23 junho 2011

Devagar que nem um abade

Os acontecimentos mundiais e nacionais mais recentes (sim, estou a falar da crise, ou lá o que é) convidam à reflexão, à contemplação, e, no limite, ao recolhimento. Impossibilitado de entrar para um convento (ainda é cedo) procurei beneficiar pelo menos da melhor parte de tal desígnio: comida conventual.

À chegada o Senhor Abade, perdão, o chefe João sugere-me, persuasivamente, que leia a introdução do menu avisando-me que não estou num restaurante normal. Lido o memorando de entendimento, percebo quais as principais e mais urgentes medidas a tomar. O principal driver (como se diz agora) é que tudo se irá passar devagar. E que em termos gastronómicos iremos entrar numa máquina do tempo. Bons presságios.

A cozinha do Senhor Abade oferece-nos um menu baseado na reconstituição de pratos antigos (algumas receitas têm mais de cem anos) de origem nortenha e conventual e serve-os de forma a desacelerar a postura e o palato. Estamos portanto perante um restaurante em que a slow food comanda. Há apenas um senão: para comermos as mais sugestivas preciosidades é preciso encomendar com antecedência e só poderão ser confeccionadas para um mínimo de 4 pessoas. Orgias, portanto. Ou seja, a um single fica vedado o acesso às raridades.

A carta de vinhos é bastante variada e descobrimos uma fantástica possibilidade: pedir vinho a copo, coisa muito útil para quando se está sozinho ou para quando se quer variar ou melhor adaptar o copo ao prato.

Para entradas as possibilidades são quase todas apelativas. Opto por experimentar a morcela (nada de especial), uns pezinhos de porco ao ovo (como nunca tinha comido) e lombinhos de carapau numa cama de azeite (como pode uma coisa tão simples ser tão deliciosa?).

Quanto aos pratos principais, deixo-me levar inteiramente pela mão do omnipresente chefe e experimento um guizo de polvo com bolo de milho e brócolos brancos (fico sem entender porque é que tanta gente trata tão mal o polvo) secundado por uma suculenta bochecha de vaca com milhos que me desperta sensações até então desconhecidas.

As sobremesas são pesadas, mas incontornáveis. Sopa dourada, arroz doce branco com molho de amora e o charuto de ovos (a única coisa que, lamentavelmente, se pode fumar neste espaço) foram as opções.

À saída reparo que o Senhor Abade fica mesmo em frente à Viela dos Abraços. E é isso que nos apetece: abraçar o mundo. Devagarinho.

Senhor Abade * Rua Direita, 98 – Leça da Palmeira (Matosinhos) * Contacto: 22.0114266 * Encerra ao Domingo, feriados e almoço de 2.ª feira * Preço médio: € 25 * Nota: 85%