09 agosto 2012

Marisqueiras há muitas, mas...


Como já aqui referi, fui perseguido por uma autêntica maldição durante mais de 30 anos: alergia a marisco que me sujeitava às mais devastadoras privações. Para além dos inevitáveis casamentos e festas de aniversário onde tais iguarias reinavam, o pior eram as jantaradas e convívios em marisqueiras onde me tinha que contentar com um prego em prato confeccionado sem qualquer arte ou, no limite, uma deslavada omelete. Felizmente o Brasil cura quase tudo e, numa longínqua mas muito saudosa noite de 2003, no famoso Marius Crustáceos em Copacabana, sem saber como e depois de uma autêntica orgia de frutos do mal, perdão, do mar, fiquei curado.

Vem isto a propósito do facto de a maior parte das marisqueiras optarem por um exagerado grau de especialização que, apesar de compreensível, pode ser funesto, sobretudo se depois de uns camarões da costa ou de umas amêijoas nos apetecer regressar à terra e aos prazeres da carne. Ora é precisamente aqui que o Gaveto se distingue da maior parte dos seus pares. Embora apresente uma reconhecida qualidade nos mariscos (com viveiros próprios e fornecimento diário de peixe fresco), consegue servir-nos um prato de carne que, só por si, é todo um programa.

O Gaveto é casa antiga e de respeito. Ainda de maior respeito por ter sabido resistir a modernices, tanto em termos estéticos como técnicos. Sou recebido e servido com uma amabilidade já rara, principalmente em espaços de grande dimensão como é o caso.

A lista de vinhos é vasta e as sugestões bastante recomendáveis. Para abrir o apetite experimento as ameijoas à Bulhão Pato (€ 18,50) que, devo dizer, me surpreenderam pela extraordinária qualidade do molho. De seguida atirei-me àquilo que me tinha trazido ali: o entrecosto de boi à maître de hotel (€ 45 – dose para 2-3 pessoas). A carne, de uma qualidade exemplar, vem fatiada, mal passada (como deve de ser) e regada por um molho do outro mundo, parte substancial do segredo do sucesso deste prato. É acompanhada por uma batatas fritas em palitos grossos e uns deliciosos grelinhos. Para sobremesa, e em tempos de crise, opto pela solução “dois em um” que, de resto, cada vez mais me agrada: um doce e digestivo Irish Coffee (€ 5,95).

Resumindo: marisqueiras há muitas e boas, principalmente em Matosinhos. Mas uma marisqueira capaz de bater aos pontos afamadas churrasqueiras e outros especialistas em pratos de carne, assim de repente, só estou a ver esta.


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Gaveto ä Rua Roberto Ivens, 826 - Matosinhos ä Contacto: 229 378 796 ä 12h00 – 01h30 (não encerra) ä Preço médio: 30 € ä Nota: 75%

02 agosto 2012

Sexo tântrico


Muita gente me perguntava porque é que ainda não tinha visitado o restaurante do famoso Chefe Rui Paula. As razões eram várias: em primeiro lugar porque simpatizo com o proprietário, o que é sempre um risco; em segundo, porque, a julgar pelo que lia e ouvia, o tipo de cozinha do DOP não era exactamente a minha praia e temia poder ser injusto; finalmente, porque pensava para que é que um restaurante destes precisava da minha visita já que nada do que eu dissesse poderia alterar a excelente imagem que possui ou contrariar as extraordinárias críticas que já recebeu.

A decisão de o visitar chegou no dia em que me provocaram com a tentadora afirmação: deleite gastronómico capaz de garantir orgasmos múltiplos é no DOP. Depois de experimentar tenho-vos a dizer que o DOP comprova aquela teoria de que a comida é como o sexo: conforme a idade vai avançando, a qualidade e a capacidade criativa sobrepõem-se, e de que maneira, à quantidade e banalidade. O DOP é puro sexo tântrico.

O edifício tem uma longa história tendo desempenhado interessantes funções para a Cidade do Porto. A decoração é imensamente moderna e cosmopolita mas ao mesmo tempo muito acolhedora. A recepção e o serviço são profissionalíssimos mas conservando um carácter humano, ou seja, é possível dialogar sem que sintamos que estamos a falar com autómatos.

Instalam-me no espaço para fumadores. A lista de vinhos oferece uma tal variedade que ficamos inebriados antes mesmo de qualquer escolha. Do que seleccionei para comer, só mencionarei os nomes já que quanto a descrições apenas posso dizer que todos são únicos e absolutamente perfeitos. Das entradas provo a terrina de foie gras em vinho do Porto com perna de galinha confitada (€ 16) e a Francesinha com lombo Maronês e linguiça transmontana (€ 14). Para pratos principais experimento o tamboril com risoto de lima (€ 27) e o Porco, barriga cachaço e leitão (€ 28). O estertor de refulgente prazer veio com o chocolate e vinho do Porto (€ 15) e a lima e os frutos vermelhos (14). Convém ainda sublinhar que entre todos os pratos sem excepção nos são oferecidos interessantes intermezzos que estão muito longe de ser meros entreténs.

Apesar de não ser uma casa que se possa visitar com frequência (por causa dos preços e porque o sexo tântrico não se deve praticar todos os dias), o DOP merece sem quaisquer dúvidas o meu primeiro, e provavelmente único, 100%.

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DOP ä Largo de S. Domingos, 18 - Porto ä Contacto: 222 014 313 ä 12h30 – 15h30 e das 19h30 às 23h – Sábados às 24h (encerra Domingo ao Jantar e 2.ª feira) ä Preço médio: 65 € ä Nota: 100%