14 julho 2011

Ingratidão

Entro com devoção num dos restaurantes mais antigos da Cidade do Porto. E a sensação é exactamente a esperada. O octogenário Escondidinho está como sempre foi. A modernidade e o requinte de 1931 encontram-se inalterados e permitem-nos uma viagem no tempo aconchegante e retemperadora. Sente-se quase uma espécie de protecção. Parece estarmos a salvo de um inquietante presente e dá-nos esperança de que o futuro não venha a ser o que nos prometem.

Sou recebido pelo seu responsável máximo, Amarílio Barbosa, que, embora estranhando o meu excelente português, com uma gentileza e profissionalismo impares me faz sentir em casa. Lentamente começo a verificar que as sábias palavras de Francisco Quevedo se confirmam: “quem recebe o que não merece, poucas vezes o agradece”. O cosmopolitismo (leia-se o novo-riquismo bacoco) dos portuenses levou-os a trocarem uma casa que tudo lhes deu por paraísos artificiais japoneses, mexicanos ou indianos condenando-o a viver quase exclusivamente da visita de turistas em busca do que os autóctones desprezam: alguns dos melhores pratos da gastronomia portuguesa.

A maior parte dos convivas são espanhóis, o que produz um ruído de fundo quase insuportável. Ainda soltei entre dentes um “por que no te callas”, mas desisti, até porque o estrangeiro era eu.

Na garrafeira há quase de tudo e para todos os gostos e preços. Quanto aos pratos, a oferta é igualmente generosa e quase apetece pedir um menu de degustação (que não existe). Inicio perfeito com umas amêijoas à Bulhão Pato, sinceramente das melhores que já comi (excepção feita para as de uma certa marisqueira de Matosinhos sobre a qual um dia destes vos falarei). Para prato principal fico muito dividido entre as diversas cataplanas possíveis, um robalo ao sal, ou o bacalhau à escondidinho. Mas a tentação da carne é mais forte e opto por um tornedó Rossini. E não me arrependo nadinha. A carne desfaz-se na boca e o molho e paté que a acompanham fazem o resto. Inesquecível.

Já na sobremesa, fui atraiçoado pela nostalgia. A tarte de maçã folhada, que já foi uma referência do Guia Michelin, era pura palha. Mas a um octogenário podemos perdoar certos deslizes.

Confirmei com uma esperança renovada no futuro que o Escondidinho, como a Cidade, continua mui nobre, sempre leal e invicto. E os portuenses? Devem estar escondidos ou com a boca num qualquer Sushi. Ingratos!

O Escondidinho * Rua Passos Manuel, 142 – Porto * Contacto: 22.2001079 * Das 12h às 15h e das 19h às 23h (não encerra) * Preço médio: 35 € * Nota: 80%