09 agosto 2012

Marisqueiras há muitas, mas...


Como já aqui referi, fui perseguido por uma autêntica maldição durante mais de 30 anos: alergia a marisco que me sujeitava às mais devastadoras privações. Para além dos inevitáveis casamentos e festas de aniversário onde tais iguarias reinavam, o pior eram as jantaradas e convívios em marisqueiras onde me tinha que contentar com um prego em prato confeccionado sem qualquer arte ou, no limite, uma deslavada omelete. Felizmente o Brasil cura quase tudo e, numa longínqua mas muito saudosa noite de 2003, no famoso Marius Crustáceos em Copacabana, sem saber como e depois de uma autêntica orgia de frutos do mal, perdão, do mar, fiquei curado.

Vem isto a propósito do facto de a maior parte das marisqueiras optarem por um exagerado grau de especialização que, apesar de compreensível, pode ser funesto, sobretudo se depois de uns camarões da costa ou de umas amêijoas nos apetecer regressar à terra e aos prazeres da carne. Ora é precisamente aqui que o Gaveto se distingue da maior parte dos seus pares. Embora apresente uma reconhecida qualidade nos mariscos (com viveiros próprios e fornecimento diário de peixe fresco), consegue servir-nos um prato de carne que, só por si, é todo um programa.

O Gaveto é casa antiga e de respeito. Ainda de maior respeito por ter sabido resistir a modernices, tanto em termos estéticos como técnicos. Sou recebido e servido com uma amabilidade já rara, principalmente em espaços de grande dimensão como é o caso.

A lista de vinhos é vasta e as sugestões bastante recomendáveis. Para abrir o apetite experimento as ameijoas à Bulhão Pato (€ 18,50) que, devo dizer, me surpreenderam pela extraordinária qualidade do molho. De seguida atirei-me àquilo que me tinha trazido ali: o entrecosto de boi à maître de hotel (€ 45 – dose para 2-3 pessoas). A carne, de uma qualidade exemplar, vem fatiada, mal passada (como deve de ser) e regada por um molho do outro mundo, parte substancial do segredo do sucesso deste prato. É acompanhada por uma batatas fritas em palitos grossos e uns deliciosos grelinhos. Para sobremesa, e em tempos de crise, opto pela solução “dois em um” que, de resto, cada vez mais me agrada: um doce e digestivo Irish Coffee (€ 5,95).

Resumindo: marisqueiras há muitas e boas, principalmente em Matosinhos. Mas uma marisqueira capaz de bater aos pontos afamadas churrasqueiras e outros especialistas em pratos de carne, assim de repente, só estou a ver esta.


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Gaveto ä Rua Roberto Ivens, 826 - Matosinhos ä Contacto: 229 378 796 ä 12h00 – 01h30 (não encerra) ä Preço médio: 30 € ä Nota: 75%

02 agosto 2012

Sexo tântrico


Muita gente me perguntava porque é que ainda não tinha visitado o restaurante do famoso Chefe Rui Paula. As razões eram várias: em primeiro lugar porque simpatizo com o proprietário, o que é sempre um risco; em segundo, porque, a julgar pelo que lia e ouvia, o tipo de cozinha do DOP não era exactamente a minha praia e temia poder ser injusto; finalmente, porque pensava para que é que um restaurante destes precisava da minha visita já que nada do que eu dissesse poderia alterar a excelente imagem que possui ou contrariar as extraordinárias críticas que já recebeu.

A decisão de o visitar chegou no dia em que me provocaram com a tentadora afirmação: deleite gastronómico capaz de garantir orgasmos múltiplos é no DOP. Depois de experimentar tenho-vos a dizer que o DOP comprova aquela teoria de que a comida é como o sexo: conforme a idade vai avançando, a qualidade e a capacidade criativa sobrepõem-se, e de que maneira, à quantidade e banalidade. O DOP é puro sexo tântrico.

O edifício tem uma longa história tendo desempenhado interessantes funções para a Cidade do Porto. A decoração é imensamente moderna e cosmopolita mas ao mesmo tempo muito acolhedora. A recepção e o serviço são profissionalíssimos mas conservando um carácter humano, ou seja, é possível dialogar sem que sintamos que estamos a falar com autómatos.

Instalam-me no espaço para fumadores. A lista de vinhos oferece uma tal variedade que ficamos inebriados antes mesmo de qualquer escolha. Do que seleccionei para comer, só mencionarei os nomes já que quanto a descrições apenas posso dizer que todos são únicos e absolutamente perfeitos. Das entradas provo a terrina de foie gras em vinho do Porto com perna de galinha confitada (€ 16) e a Francesinha com lombo Maronês e linguiça transmontana (€ 14). Para pratos principais experimento o tamboril com risoto de lima (€ 27) e o Porco, barriga cachaço e leitão (€ 28). O estertor de refulgente prazer veio com o chocolate e vinho do Porto (€ 15) e a lima e os frutos vermelhos (14). Convém ainda sublinhar que entre todos os pratos sem excepção nos são oferecidos interessantes intermezzos que estão muito longe de ser meros entreténs.

Apesar de não ser uma casa que se possa visitar com frequência (por causa dos preços e porque o sexo tântrico não se deve praticar todos os dias), o DOP merece sem quaisquer dúvidas o meu primeiro, e provavelmente único, 100%.

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DOP ä Largo de S. Domingos, 18 - Porto ä Contacto: 222 014 313 ä 12h30 – 15h30 e das 19h30 às 23h – Sábados às 24h (encerra Domingo ao Jantar e 2.ª feira) ä Preço médio: 65 € ä Nota: 100% 

26 julho 2012

Chegadas e despedidas


Espinho é a cidade mais parecida que conheço, pelo menos a norte do país, com Nova Iorque. Calma. Embora exista um Casino e, esporadicamente, alguns espectáculos burlescos, não se trata da Broadway e o cosmopolitismo limita-se a umas dezenas de turistas veraneantes. Refiro-me apenas à organização da cidade e ao facto de as ruas e avenidas serem designadas por números, facilitando a orientação, sobretudo a dos forasteiros.

Sim, eu sei, estou a divagar e a gastar inutilmente caracteres. O que querem, a silly season também ataca os críticos gastronómicos!

Há restaurantes onde vou por causa de uma entrada e outros onde anseio chegar à saída. No Avenida 8, para mim, o que vale mesmo a pena é uma das entradas e duas sobremesas. Importa sublinhar que o resto da oferta não é má, muito pelo contrário (terça-feira é dia de arroz de bacalhau com taquinhos, quarta de tripas à moda do Porto, quinta de arroz de pato à antiga, sexta de rojões à moda do Minho, sábado de cabritinho assado e domingo de cozido à portuguesa), mas a entrada... Já lá vamos.

É um espaço moderno, com uma decoração minimalista, em tons de branco e mostarda, onde somos recebidos com gentileza. A sala principal fica ao nível da entrada mas na cave existe um snack-bar pronto a servir presunto, tábuas de queijos, francesinhas, pregos no pão ou em prato e tostas mistas.

Na mesa colocam-me de imediato uns ovinhos de codorniz e um queijo de ovelha. A lista de vinhos não é grandiosa mas contém alguns nomes sonantes e suficientes para o gasto. Único reparo, para um pormenor bastante desagradável, é que o vinho escolhido chegou à mesa muito depois das entradas que entretanto arrefeciam. Do menu, para começar, e desvendando finalmente o mistério, selecciono o gratinado de Avintes (6 €). De que se trata? Miolo de broa de Avintes, presunto, grelos e alho tudo misturado com um ovo escalfado. Chamam-lhe entrada mas é muito mais do isso. É uma preciosidade que só por si merece a deslocação a Espinho. Mas porque a profissão a isso obriga sigo em frente e, para prato principal, peço o bacalhau à Avenida 8 (12 € meia-dose que dá bem para duas pessoas). A generosa posta de bacalhau, de muito boa qualidade, desfaz-se em lascas, acompanhado por um cremoso puré. Mas a segunda grande surpresa estava para chegar: jesuítas fresquíssimos e uns folhados de maçã com amêndoas e passas. Saída divinal!

Entrar bem, e sair ainda melhor, é no Avenida 8. 


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 Avenida 8 ä Avenida 8, 308 - Espinho ä Contacto: 227 327 405 ä 12h30 – 15h e 19h30 – 23h (encerra 2.ª feira) ä Preço médio: 20 € ä Nota: 76%
 

19 julho 2012

Comer como um Lorde


Tenho que admitir que sou muito sensível aos hodiernos apelos do empreendedorismo, da inovação e de choques dos mais variados tipos e feitios. Sou tão sensível que, assim que os oiço, fujo o mais rápido que puder para um qualquer local onde me garantam que aquilo que era bom continua a ser. Insultem-me, de preferência inovando, mas, cada vez mais, estou convencido que a grande inovação é o conservadorismo. O Oporto é um exemplo muito reconfortante disto mesmo.

Chegar a esta magnífica casa é regressar ao século XIX. O Largo da Igreja da Foz é um local idílico, dominado por frondosas árvores e uma lindíssima vista da Foz do Douro. Entra-se directamente para uma ampla sala, dividida em duas áreas (uma onde se pode fumar) repleta de detalhes decorativos e recantos fora de época, imperando uma calma que nos faz sentir convidados de uma família inglesa (a do Júlio Dinis, por exemplo). Gostei particularmente dos sofás na sala de espera e dos muitos jornais e revistas que acompanharam o indispensável gin tónico. Tanto a recepção como o atendimento são de gentleman.

As mesas, elegantemente decoradas, estão à distância perfeita para uma conversa reservada. Retratos de clientes famosos povoam as paredes. E este é o único senão. É que ter o Carlos Magno permanentemente a olhar para mim, irrita-me a úlcera e perturba-me a digestão.

O menu é um encanto e a lista de vinhos inclui óptimas opções. Para entrada selecciono os crepes de camarão gratinados (12 €) num cremosíssimo molho bechamel e o crocante de camembert (6 €) acompanhado por duas preciosidades: uma salsa frita e estaladiça e uma deliciosa compota de framboesa. Dos pratos principais escolho dois muito, mas mesmo muito, aconselháveis: o caril de gambas (17 €) e as costeletinhas de anho com hortelã (13,50 €). As gambas, de grande porte, mergulhadas num saboroso molho de caril, são acompanhadas por um rodízio de laranja, coco, ananás, maçã e natas e servidas numa caminha de arroz. Em relação às costeletinhas, para além da qualidade da carne, só vos posso dizer que o molho de hortelã faz milagres. Uma fatia de bolo de laranja (4 €) encerrou bem a opípara refeição.

Ainda que já saiba que o destino final desta crítica não será dos mais prestigiantes (no Oporto as críticas gastronómicas acabam afixadas nas casas de banho), afirmo com convicção: comi como um Lorde num dos melhores restaurantes da cidade do Porto.

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Oporto ä Largo da Igreja da Foz, 105 - Porto ä Contacto: 226 100 727 ä 12h30 – 15h e das 20h às 23h (encerra Domingo e 2.ª feira ao almoço) ä Preço médio: 30 € ä Nota: 90% 

12 julho 2012

Cozinhar fora


Na generalidade, a maior parte dos restaurantes italianos em Portugal é de evitar. Aquilo que parece simples não o é, e a maior parte das tentativas acaba por ser uma profunda desilusão. No Da Salvatore estamos a salvo dessas frustrações porque, para além da oferta de 13 tipos de pizzas e 12 de pastas, degustamos algo que dificilmente se encontra noutro local e que vale a pena experimentar: a Charbonade.

Antes de mais nada convém sublinhar que o local é recôndito e que um GPS e muita atenção dão jeitinho. Mesmo à beira-mar (ainda que sem vistas para o mesmo) trata-se de uma casa com uma decoração simples mas muito arrumadinha, dividida em duas salas, numa das quais se pode fumar. A recepção e atendimento são do tipo familiar e eficientes embora se atarantem um bocadinho quando as salas ficam cheias. A refrigeração do espaço não é famosa e mesmo o mais tropical dos clientes rapidamente inicia um processo de destilação bastante desagradável. A iluminação das mesas também poderia ser melhorada – desde que não seja com velas porque para calor já basta o que basta.

Das entradas, que integram o couvert, provo um presunto sofrível, um saboroso queijo amanteigado e umas amêijoas e mexilhões razoáveis. A lista de vinhos é curta, o que é sempre pena, mas a sugestão de um “Olho no Pé” (pinot noir do Douro) surpreendeu e merece destaque.

Para prato principal recebo aquela que é principal razão da visita da maior parte dos fregueses: a famigerada Charbonade (€ 21 para duas pessoas). De que se trata? É uma espécie de fondue mas na brasa. Para o efeito trazem-nos uns bifes de vaca, muito finos e tenros que grelhamos apenas com sal num cilindro com brasas. Depois de “queimados” a gosto é só condimentar, experimentando os 6 molhos disponíveis, e acompanhar com umas batatas pré cozidas com casca, que se colocam igualmente na brasa. Servem-nos ainda fartas doses de batatas fritas mas que lamentavelmente se apresentaram demasiado oleosas.

Exactamente como em qualquer fondue o único defeito é que a necessidade de estarmos sempre atentos à “cozinha” impede conversas mais fluídas e que não sejam permanentemente interrompidas com o fatal “achas que já está?”. A grande vantagem da Charbonade, sobretudo para alguém como eu, que só muito raramente cozinho o que como (e ainda mais raramente como o que cozinho), é a de me fazer sentir um mestre da culinária. E sem loiça para lavar.

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Da Salvatore ä Travessa Caetano Remeão, 42 – Valadares – Vila Nova de Gaia ä Contacto: 22 713 95 75 ä 12h – 15h e das 19h às 24h (não encerra) ä Preço médio: 20 € ä Nota: 65% 

27 junho 2012

O meu Sushi



Quando chegamos a uma certa idade, e o futuro se anuncia cada vez mais curto e pouco prometedor, a nostalgia do passado começa a dominar parte substancial dos nossos pensamentos e acções. Deve ser por isso que ultimamente dou por mim a conduzir sem destino por ruas e zonas da cidade que já não visitava há mais de 30 anos, lamentando o que de bom existia e já não existe ou, mais deprimente ainda, trauteando o inolvidável êxito de António Sala “onde estão os meus velhos amigos”. Parte substancial da minha infância foi passada a calcorrear as ruas e vielas de Campanhã, Bonfim, Campo 24 de Agosto e, ainda com mais regularidade, a Rua do Heroísmo. Por aqui vivi alguns dos melhores e mais inesquecíveis momentos da minha vida: primeiros cigarros, primeira namorada, corridas com carrinhos de rolamentos, campeonatos de futebol de rua... E foi assim que, quase sem dar por isso, entrei na Cozinha do Manel.

Trata-se de uma tradicional casa portuense onde, sem nenhum tipo de modernices, se podem degustar os melhores clássicos da cozinha nortenha. Na sala principal, espaçosa, destacam-se os bonitos painéis de azulejos e as mesas bem-postas. O corredor da entrada é uma autêntica galeria de retratos de famosos: actores, músicos e muitos políticos. Alguns quase me faziam perder o apetite...

A recepção não é entusiasta mas é eficaz e o atendimento melhora com o tempo. A lista de vinhos é generosa mas, como faço sempre que é possível, opto pelo da casa, um verde branco bastante razoável.

Das entradas selecciono uma morcela das beiras assada (€ 2,50) que, na sua negritude de puro-sangue genuína, temperada com bastante alho, me fez palpitar as entranhas de alegria. Da ampla oferta de pratos principais salta-me imediatamente à vista uma raridade: punheta de bacalhau (€ 13)! Para os leigos, e antes que se ponham a delirar, trata-se da única espécie de Sushi permitida pela cozinha tradicional portuguesa (e pelo meu palato): bacalhau cru, demolhado e desfiado, acompanhado por cebola e azeitonas pretas, temperado com azeite e vinagre a gosto. Nada mais simples mas, ao mesmo tempo, mais delicioso. Para sobremesa outra surpresa a não perder: uma rabanada (€ 2,50) que me chega acompanhada por fios de maçã e uvas passas, temperada por uma calda de figo. Fantástica!

Alguém disse que a genuinidade do sorriso só se comprova pelo olhar que o acompanha. Na Cozinha do Manel ambos são garantidos.


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A Cozinha do Manel ä Rua do Heroísmo, 215 - Porto ä Contacto: 225 363 388 ä 12h30 – 15h00 e das 19h30 às 22h00 (encerra Domingo) ä Preço médio: 25 € ä Nota: 80% 

24 junho 2012

Bom, seja lá onde for


Chego sem reserva num Sábado de Feira Medieval na cidade. Mas qual cidade? É que parece haver dúvidas e acesas disputas sobre a localização do restaurante. Fica em Braga ou em Guimarães? Velhas rivalidades que, embora respeite, pouco me interessam. Mas entendo. É que se trata de património digno de respeito e a que qualquer um gostaria de chamar seu.

Localizado a 3 km de Braga (na famosa estrada da Falperra e junto ao Hotel com o mesmo nome) o Dona Júlia é um local onde a gastronomia minhota se distribui por quatro espaços diferentes, de design moderno, onde o principal e mais bonito (1.º andar) é reserva de fumadores. Na parede de granito da entrada lemos “comer e conversar, uma mesma arte”. Excelente descrição de um restaurante que, apesar da enorme dimensão, se mantém afável para longas conversas.

A recepção e atendimento são simpáticos e muito eficazes. A carta de vinhos é esmerada incluindo excelentes exemplares do Douro, Alentejo e, noblesse oblige, Verdes. Ainda por cima sugerem-nos interessantes combinações entre diferentes líquidos e sólidos (sugestões para o cozido, o cabrito, a costela mendinha ou a feijoada).

Para entrada, provo umas pataniscas de bacalhau em formato de sonho onde sobressaía o doce sabor da cebola (€ 3) e uma espantosa e crocante alheira com grelos. Ainda me tentaram umas papas de sarrabulho que vi passar para outra mesa, mas temi estragar o apetite – estou a perder qualidades...

Para prato principal, seleccionei duas das estrelas da casa: polvo panado com arroz de feijão (15 €) e o cabrito (19 €). O polvo apresentou-se em grande forma com um polme muito suave e o arroz, excelente, parecia uma sopa de arroz e feijão temperada com grelos. O cabrito, servido em assadeira de barro com batata assada, portou-se muito bem, mas preferiria um arroz de forno com miúdos em vez do descaracterizado arroz branco. Nota muito positiva para o facto de nos servirem os arrozes em tachos o que permite uma muito melhor conservação de temperatura e sabor. Para sobremesa, voltei a pensar nas papas de sarrabulho mas acabei por optar por uma coisa chamada Três Estações (3,50 €), uma bombinha de chocolate preto, natas e leite condensado. A demorada digestão foi acelerada por um muito razoável digestivo caseiro.

Podem continuar às turras sobre a localização do restaurante. Por mim, agora que aprendi o caminho, mesmo sem saber onde estou, voltarei repetidas vezes.

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Dona Júlia ä Via da Falperra (EN 309) – Nogueira - Braga ä Contacto: 253 270 826 ä 12h30 – 15h30 e das 17h30 às 22h30 (encerra 2.ª feira) ä Preço médio: 25 € ä Nota: 85% 

06 junho 2012

O que faz falta


Uma afirmação de grande actualidade: situações difíceis exigem grandes líderes. Eu por acaso acho que se tivéssemos grandes líderes teríamos evitado as dificuldades. É que ainda continuo a pensar que o meu avozinho – esse sim, o meu grande líder – é que tinha razão e que a melhor maneira de resolver um problema é evitá-lo.
Mas voltando ao início, se o que precisamos é de grandes líderes, nada como experimentar aqueles que o afirmam ser e que, dada a sua longevidade (mais de três décadas de existência), alguma razão devem ter.

Esta casa, situada na zona das Antas, é conhecida por receber a suposta elite da burguesia do Porto. Apesar disso, acolhem um esfarrapado como eu com toda a dignidade e sem qualquer tipo de discriminação. Sempre que me levantava para fumar na pequena sala e bar da entrada, imagino que pensavam que ia sair sem pagar mas, mesmo assim, foram de uma gentiliza sem limites, sendo apenas vigiado por uma estátua do Santo António. A sala é dominada pelo branco, pequenos lustres e uma selecção de pinturas clássicas nas paredes. Nas mesas, destaque para as jarras com revigorantes flores frescas. Ao fundo um painel indica-nos que se trata de poiso frequentado pela confraria gastronómica das Tripas à moda do Porto. É sabido que o bom líder é o que lidera sem espalhafato, de preferência em silêncio, mas a tipologia deste espaço pedia uma musiquinha clássica.

A carta de vinhos é extensa e contém várias pérolas, ainda que a preços um bocadinho excessivos. Para aquecimento oferecem-nos apetitosos rissóis, bolinhos de bacalhau, croquetes e uma extraordinária bola, No menu, para além de muitas sopas, imensas entradas (destaque para os ovos e mariscos). Opto por umas competentes amêijoas à Bolhão Pato (€ 19,50). Para prato principal, sigo a sugestão do Chefe e delicio-me com uma raridade: mílharas (ovas para os alfacinhas) de pescada fritas (€ 17,50) acompanhadas por um excelso arroz de tomate. Simplesmente divinais. Para sobremesa, escolho, e babo-me, com uma das melhores pêras bêbedas que me passaram pelo estreito (€ 3,50).

Steve Jobs afirmava que “a inovação é o que distingue um líder de um seguidor”. Não gosto de contrariar quem já não se pode defender, mas discordo. Na minha opinião, o que faz falta – particularmente hoje - são líderes que prometem e cumprem a difícil missão de conservar o que é bom. Sobretudo quando o fazem contra todos os ventos de pretensa modernidade ou inevitabilidade.

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Líder ä Alameda Eça de Queiroz, 126 – Porto ä Contacto: 225 020 089 ä 12h - 15h00 | 19h – 24h (não encerra) ä Preço médio: € 35 ä 80% 

A idade não é um posto


Começo pelo fim: a comida até é boa, mas tudo o resto clama por uma nova gerência. Ou, pelo menos, por uma gerência nova.

Esta casa, instalada numa das mais clássicas ruas do centro histórico do Porto, e embora várias vezes remodelada, continua a manter uma decoração essencialmente rústica, repleta de artefactos do folclore popular português para turista ver.

Sou recebido de forma indolente pelo proprietário, como se a minha presença fosse mais um incómodo do que um prazer.

Para entrada, sem grandes opções nem diálogo aceito o que me é imposto: pão, broa e um queijo amanteigado (€ 5) de boa qualidade. A lista está recheada de pratos tradicionais (dos quais se podem pedir meias-doses e ¼ de doses). Opto pelas costeletas marítimas com arroz e salada (€ 8,50) e pelos filetes de bacalhau (€ 9). Tanto as costeletas (sardinhas abertas e fritas em ovo e pão ralado) como os filetes se portaram muito bem. O que me desapontou foi o facto de ambos os petiscos serem servidos com um arroz branco, preguiçoso, quando estavam mesmo a pedir, por exemplo, um arroz de tomate ou de feijão.

Para sobremesa, a oferta não é muita mas a vontade de me ver pelas costas imensa. Degluto um toucinho-do-céu e emborco um café. Ao sair vejo pela primeira vez uma expressão de felicidade no rosto dos proprietários que já se preparavam para apagar as luzes. 22 horas em ponto. Estava na horinha. De encontrar quem os substitua. 

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Adega de Vila Meã ä Rua dos Caldeireiros, 62 – Porto ä Contacto: 222 082 967 ä 12h - 15h30 | 19h – 22h (encerra Domingos) ä Preço médio: € 25 ä Nota: 60% 



31 maio 2012

A Sé a quem a trabalha


A necessidade de “descanso do pessoal” é algo que eu respeito imenso. Pessoal que não descansa é uma potencial ameaça para o meu estômago. Mas será que não daria para se organizarem de maneira a poderem atender à demanda de turistas esfomeados e que não entendem como é que, em plena crise económica, o descanso está primeiro?

Passeando por Braga para tentar perceber o que é uma Capital Europeia da Juventude (essa região demarcada das nossas vidas que não se sabe quando começa e muito menos quando acaba) deparo-me, em pleno centro histórico, com um bando de turistas famintos. Ao pedido de socorro (já haviam calcorreado várias ruas, de guia na mão, batendo com o nariz em todas as portas) respondo com a postura fleumática que se impõe, encaminhando-os com ar de perito para a única casa que havia reparado estar aberta, afirmando: “Comer bem? Em Braga? É aqui. Sigam-me”. Sem ter a mais pequena ideia de onde me estava a meter, o tão desvalorizado factor sorte conduzia-me para uma casa de grandes virtudes.

A decoração é uma mistura de elementos contemporâneos e vestígios de que, apesar de tudo, estamos no centro histórico de uma antiquíssima cidade. Destaque para as imensas moedas espalhadas pelas paredes de granito - oferenda de clientes satisfeitos? A recepção e atendimento, muito jovem, é imensamente acolhedor. Na mesa, disponibilizam de imediato pão, tostas e um patê de maionese e verduras. A carta de vinhos é vasta e com preços atraentes. Para entrada aceito a estranha sugestão da gentil funcionária e provo um queijo de cabra com doce de abóbora caseiro (€ 2,20). Fico com a sensação de ter começado pela sobremesa, mas, admito, o resultado não é desagradável. Para prato principal, volto a confiar na beleza, perdão, simpatia da funcionária e deixo-me totalmente conduzir para duas provas: panadinhos de polvo com puré de maçã e castanhas (€ 13,50) e bacalhau à Cozinha da Sé (€ 12,50). A aliança do polvo com a maça resulta na perfeição e o bacalhau, frito de cebolada, acompanhado com couve branca e batata frita, é uma irrepreensível reprodução do bacalhau à moda de Braga.

Sobremesa? Uma vez mais os encantos da funcionária provocaram estragos e experimento uma autêntica bomba: nozes com mel regadas com uísque (€ 4,50). Aguenta coração!

Saio recebendo louvores de todos os convivas a quem havia aconselhado esta pérola convencendo-os a gritar comigo em uníssono: a Sé a quem a trabalha!

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Cozinha da Sé ä Rua D. Frei Caetano Brandão, 95 – Braga ä Contacto: 253 277 343 ä 12h - 15h00 | 19h – 23h (encerra 2.ª feira) ä Preço médio: € 25 ä Nota: 78%