morno, patés de azeitona com alho e de atum e um azeite com vinagre balsâmico trufado. Para amouse bouche oferecem-me ainda uma interessante quiche de frango e bacon.

Desprezando as atraentes propostas de carne no menu, cedo aos apelos marítimos. Inicio com uma sopa de peixe (dourada) com croutons (€ 8). A dourada vem quase crua e é cozinhada no caldo providenciado à parte. Excelente ideia. Para entrada oficial escolho o queijo de cabra em massa filo com maçã e frutos secos (€ 7,50). A dose de queijo, agasalhada em massa folhada estaladiça, era um pouco exagerada, o que torna a coisa um bocadinho pesada. Dos pratos principais selecciono duas provas: rodovalho com açorda de sapateira (€ 18) e o bacalhau no forno com broa (€ 17). A açorda, de intenso sabor, contém generosos pedaços de sapateira, e o fresquíssimo rodovalho repousa numa cama de lascas de alho francês e courgette. O bacalhau, polvilhado com broa, vem acompanhado por batata a murro e grelos (dispensáveis) e um puré de grão-de-bico com presunto (indispensável). Arriscando a morte por enfartamento, despeço-me de todos os meus amigos e empacoto uma mousse de chocolate branco com frutos silvestres e sorvete de framboesa (€ 7). Valeu o esforço.

E fica provado. É possível regressar a um local onde se foi feliz e, para lá da fatal e dolorosa nostalgia, ser feliz de novo. Oxalá, para sempre.

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New Faces * Piscinas da Granja - Rua Eng. José Rocha e Melo, n.º1 – Vila Nova de Gaia * Contacto: 220 926 899 * 12h30 às 15h e das 19h30 às 23h – Sex. e Sábado 24h (encerra Domingo ao jantar e 2.ª feira) * Preço médio: 45 € * Nota: 88%

Adiar o cadáver

Sou visitante assíduo do cemitério de Agramonte. Porquê? Três ordens de razões: sossego, meditação e boa comida. Calma. Não se trata de necrofagia. Acontece que na mesma rua existe uma casa onde se come que é um regalo.

A decoração é a típica de um snack-bar. Remodelado recentemente, a sala é dominada pelo verde e branco. À entrada uma sugestiva montra de carnes e peixes fresquinhos provoca-nos.

A recepção e atendimento são gentilíssimos. A lista de vinhos não é extensa mas cumpre os mínimos. Rissóis, bolinhos de bacalhau e chamuças são entretém imediato. Mas, no caso de quererem evitar os perigosos fritos, sugiro de entrada umas competentes amêijoas à bolhão pato (€ 10,50). Para prato principal, conhecendo a costela transmontana dos proprietários e a oferta de excepcional carne de origem barrosã, não há que hesitar. São várias as opções disponíveis para duas pessoas e todas de surpreendente qualidade: espetada transmontana (€ 19,50), posta de vitela à grelhador (€ 19) e o bife especial com gambas (€ 20,50). Opto pela última. A carne parece manteiga, mas o que a distingue mesmo é o sabor e textura que me remetem para memoráveis repastos em Trás-os-Montes. Os camarões que a acompanham são fresquíssimos e uma combinação perfeita. Uma mousse de chocolate caseira encerra o banquete em beleza.

Dizia Fernando Pessoa que o homem é um cadáver adiado. Esta casa é um positivo contributo para esse adiamento.

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O grelhador da Boavista * Rua da Meditação, 39 - Porto * Contacto: 226 091 440 * 09h00 às 24h * Preço médio: 20 € * Nota: 76%

22 março 2012

O meu SPA

Andava a adiar esta visita por me parecer ser um poiso mais indicado para o Verão. Mas, num Domingo triste, como quase todos os Domingos, deprimido por certas e determinadas coisas, resolvi seguir os conselhos do saudoso David Lopes Ramos e procurar compensação emocional num espaço com uma localização esplendorosa, confortável, decoração inspiradora, serviço simpático e uma cozinha requintada e criativa. Outra razão, mais prosaica, é que este é dos poucos restaurantes da cidade abertos ao Domingo à noite.

O Shis mora na praia do Ourigo, em plena Foz do Douro. Mesmo sem ter feito reserva, sou recebido com afável cortesia e colocado numa mesa junto à janela onde me é permitida uma ampla e relaxante contemplação do agitado Atlântico. Apesar do requinte e sofisticação, as cores neutras da sala e a leveza dos elementos decorativos (cortinados, candeeiros e mesas) permitem que o ambiente se mantenha bastante informal. A parede do fundo, espelhada, amplia agradavelmente o espaço. Cá fora existe uma esplanada, mais recomendada para o Verão mas que, porque aquecida, é um bom refúgio para os fumadores. Os adeptos do Sushi podem recorrer a um balcão específico para o efeito e têm ainda a possibilidade de take-away. Há música mas quase imperceptível, o que é muito bom.

O menu, um misto de cozinha portuguesa e mediterrânica, é vasto e prometedor. A lista de vinhos é infindável e a possibilidade de vários a copo sempre interessante.

Para couvert, duas opções de pão, das quais apenas temos direito a uma, e um paté de atum. Das entradas, selecciono o sumptuoso Kataifi de camarão (frito envolto em massa crocrante) com emulsão de coentros e lima (€ 11), sinceramente inesquecível, e as setas salteadas em caldo aromático com salsa e gema de ovo (€ 8), pesadotas mas bastante boas. Nos pratos principais fico com dúvidas, mas como é a carne que puxa carroça, e a minha anda um bocado emperrada, opto pelo tornedó com creme de trufas, cogumelos e foie gras fresco (€ 25). A carne é perfeita mas o destaque vai para o foie gras que ainda agora me faz crescer água na boca. Das sobremesas, e pela estranheza da coisa, peço o tiramisu de chá verde com biscoito de amêndoas e nozes (€ 8). Final muito feliz.

Haverá um ou outro restaurante ainda melhor na cidade? Talvez. Mas, com estas características de SPA gastronómico, capaz de satisfazer todos os sentidos contemporaneamente, penso que não.

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Shis * Praia do Ourigo – Esplanada do Castelo – Foz do Douro - Porto * Contacto: 226 189 593 * Todos os dias das 10h às 02h * Preço médio: 45 € * Nota: 95%

Não tem carta para mim

O Carteiro serve uma “receita” decorativa gasta e a pedir renovação. A sala é acolhedora, com mesas e cadeiras tipo tasco, simpáticas para a vista mas desconfortáveis para uma refeição. Nas paredes, reproduções fraquinhas de anúncios publicitários de outros tempos. Para dias mais quentes, existe uma pequena esplanada. Sou recebido com eficiência embora estranhem que não queira o prato do dia e peça o menu. O restaurante não está às moscas, mas parece. Dezenas de vibrantes exemplares povoam a sala. Quero acreditar que é resultado de terem as janelas abertas. Ao estudar o menu, assusto-me com os preços.

Começo por provar uma sopa de peixe (€ 2), que pecou por estar um bocado insossa. Das entradas, selecciono o queijo de cabra gratinado (€ 6,30). O acompanhamento é minimalista (alface e rúcula quase murchas e sem qualquer tipo de molho) e o queijo, polvilhado com pequenos pedaços de bacon, estava intragavelmente salgado. Nem com pão se salvou. Nos pratos principais, e para um teste mais exigente, evito as especialidades e decido pedir o arroz de polvo com filetes do mesmo (€ 13,50 meia-dose). Os filetes, embora minúsculos, eram razoáveis, mas o arroz, demasiado cozido e caldoso, sabia mais a tomate do que a polvo, cuja presença, de resto, não se fazia notar. Para sobremesa, sem ofertas de relevante interesse, experimento uma competente tarte de lima.

O carteiro toca sempre duas vezes. Eu não.

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O carteiro * Rua Senhor da boa morte, 55 - Porto * Contacto: 225 321 170 * 12h30 – 14h30 | 20h00 – 23h00 (encerra Domingo) * Preço médio: 30 € * Nota: 45%

15 março 2012

A saúde está primeiro

Quando a “ternura” dos quarenta nos ataca violentamente, a máxima de que “o que é preciso é saudinha” invade o quotidiano. Ultimamente dou por mim repetidas vezes a dizer, “haja saúde que o resto arranja-se”; a brindar “à nossa saúde”; e a perguntar “então essa saúde, como vai?”. Coisa de pessoas de uma certa idade, como dizia o meu avô, e que faz ainda mais sentido quando começamos a perder, com cada vez mais frequência, entes queridos.

Ora, um restaurante que afirma “a saúde está primeiro, almoce ou jante no Pombeiro”, não podia estar mais em linha com esta, chamemos-lhe assim, etapa descendente da minha vida.

A fachada do Pombeiro está repleta de rolhas e uma descrição histórica de porque é que os habitantes do Porto são “tripeiros”, pré-anunciando assim uma das mais famosas e galardoadas especialidades da casa.

O restaurante tem duas salas. A da entrada está decorada com vários adereços rústicos (rolhas e bengalas em destaque) e recados de clientes (alguns famosos) comprovando a sua satisfação. Sou recebido de forma afável e familiar e, por ser fumador, enviado directamente para a cave. Mas não significa desterro. Aí a decoração é menos exuberante mas igualmente acolhedora e o serviço continua a ser impecável.

A lista de vinhos é curtinha mas com boas opções, principalmente do Douro.

Enquanto estudo o menu e provo uma deliciosa bola, oferecem-me como miminho uns apetitosos folhados de carne desfiada, bem demonstrativos da gentileza de quem manda e serve nesta casa. Para entrada peço o folhado de brie com doce de arando e pinhões (€ 3,75) e os folhadinhos de alheira (€ 3,75). E começo a perceber melhor porque é que a Maria de Fátima Pereira chamam “rainha da massa folhada”.

Dos pratos principais selecciono duas iguarias: o bife guloso (€ 13,50) e o bacalhau crocante (€ 8). A carne do bife, envolta em estaladiça massa folhada, desfaz-se na boca e o sabor a roquefort conjugado com delicados pedaços de bacon faz o resto. Prato forte mas excelente. Quanto ao bacalhau, envolvo em – adivinhem! - massa folhada, apresenta-se desfiado e temperado com cúrcuma (açafrão da terra) o que lhe dá um gosto único e inesquecível.

Para sobremesa, aposto no tostadinho de chila (€ 3), uma espécie de crema catalana mas mais nutritiva (leia-se explosiva) e que inclui canela, chila e amêndoa.

Se saio com melhor saúde? Não sei. Mas saio com a certeza de que, ainda que periclitantemente, assim vale a pena viver.

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Pombeiro * Rua Capitão Pombeiro, 218 - Porto * Contacto: 225 097 446 * 12h – 23h (encerra Domingo) * Preço médio: 20 € * Nota: 85%

Mais um sobrinho

Toda os habitantes do Porto sabem que a Foz e arredores é lugar de tias. Mas nem todas são afectadas no falar e se tratam por você. Pelo menos a Tia Aninhas não é dessas.

Esta casa, aberta desde 1971, é uma referência para quem quer comer bem, rápido e barato. Basta chegar e, como manda a tradição, perguntar: o que é o tacho hoje?
Com duas salas rusticamente decoradas, toda a loiça é de barro (da marca “Tia Aninhas”). O serviço é impecavelmente correcto e, acima de tudo, rapidíssimo. Mas, tem de ser; aqui servem-se, em média, 120 almoços por dia!

A essa hora não há luta de classes e médicos, arquitectos e engenheiros, independentemente da indumentária, convivem à mesma mesa com operários, bancários, vendedores e, pasme-se, tios e tias da foz. Sinais dos tempos? Não sei, mas gostei.

Confesso que ia ao cheiro das pataniscas de bacalhau, um dos pratos mais afamados da casa. Ma a sua ausência não me atrapalha nada, até porque a restante oferta é igualmente estimulante. Depois de uma apetitosa sopa de nabiças, provo dois dos pratos do dia: marmotinhas de rabo na boca com arroz de feijão e massa à lavrador. Que dizer? O melhor e mais moderado elogio que posso fazer é que me senti de regresso a casa da minha avó e a uma cozinha hiper-saborosa. A mousse de chocolate caseira que fechou o repasto é prova dos nove disso mesmo.

Tia Aninhas: ganhou mais um sobrinho que lhe promete frequentes visitas e carinho eterno.

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Tia Aninhas * Rua Senhor da Boa Morte, 15 - Porto * Contacto: 226 162 850* 12h às 15h | 19h às 22h (encerra Domingo ao jantar) * Preço médio: 10 € * Nota: 75%

08 março 2012

Simples, rápido e bom

Quando a implacável inovação (maioria das vezes pura falcatrua) parece ser incontornável, é reconfortante saber onde ainda se pode comer algo simples mas genuinamente bom. Mais conhecido como Zé da Serra, a Regional de Camões é um desses locais.

Numa sala recentemente remodelada sempre cheia de convivas animados e barulhentos (frequentemente malta da bola), somos recebidos com gentileza por um serviço ultra rápido.

Embora à entrada se encontrem expostos exemplares de excelentes vinhos, a lista é curtíssima. Resignado, aceito o da casa fresquinho. Entradas? No menu, nada disso. Mais tarde sou informado que “só a pedido” e avisam-me que “não pago por falar”. Mas, honestamente, para que haveria eu de querer entradas e pechisbeques do género? O que eu queria era aquilo que toda a gente estava a comer babando lascivamente de prazer: filetes de pescada com arroz de feijão (€ 26 – dose para duas, quase três pessoas). São suculentos, revelando a frescura do peixe e um tempero de excelência com o polme e fritura no ponto. O arroz de feijão sabe a feijão e não a tomate como acontece frequentemente. Porque já não havia rabanadas, um ex-líbris da casa, termino com uma razoável mousse de chocolate.

Fazer o que é, ou parece, simples é quase sempre o mais difícil. Fazê-lo
ad eternum, em quantidade e rápido é uma raridade digna de merecidíssimo respeito. E muitos regressos.

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A regional de Camões – Zé da Serra * Rua Luis de Camões, 580 – Vila Nova de Gaia * Contacto: 223 796 785 * 12h30- 14h30 | 19h30 - 22h (encerra Domingo ao jantar) * Preço médio: 18 € * Nota: 70%

01 março 2012

Papa-tolos

Inicio esta crítica com um esclarecimento: não tenho o mais pequeno prazer em visitar e comer em maus restaurantes. Ainda que me paguem para exercer este ofício, o estômago continua a ser meu e, não conhecendo ninguém interessado na sua hipoteca, tenho mais é que o preservar o melhor possível de todas as ameaças. Mas, como dizia o grande cronista brasileiro Nelson Rodrigues, a vida é como ela é.

À entrada do Papaboa fazem-me esperar para beber um espumante de boas-vindas. Teria preferido que mo servisse na mesa que, de resto, se encontrava pronta e à minha disposição. A decoração é, como dizer, uma confusão. Entre o clássico sofisticado e o informal domina uma parede verde alface, tipo cadeia de fast-food, que praticamente cega os convivas. O atendimento é simpático e prestável mas os resultados desastrosos. Depois de seleccionar os pratos, espero imenso pela lista de vinhos e, depois de escolher, uma eternidade pela chegada do mesmo. De vez em quando um senhor pouco motivado toca umas composições num sintetizador a título de música ambiente ao vivo (morto?).

Das entradas, cujos nomes prometem, selecciono a empada de caça com maionese de mostarda velha (€ 4) e o queijo de cabra com figos secos e compota de cebola em massa folhada crocante (€ 5). Demoram e quase não chegam porque se enganaram nos pedidos e nas mesas. A empada era vulgar e sensaborona (a salada de alface que a acompanha nem a um grilo morto se deveria oferecer) e o queijo de cabra, sofrível, comia-se. Dos pratos principais peço o bacalhau confitado em vinho do Porto com legumes (€ 14,50). Para além de ter demorado quase 40 minutos a chegar, tratava-se de uma miserável posta de bacalhau cozido, pousada em azeite sem qualquer sabor. Ao reclamar e perguntar se sabiam o que queria dizer confitado, percebi tudo: o olhar e o silêncio do empregado delatava a inocente ignorância e clamava perdão por pecado alheio. Insistem para escolher outro prato mas, tendo em consideração as repetidas reclamações que ouvi de outras mesas, decidi não prolongar a dor. Por delicadeza (e pura fome!), aceito provar uma sobremesa designada como “maravilha das maravilhas” (€ 4). Finalmente alguma coisa boa mas que tenho quase a certeza que não veio das mãos que anteriormente tantos desastres produziram.

Em Ano Europeu da Cultura, ou em qualquer outro ano ou época histórica, Guimarães não merecia isto.

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Papaboa * Rua Capitão Alfredo Guimarães, 412 - Guimarães * Contacto: 93 677 4485 * 12h30 – 15h00 | 19h30 – 23h (encerra ao Domingo) * Preço médio: 35 € * Nota: 35%

Na Bolsa que não é lixo

O Palácio da Bolsa é um dos edifícios mais belos e mais visitados da Cidade Invicta. Mas alguém sabia que lá dentro se esconde um restaurante? E que, no caso desta Bolsa, ao invés de lixo, encontramos luxo? Sigam-me.

A decoração do Comercial é sóbria mas requintada. Uma sala com um pé direito altíssimo, paredes de granito, abóbadas, azulejos de época e mobiliário antigo são os principais elementos deste espaço intimista mas muito confortável.

O serviço é cordial. A lista de vinhos não é grande mas contém excelentes opções. O couvert inclui uma apetitosa pasta de atum e duas provas de azeite. Da lista de entradas selecciono o folhado de morcela e queijo chévre (€ 8) e o carpaccio de novilho com molho pesto, rúcula e queijo da ilha (€ 10). O folhado tem um sabor e odor demasiado fortes que não são para todos os palatos. Já o carpaccio estava delicioso. Para pratos principais opto pelo bastante recomendável fillet mignon com recheio de fois gras em trouxa crocante, salteado de cogumelos e feijão verde (€ 24) e o tenríssimo polvo aromatizado com ervas e migas à bolhão pato (€ 18) - uma excelente combinação com destaque para as soberbas migas. De sobremesa delicio-me com uma torta de laranja com puré de morango e sorvete de tangerina (€ 7).

Só é pena que o Comercial, apesar de viver onde vive, não seja para todas as bolsas.

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O Comercial * Palácio da Bolsa – Rua Ferreira Borges - Porto * Contacto: 223 322 019 * Seg. a Sex. 12h30 – 15h00 | 19h30 – 23h (Sex. e Sáb. 24h - encerra ao Domingo) * Preço médio: 45 € * Nota: 86%

23 fevereiro 2012

O chamamento da Terra

O apelo do campo, o cheiro do húmus, a proximidade à vida vegetal, enfim, esse chamamento da terra, é algo que me provoca um arrepio na espinha. Paisagem bucólica para mim é a Avenida Paulista em São Paulo ou um qualquer bairro em Almada. E não estou a ser irónico. A simples imagem de vales e prados, ou a promessa de ar puro, me produz urticária. Já uma boa dose de CO2, de preferência logo pela manhã, é o que me faz sair da cama voando.

Ora o actualíssimo apelo para regressarmos à terra, baseado na ideia de que o futuro passa obrigatoriamente pela agricultura, pecuária e afins, deixa-me desorientado. Eu, que não tenho terra nem origens recentes no campo, preciso de alternativas para poder obedecer ao novo paradigma. Pelo menos para poder dizer que sim, que na terra é que se está bem. Embora continue a achar que um apartamento em Marte era capaz de me dar mais jeito…

Cedendo, aterrei. A palavra elegância é a que melhor define o Terra. Habita uma bonita casa antiga, de enorme pé direito e com uma decoração requintada mas contemporaneamente acolhedora, onde predominam os tons castanhos e pretos, destacando-se as varandas repletas de plantas onde se pode fumar. No rés-do-chão existe um Sushi Bar. O atendimento é competente mas um bocadinho gelado e quase intimida.

O couvert inclui pão de várias espécies, grissinos, azeite com ervas aromáticas e uma pasta de abacate, limão, alho e manjericão. A garrafeira é excelente mas o menu de vinhos não é para info-excluídos já que a selecção tem de ser feita a partir de um ipad.

Das entradas selecciono as vieiras grelhadas em cama de espinafres com sésamo e beurre blanc (€ 8) que se apresentam intensas deixando resplandecer o seu sabor natural. Provo ainda um creme de lagosta e funcho com amêndoa e manjericão (€ 6,5), muito suave, ligeiramente picante e com um generoso pedaço de lagosta. Dos pratos principais, e entre as muitas e prometedoras opções, escolho o pernil de borrego lacado com risotto de açafrão à milanesa (€ 18,5). Admito que esperava algo mais subtil e que não me fizesse sentir Obelix. O risotto chegou um pouco alagado e demasiado cozido. Acontece. Mas a carne, voluptuosa, despia-se do osso como manteiga. Para sobremesa apetece pedir um bocadinho de tudo mas o peso do pernil não me permite e opto pelo delicioso cartoccio de maçã (massa folhada muito fina e estaladiça) e mascarpone com molho marsala (€ 6).

Para este regresso à terra, contem comigo.

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Terra * Rua do Padrão, 103 – Porto * Contacto: 226 177 339 * 12h30 – 15h30 | 19h30 – 01h30 (não fecha) * Preço médio: 40 € * Nota: 87%

Quixote não sou

Lutar contra moinhos de vento é desígnio do qual cada vez mais me afasto. Transformar derrotas em vitórias é para outros campeonatos. Até porque hoje já quase só existem moinhos eólicos e aquilo aleija. Já lutar contra excelentes petiscos, é desafio a que não me furto. E garanto vitória.

O Solar Moinho de Vento, embora em funções há dezenas de anos, situa-se no recentemente designado coração da nova zona boémia portuense.

Composto por duas salas de jantar, uma no piso térreo, onde é possível ver a cozinha em pleno funcionamento, e outra, mais ampla, no primeiro andar, a decoração está entre o tradicional e o rústico. O couvert é composto por um excelente pão, azeitonas e um prato de bom azeite. A lista de vinhos, não sendo vasta, é suficiente. Da oferta de tapas selecciono umas fabulosas pataniscas de bacalhau (€ 2,80) fritas na hora. Para prato principal, com tanta coisinha boa, fico indeciso entre uma feijoada à lavrador (€ 8,50), um fígado de vitela de cebolada (€ 7,50) ou o bacalhau dourado à antiga (€ 8). Opto pelo último e não me arrependo nada. Trata-se daquilo a que normalmente se chama Bacalhau à Brás só que com dose generosa do mesmo, ovo apenas para ligar e deliciosas batatas fritas caseiras. Termino provando uma surpreendente mousse de limão (€ 2,80), francamente muito boa.

Se para D. Quixote não tenho vocação, para Sancho Pança estou cada vez mais preparado.

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Solar Moinho de Vento * Rua de Sá Noronha, 81 – Porto * Contacto: 222 051 158 * 12h – 15h30 | 19h – 22h (encerra Domingo ao jantar) * Preço médio: 25 € * Nota: 77%