29 dezembro 2011

Sinal dos tempos

Ainda que com alguma dificuldade, continuo a tentar acompanhar o massivo surgimento de novos restaurantes no Porto. Digo com dificuldade porque cada vez mais desconfio destes supostos “inovadores”, “cosmopolitas” e “arrojados” locais onde, cinco minutos depois de entrarmos, descobrimos que para lá de alguma sofisticação visual (desavergonhadamente copiada), não existe quase mais nada.

O Timbre afirma ter-se inspirado no ambiente e conceito dos restaurantes-bares nova-iorquinos. Aí está um dos problemas de alguns dos novos restaurantes das nossas praças: a inspiração. O problema é que um bom restaurante precisa mais de transpiração do que de inspiração. A inspiração é preguiçosa, presunçosa, frequentemente impede a criatividade e, a médio prazo, é redundante.

De facto, o Timbre, situado em plena Avenida dos Aliados, caracteriza-se por uma decoração cosmopolitazinha onde se reconhecem influências (ou inspiração!) do SoHo ou da Village em Nova Iorque.

Outra inspiração nova-iorquina é a de contratar funcionários que quase não falam português. Se num táxi em Manhattan com GPS isso é um pormenor, quando se trata do meu estômago é “pormaior” que me preocupa, sobretudo quando os equívocos se acumulam e tornam a comunicação tortuosa.

Testando o Bar e as referências geográficas do espaço, peço um Manhattan. Aprovado. Estranhamente, a lista de vinhos é curta e, ainda por cima, existem vários em falta.
Para entrada, peço o frito misto de legumes da estação e camarões em beignets (€ 9,90). Peço mas não como porque o funcionário tenta por todos os meios afastar-me dessa escolha, como se de Lúcifer se tratasse, afirmando que o que é bom são as vieiras salteadas com puré de batata e espinafres salteados (€ 12,90). Cedo, mas infelizmente as vieiras não primam pelo tempero e o puré é uma péssima combinação. Sem pachorra para mais sugestões ordeno o lombo de veado na chapa com puré de batata-doce, cenoura perfumada com laranja e molho de pimenta verde (€ 17,90). A carne era macia e saborosa mas a dose de acompanhamentos francamente escassa e pouco relevante. Nas sobremesas, depois de provar o tiramisù de manga que veio ao engano, lá testei o creme brulèe com gelado de limão. Sinceramente, uma das piores coisas que comi na vida.

Timbre também significa carimbo, selo ou sinal. E o nome não podia ser melhor escolhido. É o sinal dos tempos gastronómicos em que vivemos: muito olho e pouca barriga.

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Timbre * Praça General Humberto Delgado, 307 – Porto * Contacto: 961720537 * 12h às 15h | 19h às 02h (encerra Domingo) * Preço médio: 30 € * Nota: 50%

Quando o onde pouco importa

Comer num centro comercial é mau? Depende do centro comercial e do restaurante. Mas, e acima de tudo, depende das hordas que, nesta época, invadem quase todos os restantes restaurantes para jantares de natal. Estes convívios, que mais parecem convenções de futuros desempregados, empurraram-me – e ainda bem! - para um jantar inesperadamente tranquilo num dos maiores espaços comerciais do país.

Com uma decoração acolhedora, que facilmente nos faz esquecer que estamos dentro de um centro comercial, e um atendimento bastante simpático e prestável, o Eataly é um italiano de respeito.

A lista de vinhos é farta mas, por sugestão, optei por uma sofrível sangria de espumante. Para entrada seleccionei os cogumelos à milanesa, recheados com carne, alho e espinafres gratinados (€ 5,50). Um bocadito mais de sal seria bem-vindo. Das pizzas provo a Gamberi com molho de tomate, basílico, orégãos, mozarella e espinafres (€ 8,50). Massa fina, estaladiça e muito rara de encontrar em solo lusitano. Sinceros parabéns! Para prato principal arrisco um risotto de alheira (€ 7,90) que, embora demasiado picante, se mostrou bastante competente. De novo por sugestão, termino com um razoável biscotto affogato em gelado e café (€ 4,50).

Só é pena que, à semelhança de todas as outras lojas, o Eataly não adira às promoções, rebaixas, saldos e afins. Fica a sugestão.

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Eataly * Av.ª Dr. Óscar Lopes (C. C. Mar Shopping – Loja 1003) – Matosinhos * Contacto: 915 669 758 * 12h às 15:00 | 19h às 23h (não encerra) * Preço médio: 25 € * Nota: 70%

22 dezembro 2011

Para quem é, decoração não basta

Cozinhas, restaurantes, chefes e afins estão, definitivamente, na moda e criaram as condições para uma autêntica explosão do oportunismo mais bacoco. Neste país (ou sítio mal frequentado, como dizia o velho Eça), e como em muitas outras áreas, ainda persiste a ideia peregrina de que para quem é, bacalhau basta, ou seja, uma decoração arrojadinha com meia dúzia de berloques é suficiente para satisfazer os pategos. O problema é que não é. E se é verdade que em terra de cegos, quem tem olho é rei, até os cegos têm paladar. Situado no agora movimentado Largo de S. Domingos, o Tea Point é um esmerado e destacado representante de tudo isto.

A recepção amedronta-nos questionando se temos reserva. Abordagem estranha e despropositada quando o restaurante está praticamente vazio. A decoração é, como disse, moderninha: muitos espelhos, muitos livros, tiras de madeira prensadas que enchem balcões e decoram paredes e mesas.

O serviço é de principiante e atarantado. O couvert chega tarde e a más horas e em cima das entradas (tudo porque estiveram a aquecer o pão – tarefa complicada, pelo visto). Destas opto por uns rolinhos de bresaola recheados de queijo e ervas (5,50 €) – desenxabidos e vulgaríssimos. Dos pratos principais selecciono a Pintada suprema com crosta de pistaccio e puré de cenoura e canela (14 €). Nada mais era do que uma carne branca (a carne de Pintada é escura), dura e seca (suponho que do maldito frango do campo), onde o pistaccio era quase inexistente e o puré uma combinação fraquíssima. Numa segunda prova peço bacalhau confitado com puré de grão-de-bico (15,50 €). O bacalhau de confitado não tinha nada, boiava num azeite de quinta categoria e, pior, estava tão salgado que teve que ser devolvido. Desculpa? “Nós não controlamos isto!”. Pois não, o bacalhau vem naqueles sacos plásticos e é atirado para o prato do cliente. Assim é difícil controlar seja o que for (e os meus nervos nem se fala). Para substituição escolho um spaghetti picante. Piorou: spaghetti num molho miserável com 4 fatias de, imaginem, entremeada (daquela a 50 cêntimos o metro). Para sobremesa, peço uma ganache de chocolate com frutos secos e rum (6 €). Uma mousse, perdão, mistela de chocolate com nozes encharcada em rum da pior espécie.

Queridas tias: para um chazinho e uns scones, se calhar não está mal. Para restaurante, o melhor é desistirem e o mais rápido possível.

Tea Point * Largo de S. Domingo, 78 - Porto * Contacto: 91 640 51 16 * 12h – 15h 20h – 24h. (encerra Domingo) * Preço médio: 25 € * Nota: 10%

O prato certo

3.ª feira, 0h30. Termino de ver mais um episódio da última temporada de Dexter. Abriu-me o apetite. Onde posso eu a esta hora comer um Osso-Buco à Romana? Na casa onde o prato certo em dia certo (a hora incerta) é uma “instituição”.

O Gambamar é um dos últimos espaços onde a nossa agenda pode ser antecipadamente concertada com os desvarios do nosso estômago. Senão, reparem: Bacalhau à Gomes de Sá (2.ª), Osso-Buco à Romana (3.ª), Paella à Valenciana (4.ª), Arroz de Pato à Antiga (5.ª), Rojões à Minhota (6.ª), Tripas à Moda do Porto (Sábado) e Cozido à Portuguesa (Domingo).

A decoração, típica dos snack-bares/restaurantes, é, infelizmente, bastante impessoal – algo claramente a melhorar. Para além de um enorme balcão (tipo manjedoura) há duas salas (uma para fumadores) onde somos recebidos e servidos com bastante competência e cortesia.

É uma casa – como o nome indica – onde podemos comer marisco. Mas, sinceramente, para isso há outras paragens de idêntica ou melhor condição. O que eu gosto mesmo e recomendo são os tais pratos do dia. Depois do Osso-Buco (€ 10,95), prato difícil pela morosidade da sua preparação e que, honestamente, foi um dos melhores que comi, provei ainda uma estupenda perdiz estufada na púcara (€ 27,95) e umas suculentas costeletas de veado grelhadas (€ 19,25).

E, por tudo isto, apelo à mobilização de voluntários para elaborar uma candidatura à UNESCO: prato certo em dia certo a património gastronómico da humanidade já!

Gambamar * Rua do Campo Alegre, 110 * Contacto: 226 092 396 * 12h – 02h (não encerra) * Preço médio: 30 € * Nota: 76%

15 dezembro 2011

Para momentos de grande intimidade

Nos últimos dois anos e, ainda mais, nos últimos meses, a oferta de novos restaurantes no Porto explodiu. De resto, é por vezes difícil compreender como é que, no actual contexto, há mercado para tanta oferta, sobretudo porque, em boa parte dos casos, não se trata de uma oferta, digamos, em conta para os teoricamente bolsos vazios. Mas a verdade é que há mercado já que a maior parte destas novas casas se encontra continuamente cheia e a reserva de mesa, uma excentricidade num passado recente, se transformou numa obrigação. Uma teoria para explicar o paradoxo? Em 1929 as pessoas suicidavam-se atirando-se das janelas; em 2011 põem fim à penúria comendo como se não houvesse amanhã - coisa de facto cada vez mais incerta.

Tudo isto a propósito da minha mais recente descoberta e que é um perfeito reflexo do que vos disse antes. E, a crise que me perdoe, imperdível.

O Artemísia reside numa zona da cidade onde se situa uma parte das muitas e mais recentes galeria de arte da Invicta. Apesar disso, o nome nada tem a ver com esse facto estando associado a ervas aromáticas (não dessas) e especiarias, um cartão-de-visita desta casa.

O ambiente é bastante requintado e, imagino, propositadamente romântico. Domina o castanho chocolate e dourado nas paredes e um chão imaculadamente branco. As mesas são elegantemente decoradas e permitem privacidade. A música de fundo, predominantemente bossa nova (várias pérolas do sublime António Carlos Jobim), adoça o espírito. A permissão de fumar é muito bem-vinda.

A carta de vinhos e champanhes é vastíssima. Nas comidas, além de carta fixa, o restaurante oferece um menu de degustação e um executivo.

No Couvert disponibilizam manteiga de alho e chilli fresco, pasta de azeitona, broa e orégãos e um dip de cogumelos e noz.

Das entradas provei uma fabulosa morcela gratinada com “soubise” de cebola e puré de maçã reineta (€ 6,50) e umas cavalas marinadas com salada de tomate (€ 7). Dos pratos principais selecciono um óptimo risotto nero de chocos tipo paella (€ 17) e um delicioso filet mignon com foie gras e cogumelos porcini (€ 20). As doses são generosas, coisa pouco habitual neste tipo de restaurantes. Encerro com uma digestiva sabayonete de lima e frutos do bosque (€ 6,50).

O Artemísia, para além de um óptimo restaurante, é acima de tudo um espaço propício para um momento especial e de grande intimidade. Declarações de amor incluídas.

Artemísia * Rua Adolfo Casais Monteiro, 135 – Porto * Contacto: 22.6062286 * 12h30 – 15h00 19h30 – 01h30h (encerra Domingo ao almoço) * Preço médio: 35 € * Nota: 87%

07 dezembro 2011

Dos 8 aos 88

Quem tem que dar de comer a filhos, sobrinhos ou afilhados, ou seja, canalha em geral, conhece bem o suplício de ter de suportar as (quase sempre) miseráveis pizzas e comidinhas fáceis para onde somos, à força de chantagens (ameaçando com o envio do nosso nome para comissões de protecção de menores) empurrados. Como não escapo à regra (a vasectomia chegou tarde e o infanticídio ainda é crime) também eu tenho que enfrentar tais dislates. Mas e se descobrirmos que há uma pizzaria minhota onde para além de excelentes pizzas (incluindo uma de bacalhau) nos são oferecidos alguns dos melhores pratos da mais tradicional cozinha portuguesa?

O Dolce Vianna permite satisfazer clientes dos 8 aos 88 anos. A decoração, rústica, tem o grande forno a lenha como protagonista. O atendimento é minhoto, ou seja, eficiente sem intimidades. A lista de vinhos é pequena mas, estando em pleno Minho, um verde branco adamado é escolha obrigatória.

Começo com uma apetitosa raridade: omelete de frango (€ 6). A criançada delicia-se espantada com uma extraordinária pizza Calzone (€ 5,75) enquanto eu opto por provar dois clássicos que justificam plenamente a deslocação: rojões com castanhas (€ 9) e um perfeito cozido à portuguesa (€ 16). Para sobremesa aconselho um excelso tiramisù, dos melhores que provei em Portugal.

Agora já sabem, quando vos intimarem para repastos infantis, não há razões para capitular. A salvação existe.

Dolce Vianna * Rua do Poço, 44 – Viana do Castelo * Contacto: 258.824860 * 12h – 15h 19h – 23h (não encerra) * Preço médio: 15 € * Nota: 77%