17 novembro 2011

A casa dos segredos

Há quanto tempo procurava eu um restaurante transmontano no Porto! Não falo de casas que prometem vitelas à mirandesa ou feijoadas à transmontana (de resto, prato que nunca vi em Trás-os-Montes) e que depois nos servem carnes de origem mais do que duvidosa.

Graças a um refinado estômago amigo, a quem eternamente ficarei grato, finalmente encontrei o almejado descanso do guerreiro esfomeado num restaurante onde os segredos da cozinha transmontana, e as suas melhores iguarias (e mais difíceis de concretizar com sucesso), estão à disposição do comum dos mortais portuenses.

O Caldeira é uma preciosidade escondida. Uma espécie de privilégio de sábios. E, no entanto, está mesmo ali, numa das praças mais centrais da cidade (Cordoaria), com um coreto à frente, o famoso café “Piolho” ao virar da esquina e a Torre dos Clérigos ao fundo.

A decoração é muito rústica mas a sua genuinidade (cestos com fruta fresca, legumes diversos e garrafões nas paredes) é imensamente acolhedora. A máxima “o cliente é um amigo” é algo que se sente à entrada.

Os proprietários fazem-nos chegar, a custo elevado mas empenhado (e que não se reflecte exageradamente na factura), todos os produtos directamente da origem. E isso – a par com uma mão de fada na cozinha – é parte fundamental do segredo.

A lista de vinhos existe mas somos aconselhados a experimentar – e bem! – “o vinho tinto do meu marido”.

As entradas, embora se paguem, não se pedem. Azeite de qualidade soberba com alho moído, pão e broa quentinhos e vários queijos compõem esta abertura que, de tão boa mas excessiva, pode pôr gravemente em risco a capacidade de enfrentar o que está para vir.

Os pratos são para pesos pesados e para os que gostam de manter essa condição. Sem hesitações, vou directo aos mais típicos e difíceis de encontrar: Favas à Transmontana (que incluem moira, orelheira, carne de vaca, grelos e beringela - € 12,70) e os Chichos com milho (trata-se de uma carne de sabor único daquela que irá servir para os enchidos e que está prolongadamente mergulhada em vinha d’alhos - €12,70). Perfeição é palavra vã para descrever estas obras de arte.

Termino com um doce de abóbora acabadinho de fazer (ainda quente) que se deve misturar com um fortíssimo e delicioso queijo de ovelha. Um licor de maçã bravo-de-esmolfe, essa iguaria da Beira Alta cada vez mais rara ou adulterada, é o grand-finale.

Trás-os-Montes no Porto? É aqui.

Caldeira * Campo Mártires da Pátria, 53 – Porto * Contacto: 222 088 603 * 12h30 – 14h30 19h00 – 23h00 (encerra Domingo) * Preço médio: 20 € * Nota: 78%