28 julho 2011

Alegre ma non troppo

Passei as duas últimas semanas a ouvir falar de Angola. Foi tanta Angola, que ainda ando a trautear a Mariquinha do Bonga e a suspirar por um Muzongué. Vai daí, lembrei-me que o Campo Alegre era conhecido por servir especialidades alentejanas mas também angolanas. E 14 pratos de bacalhau. E por reservar todo o primeiro piso para os fumadores. Era hora.

O Campo Alegre é um daqueles restaurantes com um ar tradicional mas intimista. Isto no rés-do-chão porque o primeiro andar caracteriza-se por uma decoração, como dizer sem ser demasiado bruto… apalermada? Misturam-se reproduções de quadros mais ou menos famosos (senti a falta do menino a chorar) com pipas de vinho, anúncios de bebidas e mapas antigos. Com toda a ternura, sugiro desde já uma visita do “querido, mudei o restaurante”. E do “querido, desliga a música” porque não há paciência para o lounge music, essa autêntica praga sonora.

A recepção não é calorosa mas é competente. Sem pedir trazem-me uns aperitivos (polvo em molho verde, bacalhau desfiado e azeitonas) que prometiam festa. Mas só se fosse no Pólo Norte já que pela temperatura a que chegam arriscamo-nos a ter uma congestão antes mesmo de jantar. Começava a ficar inquieto.

Vinicolamente falando, a garrafeira é óptima. O menu é muito (quase demasiado) variado. Começo por uma sopa de tomate à alentejana que veio aquecer o estômago e fazer esquecer as horripilantes entradas. Depois fico dividido: Cação ou chocos de coentrada? Arroz de pescada com camarão ou arroz de caril e camarão à angolana? Ensopadinho de borrego à alentejana ou favas estufadas com entrecosto à alentejana? Caldeirada de cabrito com quiabos e azeite dem dem ou um bocadinho disto tudo? Na impossibilidade de um menu de degustação, opto pelo prato que à porta do restaurante me fez recordar certas e determinadas noites loucas da juventude: Muamba de galinha. E que tal? Bom, não é que os termos de comparação sejam muitos mas não me senti propriamente no Lobito. Julgo que a fraqueza da coisa se fica a dever mais à falta de qualidade dos ingredientes (o gindungo, ou o óleo de palma, por exemplo) do que à da sua confecção.

Valeu-me o Alentejo e uma Sericaia que me adoçou a boca e compensou um bocadinho a decepção.

Saio com uma sensação agridoce: não comi mal, mas também não comi exactamente bem. Digamos que saio com uma lágrima no canto do olho… E decidido a regressar para um tira-teimas.

Campo Alegre * Rua do Campo Alegre, 416 – Porto * Contacto: 22.6097328 * 12h30-15h00 / 20h00-24h00 (encerra aos Domingos) * Preço médio: 20 € * Nota: 60%

Costa, amigo do peito

Desde que escrevo estes singelos textos, invariavelmente sou acossado por alguns amigos (e muitos inimigos) com a frase: “oh pá, tu tens que ir jantar ao…”.

Sendo mais ou menos incorruptível (ver tabela de preços em anexo), evito seguir tais recomendações. No entanto, resolvi abrir uma excepção já que o conselheiro em causa, para além de ser amigo mesmo, apresenta sinais exteriores de riqueza gastronómica nada desprezíveis (vulgo, uma pança descomunal).

Mal nos sentamos na acolhedora e arrumadinha sala do Costa somos presenteados com uma excelente broa e azeitonas, pataniscas de bacalhau e umas soberbas e crocantes petingas. A carta de vinhos, não sendo vasta, tem as trivialidades necessárias à rega daquilo que verdadeiramente me trouxe até aqui: as lulas recheadas. O menu contém artilharia pesada e que um dia farei questão de provar (como a cabeça de pescada ou o peixe-galo com açorda de ovas), mas eu sabia ao que vinha. As lulas são confeccionadas de acordo com todas as regras. Para além de tenríssimas, o recheio constituído maioritariamente por tomate, presunto e os tentáculos das mesmas estava no ponto (o que é difícil porque quase sempre acaba por ficar ou insosso ou salgado). Para sobremesa nada melhor do que uma rabanada (foram três) e uma aguardente das proibidas.

E saio a cantarolar aquela do Milton Nascimento: “amigo é coisa para se guardar no lado esquerdo do peito…”.

Restaurante Costa * Rua Roberto Ivens, 205 – Matosinhos * Contacto: 22.9380154 * 12h30-15h00 / 20h00-24h00 (encerra ao jantar de Domingo) * Preço médio: 18 € * Nota: 70%

21 julho 2011

Empedernido

Dirigi-me a Vila do Conde para um repasto que prometia ser memorável. À chegada, sou traído pelo GPS. Perco-me olimpicamente, as horas vão passando, resolvo ceder às pressões do meu abrutalhado estômago e solicito subjectivíssimas opiniões a autóctones sobre onde é que se come bem. Estavam reunidos os ingredientes para a desgraça.

A sala do Pedra Alta é ampla e, apesar de um bocadinho kitsch, até prometia um serão agradável. Mas uma recepção e atendimento género estabelecimento prisional foram apenas o início das hostilidades e de uma profunda infelicidade.

Enquanto leio o menu, daqueles com fotografias para, justamente, evitar perguntas e facilitar a vidinha aos empregados, atiram-me com torradas de pão de forma industrial encharcadas em manteiga (?) de alho. Tentando animar-me, peço um creme de marisco (que serviu para desenjoar das torradas) e uma caipirinha. Assustado com as imagens chocantes dos pratos, decido-me por uma espetada mista (camarões e lombo de boi) que chega antes da caipirinha! A carne é tenra mas prima pela ausência de tempero e os camarões são tão secos (ou tímidos) que só dificilmente se deixam despir. Para cúmulo, quando procuro compensação emocional nas sobremesas só encontro doces industriais numa cedência à preguiça que merecia, no mínimo, uns açoites.

Saio sem fome mas empedernido. E vingo-me no GPS que abandono algures na A28.

Pedra Alta * Rua Almeida Garrett, 323 – 1.º – Vila do Conde * Contacto: 252.638305 * 12h00 às 14h30 e das 19h30 à 02h00 (encerra Domingos e feriados) * Preço médio: 20 € * Nota: 40%

14 julho 2011

Ingratidão

Entro com devoção num dos restaurantes mais antigos da Cidade do Porto. E a sensação é exactamente a esperada. O octogenário Escondidinho está como sempre foi. A modernidade e o requinte de 1931 encontram-se inalterados e permitem-nos uma viagem no tempo aconchegante e retemperadora. Sente-se quase uma espécie de protecção. Parece estarmos a salvo de um inquietante presente e dá-nos esperança de que o futuro não venha a ser o que nos prometem.

Sou recebido pelo seu responsável máximo, Amarílio Barbosa, que, embora estranhando o meu excelente português, com uma gentileza e profissionalismo impares me faz sentir em casa. Lentamente começo a verificar que as sábias palavras de Francisco Quevedo se confirmam: “quem recebe o que não merece, poucas vezes o agradece”. O cosmopolitismo (leia-se o novo-riquismo bacoco) dos portuenses levou-os a trocarem uma casa que tudo lhes deu por paraísos artificiais japoneses, mexicanos ou indianos condenando-o a viver quase exclusivamente da visita de turistas em busca do que os autóctones desprezam: alguns dos melhores pratos da gastronomia portuguesa.

A maior parte dos convivas são espanhóis, o que produz um ruído de fundo quase insuportável. Ainda soltei entre dentes um “por que no te callas”, mas desisti, até porque o estrangeiro era eu.

Na garrafeira há quase de tudo e para todos os gostos e preços. Quanto aos pratos, a oferta é igualmente generosa e quase apetece pedir um menu de degustação (que não existe). Inicio perfeito com umas amêijoas à Bulhão Pato, sinceramente das melhores que já comi (excepção feita para as de uma certa marisqueira de Matosinhos sobre a qual um dia destes vos falarei). Para prato principal fico muito dividido entre as diversas cataplanas possíveis, um robalo ao sal, ou o bacalhau à escondidinho. Mas a tentação da carne é mais forte e opto por um tornedó Rossini. E não me arrependo nadinha. A carne desfaz-se na boca e o molho e paté que a acompanham fazem o resto. Inesquecível.

Já na sobremesa, fui atraiçoado pela nostalgia. A tarte de maçã folhada, que já foi uma referência do Guia Michelin, era pura palha. Mas a um octogenário podemos perdoar certos deslizes.

Confirmei com uma esperança renovada no futuro que o Escondidinho, como a Cidade, continua mui nobre, sempre leal e invicto. E os portuenses? Devem estar escondidos ou com a boca num qualquer Sushi. Ingratos!

O Escondidinho * Rua Passos Manuel, 142 – Porto * Contacto: 22.2001079 * Das 12h às 15h e das 19h às 23h (não encerra) * Preço médio: 35 € * Nota: 80%

Às armas!

Ainda que o sangue me engane tinha de ir a Viana para saborear o anunciado melhor bife do mundo. O Kobe Beef é assim designado por ser originário da homónima região japonesa onde as vacas Wagyu são tratadas como galdérias, perdão, princesas: recebem diariamente sessões de massagem, ouvem música clássica e “bebem” doses generosas de cerveja japonesa. Resultado: a melhor carne do planeta. Infelizmente ainda estou a ouvir música clássica para me acalmar do sobre(a)ssalto: 80 Euros por um bife (300 gr.) fez-me recear que me roubassem o estômago à saída. Desisti.

O Casa d’armas surpreende pela sua dimensão (acolhedor mas acanhado) e, sobretudo, pela ausência de armas. Esquecido o Kobe beef, recebo com apreensão as sugestões do sisudo chefe Julião. Boa garrafeira e um profissionalíssimo aconselhamento e serviço. Para entrada sardinhas em escabeche que comi e repeti. A refeição principal foi uma espécie de compensação emocional: Terra e Mar composto por um tenríssimo e saboroso bife repousando numa fatia de pão afundados num molho com forte teor alcoólico, acompanhado por impressionantes camarões, tudo flamejado à nossa frente. O sublime de laranja garantiu um final feliz. Ou quase. É que no melhor pano cai a nódoa. Quando peço a conta, percebo que as armas chegam no final: a conta é um roubo (95 € por duas refeições!).

Voltar até volto. Mas desarmado nunca mais.

Casa d’armas * Largo 5 de Outubro, n.º30 – Viana do Castelo * Contacto: 258.824999 * Das 12h30 às 15h e das 19h30 à 22h30 (encerra à 4.ª feira) * Preço médio: 45 € * Nota: 75%

07 julho 2011

Dependências

É cada vez mais comum confessar publicamente fraquezas, gostos e, pasme-se, dependências. Fazer da nossa vida um livro aberto (ainda que electrónico) parece uma obrigação. Há inclusivamente uma indústria que se alimenta disso mesmo e a que solenemente nos habituamos a chamar “redes sociais”. Fraco adepto de tais redes (ainda prefiro as que me trazem o peixe ao prato) utilizo este humilde meio para anunciar a minha vulnerabilidade: sou totalmente dependente de coisas acabadas em “ina”. Sosseguem. Estou a falar, essencialmente, de cafeína. Mas, acima de tudo, do Cafeína.

As opiniões sobre o mundo da restauração dividem-se frequentemente entre os que acham que a decoração de um restaurante é fundamental e os que defendem que o que verdadeiramente importa é a comida. E quando se conciliam os dois mundos? Paraíso na terra. Ora esse é precisamente o caso do Cafeína.

Nascido para responder a um determinado conceito estético (em que, digamos, se comia com os olhinhos), conseguiu impor-se por ter aliado a essa “estética” a ética de servir dos melhores repastos que é possível degustar em Portugal, fazendo desta casa um clássico sempre na moda. Ainda por cima, coisa rara e nunca vista, reservaram o seu espaço mais nobre para os fumadores. Único senão é a música “ambiente” e o seu excessivo volume que convida à mímica e impede qualquer diálogo (que não seja de surdos).

A carta de vinhos, disponibilizada em Ipad fresquinho, não é para info-excluídos. Mas as inúmeras opções disponíveis produzem mais coesão do que 500 reuniões de concertação social.

Quanto à comida, confesso que, enquanto escrevo, o síndrome de abstinência ataca-me, as glândulas salivares parecem amêijoas e só penso quando é que poderei regressar ao vício.

Início com a irresistível terrina de foie gras com pão fumado e maçã caramelizada que não repito por pura vergonha. Para prato principal, um vício de longa data: o bife tártaro, uma raridade só aparentemente simples (e muito out of fashion) que o Cafeína confecciona na perfeição sem esquecer nenhum dos preciosos ingredientes (destaque para as excelentes alcaparras). Terminar em beleza é saborear o bolo de chocolate amanteigado seguido de um sorvete de limão.

Se somos o que comemos, quando saio do Cafeína, sou lindo! E se me virem algum dia a arrumar automóveis e a mendigar uma moedinha, não sejam maus: todos temos os nossos vícios…

Cafeína * Rua do Padrão, 100 – Porto * Contacto: 22.6108059 * Das 12h30 às 18h e das 19h30 à 01h30 (não encerra) * Preço médio: 45 € * Nota: 90%