“Ainda” é o advérbio de tempo de
que mais gosto. É como se fosse um motor. Significa a possibilidade de nem tudo
estar perdido, de continuidade, de redenção e salvação. Digamos que é por “ainda”
acreditarmos que vale a pena qualquer coisa que continuamos a bulir. Quando o
“ainda” desaparece das nossas vidas, normalmente já (outro advérbio de tempo, desta
feita detestável) estamos mortos.
Vem tudo isto a propósito de me
ter lembrado de saber se o D. Tonho ainda é o que era. O que não falta nas
nossas praças são restaurantes que depois da justificadíssima fama se deitam na
cama (na maior parte das vezes sem ver com quem...). Ouvidas diversas opiniões,
nem sempre concordantes, resolvi investigar por conta própria (e da Tentações,
claro).
O D. Tonho além de não ter
perdido nenhuma das suas múltiplas qualidades faz aquilo que é mais difícil:
manter-se aberto desde 1992, fiel aos seus princípios, resistindo a modas,
fusões, transfusões e moléculas, continuando a fazer muito bem aquilo que afinal
mais interessa: servir boa comida, num espaço privilegiado e recebendo com carinho
quem o visita.
A decoração deste antigo armazém
de bacalhau é dominada pelo granito e por uma excelente iluminação. O serviço é
muito competente, nada intrusivo mas bom conselheiro quando solicitado.
A oferta de entradas é
estonteante e apetece provar de tudo. Chamado à razão pelos funcionários, acabo
por selecionar “apenas” estas que vivamente recomendo: um bocadinho de queijo
de Nisa (€ 8,75), coelho de S. Cristovão, sequinho com um molho de coentrada
delicioso (€ 7,60), o obrigatório polvo em molho verde, umas fatias de presunto
serrano e uns apetitosos e fresquíssimos camarões. Para prato principal,
sujeito-me a duas provas: bacalhau à moda de Júlio de Gouveia (€ 20,15), um
prato que transforma o fiel amigo num pitéu surpreendentemente delicado,
acompanhado de batata a murro e couve-flor e o cabritinho no churrasco à moda
do Amaral de Vila Nova (€ 21,75), crocante, com batatas fritas aos quadrados, a
pedir um prémio. Para sobremesa, tentadoras opções. Contrariado, mas
respeitando o estômago que pedia clemência, fico-me pela mousse de maçã (€
5,25), um fino amaciador do palato.
Um personagem do romance de
Miguel Unamuno, Abel Sanchez, garantia:
“ninguém elogia com boas intenções”. Pois as minhas são as melhores: a de que o
ainda seja sempre.
***
D. Tonho ä
Cais da Ribeira, 13-15 – Porto ä
Contacto: 222 004 307 ä 12h às 15h e das 19h às 23h (não encerra)
ä
Preço médio: 40 € ä
Nota: 89%