27 junho 2012

O meu Sushi



Quando chegamos a uma certa idade, e o futuro se anuncia cada vez mais curto e pouco prometedor, a nostalgia do passado começa a dominar parte substancial dos nossos pensamentos e acções. Deve ser por isso que ultimamente dou por mim a conduzir sem destino por ruas e zonas da cidade que já não visitava há mais de 30 anos, lamentando o que de bom existia e já não existe ou, mais deprimente ainda, trauteando o inolvidável êxito de António Sala “onde estão os meus velhos amigos”. Parte substancial da minha infância foi passada a calcorrear as ruas e vielas de Campanhã, Bonfim, Campo 24 de Agosto e, ainda com mais regularidade, a Rua do Heroísmo. Por aqui vivi alguns dos melhores e mais inesquecíveis momentos da minha vida: primeiros cigarros, primeira namorada, corridas com carrinhos de rolamentos, campeonatos de futebol de rua... E foi assim que, quase sem dar por isso, entrei na Cozinha do Manel.

Trata-se de uma tradicional casa portuense onde, sem nenhum tipo de modernices, se podem degustar os melhores clássicos da cozinha nortenha. Na sala principal, espaçosa, destacam-se os bonitos painéis de azulejos e as mesas bem-postas. O corredor da entrada é uma autêntica galeria de retratos de famosos: actores, músicos e muitos políticos. Alguns quase me faziam perder o apetite...

A recepção não é entusiasta mas é eficaz e o atendimento melhora com o tempo. A lista de vinhos é generosa mas, como faço sempre que é possível, opto pelo da casa, um verde branco bastante razoável.

Das entradas selecciono uma morcela das beiras assada (€ 2,50) que, na sua negritude de puro-sangue genuína, temperada com bastante alho, me fez palpitar as entranhas de alegria. Da ampla oferta de pratos principais salta-me imediatamente à vista uma raridade: punheta de bacalhau (€ 13)! Para os leigos, e antes que se ponham a delirar, trata-se da única espécie de Sushi permitida pela cozinha tradicional portuguesa (e pelo meu palato): bacalhau cru, demolhado e desfiado, acompanhado por cebola e azeitonas pretas, temperado com azeite e vinagre a gosto. Nada mais simples mas, ao mesmo tempo, mais delicioso. Para sobremesa outra surpresa a não perder: uma rabanada (€ 2,50) que me chega acompanhada por fios de maçã e uvas passas, temperada por uma calda de figo. Fantástica!

Alguém disse que a genuinidade do sorriso só se comprova pelo olhar que o acompanha. Na Cozinha do Manel ambos são garantidos.


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A Cozinha do Manel ä Rua do Heroísmo, 215 - Porto ä Contacto: 225 363 388 ä 12h30 – 15h00 e das 19h30 às 22h00 (encerra Domingo) ä Preço médio: 25 € ä Nota: 80% 

24 junho 2012

Bom, seja lá onde for


Chego sem reserva num Sábado de Feira Medieval na cidade. Mas qual cidade? É que parece haver dúvidas e acesas disputas sobre a localização do restaurante. Fica em Braga ou em Guimarães? Velhas rivalidades que, embora respeite, pouco me interessam. Mas entendo. É que se trata de património digno de respeito e a que qualquer um gostaria de chamar seu.

Localizado a 3 km de Braga (na famosa estrada da Falperra e junto ao Hotel com o mesmo nome) o Dona Júlia é um local onde a gastronomia minhota se distribui por quatro espaços diferentes, de design moderno, onde o principal e mais bonito (1.º andar) é reserva de fumadores. Na parede de granito da entrada lemos “comer e conversar, uma mesma arte”. Excelente descrição de um restaurante que, apesar da enorme dimensão, se mantém afável para longas conversas.

A recepção e atendimento são simpáticos e muito eficazes. A carta de vinhos é esmerada incluindo excelentes exemplares do Douro, Alentejo e, noblesse oblige, Verdes. Ainda por cima sugerem-nos interessantes combinações entre diferentes líquidos e sólidos (sugestões para o cozido, o cabrito, a costela mendinha ou a feijoada).

Para entrada, provo umas pataniscas de bacalhau em formato de sonho onde sobressaía o doce sabor da cebola (€ 3) e uma espantosa e crocante alheira com grelos. Ainda me tentaram umas papas de sarrabulho que vi passar para outra mesa, mas temi estragar o apetite – estou a perder qualidades...

Para prato principal, seleccionei duas das estrelas da casa: polvo panado com arroz de feijão (15 €) e o cabrito (19 €). O polvo apresentou-se em grande forma com um polme muito suave e o arroz, excelente, parecia uma sopa de arroz e feijão temperada com grelos. O cabrito, servido em assadeira de barro com batata assada, portou-se muito bem, mas preferiria um arroz de forno com miúdos em vez do descaracterizado arroz branco. Nota muito positiva para o facto de nos servirem os arrozes em tachos o que permite uma muito melhor conservação de temperatura e sabor. Para sobremesa, voltei a pensar nas papas de sarrabulho mas acabei por optar por uma coisa chamada Três Estações (3,50 €), uma bombinha de chocolate preto, natas e leite condensado. A demorada digestão foi acelerada por um muito razoável digestivo caseiro.

Podem continuar às turras sobre a localização do restaurante. Por mim, agora que aprendi o caminho, mesmo sem saber onde estou, voltarei repetidas vezes.

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Dona Júlia ä Via da Falperra (EN 309) – Nogueira - Braga ä Contacto: 253 270 826 ä 12h30 – 15h30 e das 17h30 às 22h30 (encerra 2.ª feira) ä Preço médio: 25 € ä Nota: 85% 

06 junho 2012

O que faz falta


Uma afirmação de grande actualidade: situações difíceis exigem grandes líderes. Eu por acaso acho que se tivéssemos grandes líderes teríamos evitado as dificuldades. É que ainda continuo a pensar que o meu avozinho – esse sim, o meu grande líder – é que tinha razão e que a melhor maneira de resolver um problema é evitá-lo.
Mas voltando ao início, se o que precisamos é de grandes líderes, nada como experimentar aqueles que o afirmam ser e que, dada a sua longevidade (mais de três décadas de existência), alguma razão devem ter.

Esta casa, situada na zona das Antas, é conhecida por receber a suposta elite da burguesia do Porto. Apesar disso, acolhem um esfarrapado como eu com toda a dignidade e sem qualquer tipo de discriminação. Sempre que me levantava para fumar na pequena sala e bar da entrada, imagino que pensavam que ia sair sem pagar mas, mesmo assim, foram de uma gentiliza sem limites, sendo apenas vigiado por uma estátua do Santo António. A sala é dominada pelo branco, pequenos lustres e uma selecção de pinturas clássicas nas paredes. Nas mesas, destaque para as jarras com revigorantes flores frescas. Ao fundo um painel indica-nos que se trata de poiso frequentado pela confraria gastronómica das Tripas à moda do Porto. É sabido que o bom líder é o que lidera sem espalhafato, de preferência em silêncio, mas a tipologia deste espaço pedia uma musiquinha clássica.

A carta de vinhos é extensa e contém várias pérolas, ainda que a preços um bocadinho excessivos. Para aquecimento oferecem-nos apetitosos rissóis, bolinhos de bacalhau, croquetes e uma extraordinária bola, No menu, para além de muitas sopas, imensas entradas (destaque para os ovos e mariscos). Opto por umas competentes amêijoas à Bolhão Pato (€ 19,50). Para prato principal, sigo a sugestão do Chefe e delicio-me com uma raridade: mílharas (ovas para os alfacinhas) de pescada fritas (€ 17,50) acompanhadas por um excelso arroz de tomate. Simplesmente divinais. Para sobremesa, escolho, e babo-me, com uma das melhores pêras bêbedas que me passaram pelo estreito (€ 3,50).

Steve Jobs afirmava que “a inovação é o que distingue um líder de um seguidor”. Não gosto de contrariar quem já não se pode defender, mas discordo. Na minha opinião, o que faz falta – particularmente hoje - são líderes que prometem e cumprem a difícil missão de conservar o que é bom. Sobretudo quando o fazem contra todos os ventos de pretensa modernidade ou inevitabilidade.

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Líder ä Alameda Eça de Queiroz, 126 – Porto ä Contacto: 225 020 089 ä 12h - 15h00 | 19h – 24h (não encerra) ä Preço médio: € 35 ä 80% 

A idade não é um posto


Começo pelo fim: a comida até é boa, mas tudo o resto clama por uma nova gerência. Ou, pelo menos, por uma gerência nova.

Esta casa, instalada numa das mais clássicas ruas do centro histórico do Porto, e embora várias vezes remodelada, continua a manter uma decoração essencialmente rústica, repleta de artefactos do folclore popular português para turista ver.

Sou recebido de forma indolente pelo proprietário, como se a minha presença fosse mais um incómodo do que um prazer.

Para entrada, sem grandes opções nem diálogo aceito o que me é imposto: pão, broa e um queijo amanteigado (€ 5) de boa qualidade. A lista está recheada de pratos tradicionais (dos quais se podem pedir meias-doses e ¼ de doses). Opto pelas costeletas marítimas com arroz e salada (€ 8,50) e pelos filetes de bacalhau (€ 9). Tanto as costeletas (sardinhas abertas e fritas em ovo e pão ralado) como os filetes se portaram muito bem. O que me desapontou foi o facto de ambos os petiscos serem servidos com um arroz branco, preguiçoso, quando estavam mesmo a pedir, por exemplo, um arroz de tomate ou de feijão.

Para sobremesa, a oferta não é muita mas a vontade de me ver pelas costas imensa. Degluto um toucinho-do-céu e emborco um café. Ao sair vejo pela primeira vez uma expressão de felicidade no rosto dos proprietários que já se preparavam para apagar as luzes. 22 horas em ponto. Estava na horinha. De encontrar quem os substitua. 

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Adega de Vila Meã ä Rua dos Caldeireiros, 62 – Porto ä Contacto: 222 082 967 ä 12h - 15h30 | 19h – 22h (encerra Domingos) ä Preço médio: € 25 ä Nota: 60%