26 julho 2012

Chegadas e despedidas


Espinho é a cidade mais parecida que conheço, pelo menos a norte do país, com Nova Iorque. Calma. Embora exista um Casino e, esporadicamente, alguns espectáculos burlescos, não se trata da Broadway e o cosmopolitismo limita-se a umas dezenas de turistas veraneantes. Refiro-me apenas à organização da cidade e ao facto de as ruas e avenidas serem designadas por números, facilitando a orientação, sobretudo a dos forasteiros.

Sim, eu sei, estou a divagar e a gastar inutilmente caracteres. O que querem, a silly season também ataca os críticos gastronómicos!

Há restaurantes onde vou por causa de uma entrada e outros onde anseio chegar à saída. No Avenida 8, para mim, o que vale mesmo a pena é uma das entradas e duas sobremesas. Importa sublinhar que o resto da oferta não é má, muito pelo contrário (terça-feira é dia de arroz de bacalhau com taquinhos, quarta de tripas à moda do Porto, quinta de arroz de pato à antiga, sexta de rojões à moda do Minho, sábado de cabritinho assado e domingo de cozido à portuguesa), mas a entrada... Já lá vamos.

É um espaço moderno, com uma decoração minimalista, em tons de branco e mostarda, onde somos recebidos com gentileza. A sala principal fica ao nível da entrada mas na cave existe um snack-bar pronto a servir presunto, tábuas de queijos, francesinhas, pregos no pão ou em prato e tostas mistas.

Na mesa colocam-me de imediato uns ovinhos de codorniz e um queijo de ovelha. A lista de vinhos não é grandiosa mas contém alguns nomes sonantes e suficientes para o gasto. Único reparo, para um pormenor bastante desagradável, é que o vinho escolhido chegou à mesa muito depois das entradas que entretanto arrefeciam. Do menu, para começar, e desvendando finalmente o mistério, selecciono o gratinado de Avintes (6 €). De que se trata? Miolo de broa de Avintes, presunto, grelos e alho tudo misturado com um ovo escalfado. Chamam-lhe entrada mas é muito mais do isso. É uma preciosidade que só por si merece a deslocação a Espinho. Mas porque a profissão a isso obriga sigo em frente e, para prato principal, peço o bacalhau à Avenida 8 (12 € meia-dose que dá bem para duas pessoas). A generosa posta de bacalhau, de muito boa qualidade, desfaz-se em lascas, acompanhado por um cremoso puré. Mas a segunda grande surpresa estava para chegar: jesuítas fresquíssimos e uns folhados de maçã com amêndoas e passas. Saída divinal!

Entrar bem, e sair ainda melhor, é no Avenida 8. 


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 Avenida 8 ä Avenida 8, 308 - Espinho ä Contacto: 227 327 405 ä 12h30 – 15h e 19h30 – 23h (encerra 2.ª feira) ä Preço médio: 20 € ä Nota: 76%
 

19 julho 2012

Comer como um Lorde


Tenho que admitir que sou muito sensível aos hodiernos apelos do empreendedorismo, da inovação e de choques dos mais variados tipos e feitios. Sou tão sensível que, assim que os oiço, fujo o mais rápido que puder para um qualquer local onde me garantam que aquilo que era bom continua a ser. Insultem-me, de preferência inovando, mas, cada vez mais, estou convencido que a grande inovação é o conservadorismo. O Oporto é um exemplo muito reconfortante disto mesmo.

Chegar a esta magnífica casa é regressar ao século XIX. O Largo da Igreja da Foz é um local idílico, dominado por frondosas árvores e uma lindíssima vista da Foz do Douro. Entra-se directamente para uma ampla sala, dividida em duas áreas (uma onde se pode fumar) repleta de detalhes decorativos e recantos fora de época, imperando uma calma que nos faz sentir convidados de uma família inglesa (a do Júlio Dinis, por exemplo). Gostei particularmente dos sofás na sala de espera e dos muitos jornais e revistas que acompanharam o indispensável gin tónico. Tanto a recepção como o atendimento são de gentleman.

As mesas, elegantemente decoradas, estão à distância perfeita para uma conversa reservada. Retratos de clientes famosos povoam as paredes. E este é o único senão. É que ter o Carlos Magno permanentemente a olhar para mim, irrita-me a úlcera e perturba-me a digestão.

O menu é um encanto e a lista de vinhos inclui óptimas opções. Para entrada selecciono os crepes de camarão gratinados (12 €) num cremosíssimo molho bechamel e o crocante de camembert (6 €) acompanhado por duas preciosidades: uma salsa frita e estaladiça e uma deliciosa compota de framboesa. Dos pratos principais escolho dois muito, mas mesmo muito, aconselháveis: o caril de gambas (17 €) e as costeletinhas de anho com hortelã (13,50 €). As gambas, de grande porte, mergulhadas num saboroso molho de caril, são acompanhadas por um rodízio de laranja, coco, ananás, maçã e natas e servidas numa caminha de arroz. Em relação às costeletinhas, para além da qualidade da carne, só vos posso dizer que o molho de hortelã faz milagres. Uma fatia de bolo de laranja (4 €) encerrou bem a opípara refeição.

Ainda que já saiba que o destino final desta crítica não será dos mais prestigiantes (no Oporto as críticas gastronómicas acabam afixadas nas casas de banho), afirmo com convicção: comi como um Lorde num dos melhores restaurantes da cidade do Porto.

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Oporto ä Largo da Igreja da Foz, 105 - Porto ä Contacto: 226 100 727 ä 12h30 – 15h e das 20h às 23h (encerra Domingo e 2.ª feira ao almoço) ä Preço médio: 30 € ä Nota: 90% 

12 julho 2012

Cozinhar fora


Na generalidade, a maior parte dos restaurantes italianos em Portugal é de evitar. Aquilo que parece simples não o é, e a maior parte das tentativas acaba por ser uma profunda desilusão. No Da Salvatore estamos a salvo dessas frustrações porque, para além da oferta de 13 tipos de pizzas e 12 de pastas, degustamos algo que dificilmente se encontra noutro local e que vale a pena experimentar: a Charbonade.

Antes de mais nada convém sublinhar que o local é recôndito e que um GPS e muita atenção dão jeitinho. Mesmo à beira-mar (ainda que sem vistas para o mesmo) trata-se de uma casa com uma decoração simples mas muito arrumadinha, dividida em duas salas, numa das quais se pode fumar. A recepção e atendimento são do tipo familiar e eficientes embora se atarantem um bocadinho quando as salas ficam cheias. A refrigeração do espaço não é famosa e mesmo o mais tropical dos clientes rapidamente inicia um processo de destilação bastante desagradável. A iluminação das mesas também poderia ser melhorada – desde que não seja com velas porque para calor já basta o que basta.

Das entradas, que integram o couvert, provo um presunto sofrível, um saboroso queijo amanteigado e umas amêijoas e mexilhões razoáveis. A lista de vinhos é curta, o que é sempre pena, mas a sugestão de um “Olho no Pé” (pinot noir do Douro) surpreendeu e merece destaque.

Para prato principal recebo aquela que é principal razão da visita da maior parte dos fregueses: a famigerada Charbonade (€ 21 para duas pessoas). De que se trata? É uma espécie de fondue mas na brasa. Para o efeito trazem-nos uns bifes de vaca, muito finos e tenros que grelhamos apenas com sal num cilindro com brasas. Depois de “queimados” a gosto é só condimentar, experimentando os 6 molhos disponíveis, e acompanhar com umas batatas pré cozidas com casca, que se colocam igualmente na brasa. Servem-nos ainda fartas doses de batatas fritas mas que lamentavelmente se apresentaram demasiado oleosas.

Exactamente como em qualquer fondue o único defeito é que a necessidade de estarmos sempre atentos à “cozinha” impede conversas mais fluídas e que não sejam permanentemente interrompidas com o fatal “achas que já está?”. A grande vantagem da Charbonade, sobretudo para alguém como eu, que só muito raramente cozinho o que como (e ainda mais raramente como o que cozinho), é a de me fazer sentir um mestre da culinária. E sem loiça para lavar.

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Da Salvatore ä Travessa Caetano Remeão, 42 – Valadares – Vila Nova de Gaia ä Contacto: 22 713 95 75 ä 12h – 15h e das 19h às 24h (não encerra) ä Preço médio: 20 € ä Nota: 65%