31 maio 2012

A Sé a quem a trabalha


A necessidade de “descanso do pessoal” é algo que eu respeito imenso. Pessoal que não descansa é uma potencial ameaça para o meu estômago. Mas será que não daria para se organizarem de maneira a poderem atender à demanda de turistas esfomeados e que não entendem como é que, em plena crise económica, o descanso está primeiro?

Passeando por Braga para tentar perceber o que é uma Capital Europeia da Juventude (essa região demarcada das nossas vidas que não se sabe quando começa e muito menos quando acaba) deparo-me, em pleno centro histórico, com um bando de turistas famintos. Ao pedido de socorro (já haviam calcorreado várias ruas, de guia na mão, batendo com o nariz em todas as portas) respondo com a postura fleumática que se impõe, encaminhando-os com ar de perito para a única casa que havia reparado estar aberta, afirmando: “Comer bem? Em Braga? É aqui. Sigam-me”. Sem ter a mais pequena ideia de onde me estava a meter, o tão desvalorizado factor sorte conduzia-me para uma casa de grandes virtudes.

A decoração é uma mistura de elementos contemporâneos e vestígios de que, apesar de tudo, estamos no centro histórico de uma antiquíssima cidade. Destaque para as imensas moedas espalhadas pelas paredes de granito - oferenda de clientes satisfeitos? A recepção e atendimento, muito jovem, é imensamente acolhedor. Na mesa, disponibilizam de imediato pão, tostas e um patê de maionese e verduras. A carta de vinhos é vasta e com preços atraentes. Para entrada aceito a estranha sugestão da gentil funcionária e provo um queijo de cabra com doce de abóbora caseiro (€ 2,20). Fico com a sensação de ter começado pela sobremesa, mas, admito, o resultado não é desagradável. Para prato principal, volto a confiar na beleza, perdão, simpatia da funcionária e deixo-me totalmente conduzir para duas provas: panadinhos de polvo com puré de maçã e castanhas (€ 13,50) e bacalhau à Cozinha da Sé (€ 12,50). A aliança do polvo com a maça resulta na perfeição e o bacalhau, frito de cebolada, acompanhado com couve branca e batata frita, é uma irrepreensível reprodução do bacalhau à moda de Braga.

Sobremesa? Uma vez mais os encantos da funcionária provocaram estragos e experimento uma autêntica bomba: nozes com mel regadas com uísque (€ 4,50). Aguenta coração!

Saio recebendo louvores de todos os convivas a quem havia aconselhado esta pérola convencendo-os a gritar comigo em uníssono: a Sé a quem a trabalha!

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Cozinha da Sé ä Rua D. Frei Caetano Brandão, 95 – Braga ä Contacto: 253 277 343 ä 12h - 15h00 | 19h – 23h (encerra 2.ª feira) ä Preço médio: € 25 ä Nota: 78% 

24 maio 2012

Luísa


O nome é de dupla – e correcta – significação. Refere-se a máscaras (bonitos exemplares são adereço de decoração) e à interjeição que exprime espanto. A reserva de mesa ao telefone, embora possa parecer equivoca, é muito objectiva: “Está? Sim. De onde fala? É do caraças”.

Numa atmosfera muito familiar, embora elegantemente decorada, somos mimados pela Luísa, cozinheira e proprietária (e de quem nos sentimos filhos imediatamente), e pelas suas divertidas gémeas, Mónica e Paula. Aberto desde 2008, trata-se de um refúgio para nos deleitarmos com comida absolutamente caseira. Como em qualquer casa de família o prato do dia é quase único (normalmente duas opções) e por isso apenas temos que nos deixar servir. A oferta de vinhos até é interessante mas o tinto da casa (de origem transmontana) é obrigatório.

Entradas? Nem por isso, mas um molete (carcaça) fresquinho e umas fatias de um poderoso salpicão (€ 3,00) arranjam-se. Depois de uma boa sopa de couve branca (€ 1,30) havia que escolher entre duas possibilidades: frango de cabidela (€ 8,50) ou salmonetes grelhados (€ 7,50). Sem pestanejar opto pelo frango, que não deve ser confundido com arroz de cabidela. Neste caso, o pica-no-chão, atlético comme il faut, encharcado no perfeito molho da cabidela, é acompanhado por arroz branco. Para sobremesa, uma excelente combinação: mousse de manga e papaia (€ 2,00).

Do caraças? É pouco para qualificar tanto prazer.

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Caraças ä Rua das Taipas, 27 R/C – Porto ä Contacto: 220 174 505 ä 11h30 - 14h30 | 19h – 23h (encerra ao Domingo) ä Preço médio: € 15 ä 70%

17 maio 2012

Chega de saudade


Estes dias de chuva miudinha emergem-me numa enorme nostalgia e umas incomensuráveis saudades do Brasil e da garoa de São Paulo, cidade onde, por estranho que possa parecer, adorei viver. Mas onde, acima de tudo, adorei comer.

Diz-se que é pelo estômago que se conquistam os homens (e algumas mulheres). Não sou excepção e fiquei rendido àquela que é considerada a segunda capital da gastronomia mundial (a primeira é Nova Iorque). De tal forma, que me sinto Paulistano dos quatro costados e até sei contar anedotas sobre cariocas.

Infelizmente por aqui boa parte dos restaurantes ditos brasileiros são uma desilusão e, por vezes, congestão garantida. Enfardar e pagar pouco não é sinónimo de comida brasileira. Comer ao som de sambas, forrós, pagodes, axés e lambadas, com empregados fazendo piruetas, muito menos.

O Churrascão Gaúcho, em funções desde 1981, não é nada disto. O atendimento é português e ultra profissional. Nada de música porque aqui estamos para comer e não para dançar. Dividido em várias salas (a da entrada reservada para fumadores), a decoração é rústica e dominada por madeira, ferro e paredes de granito.

Nas mesas, muito bem postas, imediatamente nos disponibilizam diversos e apetitosos amouse bouche: presunto de boa perna, ovinhos de codorniz, broa, azeitonas e uns rissóis acabadinhos de fritar. Para beber há boa oferta de vinhos, mas não resisto a uma Caipirinha. Perfeita, coisa cada vez mais rara atendendo à imensidade de contrafacções que por aí pululam.

Apetite aberto, para entrada selecciono os camarões à crioula (€ 8). Animais de tamanho generoso, fritos em alho, excelsamente temperados e picantes.

Para prato principal, são muitas e prometedoras as opções. Mas não resisto à provocação de enfrentar um rodízio de carnes (€ 19,80 homens e € 17,80 mulheres). O desfile começa com uma deliciosa linguiça seguida de filet mignon com queijo e presunto, contrafilés com alho, picanha, presunto, alcatra, abacaxi, costelinha, terminando com uma esmagadora dose de queijo fundido. Tudo isto acompanhado com muita farofa, feijão preto, arroz branco, cebola e banana fritas.

Sem clemência para com um estômago à beirinha da explosão, de um farto carrinho de sobremesas ainda provo um muito recomendável pavê de chocolate.

Saio debaixo de um intenso temporal ouvindo João Gilberto sussurrar-me ao ouvido: “alguma coisa acontece no meu coração, que só quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João...”.

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Churrascão Gaúcho ä Avenida da Boavista, 313 – Porto ä Contacto: 22.6098206 ä 12h - 15h30 | 19h – 23h (encerra Domingo) ä Preço médio: € 30 ä Nota: 85% 

10 maio 2012

Amigos em Portugal


Não vos vou dar música, embora “Friends in Portugal” (um dos meus álbuns preferidos dos Durutti Column) desse para várias crónicas. Quero falar-vos daqueles momentos difíceis em que recebemos estrangeiros e, de repente, não sabemos o que lhes mostrar ou, pior ainda, onde os levar a jantar e retribuir excelentes repastos de outras paragens.

Recebo no Porto dois dos meus melhores amigos, um italiano e um catalão. Mas, amigos, amigos, estômagos à parte. Trata-se de malta com bandulho e palato muito experimentado e exigente. Ou seja, colocavam-me claramente à prova. Restaurantes não faltam (eu que o diga!) mas, no centro histórico, comida tradicional portuguesa que não seja a típica fraude para turistas... Eis senão quando me lembro que a Adega de São Nicolau acaba de reabrir depois de uma fantástica renovação do seu espaço.

Chegámos ao final da tarde e com reserva feita. A esplanada, com uma vista formidável para o rio Douro e para o muro dos bacalhoeiros, espanta e encanta. A nova decoração da sala, que a transformou numa espécie de vagão todo revestido em madeira, é de muito bom gosto. Mas o que mais interessava saber era se a nova cara dava com a velha careta. E dá. A cozinha, afinal o que mais interessa, continua a oferecer-nos a qualidade de sempre. O atendimento, nem sempre fácil nesta casa permanentemente cheia, é competentíssimo. Excelente carta de vinhos e a preços moderados o que nos permitiu interessantes experiências.

De entrada, para além dos deliciosos bolinhos de bacalhau e croquetes, provámos a alheira frita (€ 5) e uma moira cozida (6 €) – ambas assombrosas. Para pratos principais, três maravilhas: posta de vitela arouquesa (28 € para duas pessoas), sardinha frita com arroz de feijão (€ 10,50) e os filetes de polvo com arroz do mesmo (14 €). Tudo digno de vários prémios e menções honrosas. Para sobremesa foi só continuar de boca aberta e saborear a obrigatória e felicíssima tradição da casa: jesuítas em miniatura e folhados de chila acabadinhos de fazer.

Resultado: os meus amigos, de estômagos satisfeitos e alma embevecida, desataram a fazer contas à vida e a planear as próximas visitas ao Porto (afinal aqui tão perto) e a esta magnífica e inesquecível morada que prometeram publicitar com entusiamo por essa Europa fora.

Às vezes tenho a impressão que faço mais pela economia portuguesa que o Álvaro. Mas deve ser só uma impressão.

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Adega de São Nicolau ä Rua de S. Nicolau, 1 – Porto ä Contacto: 222 008 232 ä Das 12h às 15h e das 19h às 23h (encerra Domingo) ä Preço médio: 25 ä Nota: 80% 

Abaixo os preconceitos


O programa de relaxamento clássico “jantar & filme” há muito que foi posto em causa pela total concentração das salas de cinema em espaços comerciais onde comer é sinónimo de encher. Mas, procurando com jeitinho, há excepções. E das boas.

O nome engana já que nos induz a pensar que iremos enfrentar rodízios ou comida ao quilo. Nada disso. Ainda que o serviço seja bastante rápido (sobretudo nos pratos pré-confeccionados e mais em conta) estamos num restaurante com todas as letras. A recepção e o atendimento são gentilíssimos. À entrada um piano dá o tom do que iremos encontrar: a sala é um autêntico antiquário.

Dominada por enorme lustre, expõe nas paredes atraentes velharias. As mesas, confortáveis, assentam em velhas máquinas de costura. Pena a ausência de guardanapos de pano, toalhas nas mesas e uma lista de vinhos pouco variada.

De entrada, para além dos triviais pão torrado com manteiga de alho e tostas e um paté de atum, provo um delicado presunto ibérico (€ 5,30). Dos pratos principais experimento o suculento e muito bem temperado tornedó com gambas, batata frita e legumes (€ 12) e o bacalhau à Braga, frito com cebolada, crocante, nada salgado, acompanhado com batata frita às rodelas estaladiças (€ 12). À laia de digestivo, saboreio uma competente tarte de limão (€ 2,85).

E desta Praça da Alimentação proclamo: abaixo os preconceitos contra os centros comerciais! Todos ao Bodegão!

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Bodegão ä Av.ª Óscar Lopes – CC Mar Shopping – Loja 1051 – Leça da Palmeira ä Contacto: 936 549 443 ä Das 12h às 23h (não encerra) ä Preço médio: 20 ä Nota: 75% 

03 maio 2012

Ainda


“Ainda” é o advérbio de tempo de que mais gosto. É como se fosse um motor. Significa a possibilidade de nem tudo estar perdido, de continuidade, de redenção e salvação. Digamos que é por “ainda” acreditarmos que vale a pena qualquer coisa que continuamos a bulir. Quando o “ainda” desaparece das nossas vidas, normalmente já (outro advérbio de tempo, desta feita detestável) estamos mortos.

Vem tudo isto a propósito de me ter lembrado de saber se o D. Tonho ainda é o que era. O que não falta nas nossas praças são restaurantes que depois da justificadíssima fama se deitam na cama (na maior parte das vezes sem ver com quem...). Ouvidas diversas opiniões, nem sempre concordantes, resolvi investigar por conta própria (e da Tentações, claro).

O D. Tonho além de não ter perdido nenhuma das suas múltiplas qualidades faz aquilo que é mais difícil: manter-se aberto desde 1992, fiel aos seus princípios, resistindo a modas, fusões, transfusões e moléculas, continuando a fazer muito bem aquilo que afinal mais interessa: servir boa comida, num espaço privilegiado e recebendo com carinho quem o visita.

A decoração deste antigo armazém de bacalhau é dominada pelo granito e por uma excelente iluminação. O serviço é muito competente, nada intrusivo mas bom conselheiro quando solicitado.

A oferta de entradas é estonteante e apetece provar de tudo. Chamado à razão pelos funcionários, acabo por selecionar “apenas” estas que vivamente recomendo: um bocadinho de queijo de Nisa (€ 8,75), coelho de S. Cristovão, sequinho com um molho de coentrada delicioso (€ 7,60), o obrigatório polvo em molho verde, umas fatias de presunto serrano e uns apetitosos e fresquíssimos camarões. Para prato principal, sujeito-me a duas provas: bacalhau à moda de Júlio de Gouveia (€ 20,15), um prato que transforma o fiel amigo num pitéu surpreendentemente delicado, acompanhado de batata a murro e couve-flor e o cabritinho no churrasco à moda do Amaral de Vila Nova (€ 21,75), crocante, com batatas fritas aos quadrados, a pedir um prémio. Para sobremesa, tentadoras opções. Contrariado, mas respeitando o estômago que pedia clemência, fico-me pela mousse de maçã (€ 5,25), um fino amaciador do palato.

Um personagem do romance de Miguel Unamuno, Abel Sanchez, garantia: “ninguém elogia com boas intenções”. Pois as minhas são as melhores: a de que o ainda seja sempre.

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D. Tonho ä Cais da Ribeira, 13-15 – Porto ä Contacto: 222 004 307 ä 12h às 15h e das 19h às 23h  (não encerra) ä Preço médio: 40 ä Nota: 89% 

Tapa mas não cobre


Visitar a rua dos Mártires da Liberdade, e conhecer o importantíssimo significado histórico desta expressão, devia ser, actualmente, uma obrigação. Mas como é de restaurantes que tenho que falar, paciência. E no presente caso, é preciso alguma.

Situado na baixa do Porto, o Noa é um restaurante de tapas e bar. O acesso não é fácil já que a porta está fechada e ao toque da campainha não respondem propriamente com celeridade. Vermelho, dourado e branco são as cores principais de um universo que querem afirmar como “feminino”. Uma montra, logo à entrada, transformou-se num espaço simpático que poderia ser para fumadores mas, infelizmente, não é. A música ambiente é desadequada e perturba.

Na mesa encontro azeitonas, paté de atum, pão e tostas. A carta de vinhos é curta, mazinha e, pior, cara. No menu para além de Sushi e outras poucas coisas oferecem 18 qualidades de tapas. Escolho as Gambas Thai fritas com molho agridoce, enjoativas porque híper-gordurosas (€ 5,50), as batatas bravas (às rodelas com molho agridoce picante – uma decepção já que nada têm nada a ver com as espanholas - € 3.50) e um vulgar queijo camembert panado com doce de chila, de abóbora e pimenta vermelha (€ 5,50). As tapas, que se querem rápidas, demoram imenso. Para sobremesa as opções são tão curtas e pouco atractivas que prefiro decliná-las.

Em síntese: os nossos santos não se cruzaram.

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Noa ä Rua Mártires da Liberdade, 108 / 112 – Porto ä Contacto: 919 181 545 ä 12h-15h e 19h-24h (2.ª a 4.ª) e 19h30-02h00 (5.ª a Sáb. - encerra Domingo) ä Preço médio: 20 ä Nota: 55%