26 janeiro 2012

Desce redondo

Já sabem. Nada tenho contra restaurantes sofisticados e chefes delirantes. Mas, ponham-me num restaurante sem pretensões a estrelas ou distinções e onde a prioridade é boa cozinha tradicional portuguesa e, essa sim, é a minha mesa.

Atraído por um rabo de boi (não admito pensamentos lascivos), desloquei-me a uma casa onde essa é uma especialidade conhecida. Logo à chegada descubro que fui descuidado. Devia ter telefonado a perguntar se o pitéu estava disponível. É que, de acordo com a proprietária, a matéria-prima é rara e ela só a consegue adquirir de 15 em 15 dias. De monco caído, perguntei: “e agora, o que faço?”. Resposta pronta: “coma o cabrito assado no forno que não se arrepende”. E não é que era verdade?

A sala do Redondo tem uma decoração rústica com cozinha à vista. A população é maioritariamente constituída por juventude faminta e idosos que parecem sentir-se em casa. A lista de vinhos é moderada. Para aperitivo servem-me uns competentes croquetes de alheira. Depois de fumar vários cigarros, recebo o tal cabrito assado no forno (€ 14). Para além de o bicho ter acabado de assar (esperava carne ressequida do almoço), apresentou-se tenro, muito bem temperado e acompanhado por um arroz de forno a quem só faltavam os miúdos (o que lhes fizeram?). Termino com uma tarte de limão caseira (€ 2,90) que, não sendo um espanto, deu para o gasto.

Conclusão: o rabo de boi não sei como é mas o cabrito desce redondo.

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Redondo da Ramada Alta * Rua Serpa Pinto, 1 - Porto * Contacto: 228 315 942 * 12h – 15h | 19h – 23h (encerra Domingo) * Preço médio: 20 € * Nota: 73%

19 janeiro 2012

Maus costumes

Estive num dos mais bonitos restaurantes do Porto e que também podia ser um dos melhores. Podia, mas não é. Qual é o problema? O de quase sempre: cuidada decoração e muita falta de jeito na cozinha.

O restaurante é pequeno mas confortável e intimista. À entrada, um bar onde se pode fumar. De uma boa garrafeira há vários vinhos a copo. A música ambiente – predominantemente jazz – é excelente.

Das entradas provei um correcto creme de castanhas (€ 5,50) e umas vieiras grelhadas em espuma de batata trufada (era puré) com ovo de codorniz assente numa fatia de presunto bolota (€ 8). Depois resolvo pôr à prova a cozinha e pedir algo que parece simples mas não é: Bife Tártaro (€ 17,50). A carne era de péssima qualidade, cheia de gordura e insuficientemente picada. As batatas fritas vinham frias. Questionados, insistiram em repetir o ensaio. Numa tentativa frustrada de me enganar resolveram passar a carne pela picadora. Ao pedido de novas explicações asseguram-me que não foi assim mas não me explicam porque é que as alcaparras vinham totalmente raladas juntamente com a carne. E amuam. Para lavar a boca peço uma espuma de requeijão com compota de abóbora (€ 5) que não chegou para compensar o desastre anterior.

Podem dizer que tive azar, mas a preços destes os deslizes não se podem perdoar. E a teimosia muito menos. Temos pena, mas sem um chefe ou uma supervisão à altura das ambições estéticas, nada feito.

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Costume Bistrô * Travessa dos Congregados, 17 - Porto * Contacto: 222 015 015 * 12h – 15h | 19h30 – 23h (24h aos Sábados) - encerra Domingo * Preço médio: 30 € * Nota: 45%

Leitura recomendada

A necessidade de pôr a conversa em dia com amigos próximos, com quem já não privava desde o ano passado (há duas semanas), e concertarmos o plano de actividades para 2012 (não, não se trata de sociedade secreta que eu aventais nem na cozinha e lojas só tenho subscrição na Amazon), fez-me procurar um local onde se pudesse cavaquear tranquilamente saboreando alguma coisinha boa. Associado que está este novo ano a uma épica e turbulenta viagem, nada melhor do que jantar nos Lusíadas.

Para os que já estão a imaginar mais um restaurante cheio de livros, retratos de artistas enquanto jovens idiotas e saraus de poesia ou dramaturgia camoniana, desiludam-se. A decoração está mais para oceanário (sem ninfas) do que para biblioteca, museu literário ou ilha dos amores. O nome apenas encontra justificação quando reparamos nas réplicas dos painéis de azulejos, da autoria de José Rodrigues, invocando passagens da obra de Luís de Camões.

A recepção não é exactamente esfuziante. À entrada o aquário obrigatório neste tipo de espaços e que tanto incomoda as almas sensíveis quando constatam que vida precária é a destes crustáceos sem nenhuma possibilidade de indignação ou convocação de ‘manifes’ no facebook. Ao fundo um balcão com uma montra de peixes e mariscos francamente convidativa. Acomodados numa mesa espaçosa na óptima zona para fumadores, e depois de escolher um tinto do Douro de uma extensa lista de possibilidades, inicia-se a refeição com umas agradáveis Ovas à Algarvia em molho verde (€ 4). Afastada a hipótese de partilhar uma lampreia à bordalesa (amigos da onça!), provo e aprovo o peixe-galo frito com uma deliciosa açorda de ovas (€ 15) e uns esplêndidos filetes de linguado com um arroz caldoso de amêijoas (€ 23), a quem só faltava mais tempero. Para sobremesa experimento uma Pêra borrachona (€ 4,10), aprovada, e um fabuloso bolo de mousse de chocolate (€ 4,20), aprovadíssimo.

Tratou-se, sem dúvida, de uma refeição que satisfez bastante. Mas, como dizia o poeta, foi um “contentamento descontente” já que bastava um “não querer mais que bem-querer” para a nota subir uns pontinhos. O atendimento foi um permanente anti-climax, caracterizado por um serviço sisudo e com um enorme e glacial grand-finale complicando a emissão de facturas individuais e sem sequer um “obrigado” ou “boa-noite”. Ponham estes senhores na ordem ou enviem-nos para além da Taprobana e eu voltarei com muito agrado.

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Os Lusíadas * Rua Tomás Ribeiro, 257 - Matosinhos * Contacto: 229 738 242 * 12h – 15h30 | 19h – 24h (encerra Domingo) * Preço médio: 35 € * Nota: 75%

12 janeiro 2012

O amigo fiel

Não sei porque é que ao bacalhau chamam fiel amigo mas sei que foi um amigo muito fiel quem me deu a conhecer esta casa memorável.

Depois das habituais e repetidas doses de bacalhau natalício, e das costumeiras discussões sobre a origem e qualidade do mesmo, que incluem argumentos como “já não há bacalhau como antigamente”; “isto agora é só palmeta e vigarices do género”; “bacalhau a sério era o inglês”; “toda a gente sabe que o melhor bacalhau é do Alasca”; “bacalhau bom é o bacalhau fresco”, tinha jurado que, bacalhau, só lá para Março. De 2015. Mas a amizade é para mim um argumento muito forte pelo que resolvi quebrar a jura e visitar a catedral do bacalhau em Aveiro.

As preciosidades, como convém, não estão à mão de semear e é bom ter presente que não é fácil encontrar o Batista e que um (ou dois) GPS pode dar jeito.

A sala principal (há outra no 2.º andar para eventos especiais), remodelada recentemente, é acolhedora e, embora grande, não produz aquele insuportável efeito cantina. O serviço é rápido e muito atencioso.

A lista de vinhos não é extensa mas também não é preciso. A escolha faz-se “sem espinhas”: bebe-se o maduro branco e tinto da casa que dá exactamente por esse nome.

Para aperitivos uns óbvios bolinhos de bacalhau (€ 0,60 unidade) cuja identidade se reforça com um toque picante, e umas opíparas ovas de bacalhau (€ 3,50 a dose). De seguida, e por gratificante sugestão, provo a chora de bacalhau, uma voluptuosa sopa (a textura é quase a de uma açorda) e que originalmente era prato corrente a bordo dos bacalhoeiros. Garanto que nem o Alzheimer me impedirá de recordar semelhante pitéu para o resto da vida. Para prato principal opto pelo tradicional bacalhau assado na brasa (€ 19,00 a dose mas que dá para quatro pessoas) acompanhado por umas migas de couve branca e broa passadas pela frigideira e umas batatas assadas que antes de virem para a mesa passaram por um ligeiro banho de azeite do bom a ferver o que lhes dá um sabor único que, quase por si só, justificam uma deslocação a Aveiro. Para sobremesa um clássico da casa: natas do céu (€ 2,50) mas com ovos moles dos sérios, o que nos faz de facto ganhar asas.
Como é possível ler numa placa que indica a direcção para o restaurante, o bom bacalhau pode ser da Noruega (ou do Alasca, ou de Ermesinde), mas a tradição de o cozinhar como ninguém, essa, não há dúvidas: é do Batista.

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O Batista do Bacalhau * Rua Padre Américo, 31 – Areias do Vilar - Aveiro * Contacto: 234 341 949 * 12h – 15h | 19h – 22h (encerra 2.ª feira) * Preço médio: 20 € * Nota: 78%

Serviço público

Saber o que é ou não serviço público é questão cada vez mais fracturante. Mas de uma coisa podem estar certos: esta crítica é puro serviço público. Porquê? Querem comer barato (IVA de 2012 incluído), principalmente carne, e com uma qualidade dificilmente ultrapassável? Então, sigam-me.

A sala do Off Line é pequena mas com uma decoração muito prática. Sendo uma casa de alta rotatividade de clientes (aberta até às 2 da madrugada), o burburinho não é excessivo. Logo à primeira visita somos considerados clientes habituais e tratados com distinção. A lista de vinhos é curtinha mas dá para o gasto. Para exercitar o estômago é possível degustar umas deliciosas chamuças ou uns apetitosos rissóis e croquetes. Há mariscos mas a fantástica qualidade da carne faz deste pecado a escolha inevitável. Dos vários pratos do dia selecciono a espetada de vitela (€ 5,50). Dose generosa. Tenra, suculenta, bem temperada, acompanhada por pimento, couve branca, fatias de presunto e umas crocantes batatas fritas às rodelas. Se quiserem abrir os cordões à bolsa sugiro o soberbo bife rolha (€ 21) e garanto que não se arrependerão. Das sobremesas recomendo um simples mas idóneo pudim francês (€ 3).

Pelo serviço meritório que revela desinteresse ou abnegação em favor da comunidade sugiro, humildemente, que, por esta crítica, me seja atribuída uma ordem de mérito. Grande Oficial dos Estômagos Satisfeitos a Preços Decentes é a sugestão.

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Off Line * Rua Pádua Correia, 273 – Vila Nova de Gaia * Contacto: 223 758 344 * 12h – 02h (encerra Domingo) * Preço médio: 20 € * Nota: 76%

05 janeiro 2012

Traça a conservar

Admito que me dirigi ao Traça imensamente desconfiado. Quando os restaurantes andam nas bocas de toda a gente, o resultado não costuma ser brilhante para os estômagos. Finalmente uma excepção. E já não era sem tempo. Parte substancial da nova ou recente oferta de restaurantes do Porto é uma profunda desilusão. Não vale a pena insistir nos argumentos. Simplesmente pretendem ser aquilo que não são. E pode alguém ser quem não é? Pode, mas eu não tenho que o aturar.

O Traça abriu em Junho de 2011 e é já um clássico. Mora num velho prédio mantendo as portadas originais e apresentando uma decoração retro com base em materiais como o ferro, a madeira, o azulejo e móveis de antiquário. Gostei particularmente da mesa corrida à entrada (que preferia que se mantivesse de apoio ao bar) sobre um chão de mosaicos antigos.

Embora tendo feito reserva, sou obrigado a (des)esperar quase 40 minutos por uma mesa. A imensa simpatia dos funcionários e um gin tónico amenizam este primeiro impacto e ajudam a superar o ruído ensurdecedor dos animados convivas.

Finalmente alojado no primeiro andar (onde se pode fumar) provo um óptimo pão e uma deliciosa manteiga de alho. A lista de vinhos é extensa e com ofertas verdadeiramente interessantes. Das entradas (cuidado, são grandinhas, convém partilhar) selecciono o carpaccio de lombo de veado (com tempero de modena e queijo semi-curado - € 12) e a sertã de morcela (morcela, batatas panadeiras, ovo e pimentos - € 12). Ambas excelentes opções mas a morcela é memorável e poderia perfeitamente ser um prato principal. Feita a devida pausa, dos pratos provo o lombo de javali recheado (com queijo de cabra e foie sobre compota de frutos vermelhos e creme de maçã acompanhado de batata palha - € 18) e uma perdiz de caça estufada (com chalotas, ervilha francesa e batata palha - € 16,50). O tempero da perdiz é perfeito e a apresentação do lombo de javali surpreende pela estética mas também pelo intenso sabor da carne. Apenas dispensava a despropositada batata palha. Já sem grande vontade degusto a mousse de queijo com frutos vermelhos (€ 3,20). E ainda bem. É absolutamente fantástica! A oferta de um terapêutico digestivo à escolha foi um toque de classe já raro em casas deste género.

Sinceramente, assim sim. Este é um restaurante que fazia falta ao Porto. Agora é só não se estragarem, nem se deslumbrarem, coisa que a fama costuma provocar frequentemente. Juizinho!

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Traça * Largo de S. Domingos, 88 – Porto * Contacto: 222 081 065 * 12h às 15:00 | 19h às 23h (não encerra) * Preço médio: 35 € * Nota: 90%

Come-se

Fartinho de experiências traumatizantes (pela comida e pelos preços) em novos restaurantes da Invicta, e com a carteira bastante mais leve depois de um Natal em que resolvi assustar a crise (e pôr violentamente em risco o meu futuro próximo), decido visitar uma casa conhecida por oferecer boa comida a preços modestos.

Embora situado no espaço da recente movida portuense, o Lagostim é um resistente e conservador restaurante com decoração rústica, bom atendimento e ambiente familiar. O nome engana já que, embora seja possível comer algum marisco, a comida é essencialmente tradicional portuguesa. Mas a especialidade, aquilo que me atraiu (e que atrai muita gente), são as já famosas costeletas de sardinha (€ 6,50). O que é isso? Sardinhas abertas, às quais se retira a espinha, passadas por ovo batido e pão ralado e fritas. Nada mais simples e absolutamente delicioso, sobretudo quando acompanhadas por um excelso arroz de tomate acabadinho de fazer.

As opções de sobremesas são muitas mas eu prefiro um tradicionalíssimo queijo com marmelada (€ 2,90).

Sabem que mais? Nada tenho contra a “cozinha de autor” até porque há chefes que, de facto, são dignos desse nome mas, cada vez mais, prefiro os autores anónimos ou que optam por carreiras mais discretas de simples mas perfeitos cozinheiros.

E no Lagostim, sem pretensões, come-se; o que, na maior parte das circunstâncias, é exactamente e apenas aquilo que queremos.

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Lagostim * Praça Filipa de Lencastre, 200 – Porto * Contacto: 222 056 141 * 12h às 16:00 | 18h30 às 23h (encerra Sábado) * Preço médio: 20 € * Nota: 63%