Como já aqui referi, fui perseguido por uma autêntica maldição
durante mais de 30 anos: alergia a marisco que me sujeitava às mais
devastadoras privações. Para além dos inevitáveis casamentos e festas de
aniversário onde tais iguarias reinavam, o pior eram as jantaradas e convívios
em marisqueiras onde me tinha que contentar com um prego em prato confeccionado
sem qualquer arte ou, no limite, uma deslavada omelete. Felizmente o Brasil
cura quase tudo e, numa longínqua mas muito saudosa noite de 2003, no famoso
Marius Crustáceos em Copacabana, sem saber como e depois de uma autêntica orgia
de frutos do mal, perdão, do mar, fiquei curado.
Vem isto a propósito do facto de a maior parte das
marisqueiras optarem por um exagerado grau de especialização que, apesar de
compreensível, pode ser funesto, sobretudo se depois de uns camarões da costa
ou de umas amêijoas nos apetecer regressar à terra e aos prazeres da carne. Ora
é precisamente aqui que o Gaveto se distingue da maior parte dos seus pares. Embora
apresente uma reconhecida qualidade nos mariscos (com viveiros próprios e
fornecimento diário de peixe fresco), consegue servir-nos um prato de carne
que, só por si, é todo um programa.
O Gaveto é casa antiga e de respeito. Ainda de maior
respeito por ter sabido resistir a modernices, tanto em termos estéticos como técnicos.
Sou recebido e servido com uma amabilidade já rara, principalmente em espaços
de grande dimensão como é o caso.
A lista de vinhos é vasta e as sugestões bastante
recomendáveis. Para abrir o apetite experimento as ameijoas à Bulhão Pato (€
18,50) que, devo dizer, me surpreenderam pela extraordinária qualidade do molho.
De seguida atirei-me àquilo que me tinha trazido ali: o entrecosto de boi à maître
de hotel (€ 45 – dose para 2-3 pessoas). A carne, de uma qualidade exemplar,
vem fatiada, mal passada (como deve de ser) e regada por um molho do outro
mundo, parte substancial do segredo do sucesso deste prato. É acompanhada por
uma batatas fritas em palitos grossos e uns deliciosos grelinhos. Para
sobremesa, e em tempos de crise, opto pela solução “dois em um” que, de resto,
cada vez mais me agrada: um doce e digestivo Irish Coffee (€ 5,95).
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